O regresso de Pizzi
O mistério em torno do regresso de Pizzi não está relacionado com a ambição do SC Braga mas sim com a casa tática que Artur Jorge pensa construir para afastar as sombras que o queimaram no Benfica.
Pizzi já não será hoje o jogador que um dia levou Bruno Fernandes a pôr para trás das costas a rivalidade Benfica-Sporting e a manifestar admiração por ele num comentário de Instagram. O “como jogas, Luís Miguel!” escrito em 2019 pelo atual número oito do Manchester United, que na altura era capitão dos leões, foi uma vitória contra o ódio clubístico e permanece ainda hoje como um atestado de qualidade do médio que o SC Braga faz agora regressar a Portugal. Pizzi, repito, já não será hoje o jogador de há três anos. Está três anos mais velho, o que aos 33 não é irrelevante, e não se impôs como craque nem na Turquia nem depois, nos Emiratos Árabes, mas estou pronto a admitir que boa parte desse fracasso se tenha ficado a dever ao contexto, que já foi o que lhe acabou com a carreira no Benfica. É por isso, por curiosidade acerca do contexto que o SC Braga terá preparado para o receber de volta, que o regresso de Pizzi é das movimentações mais interessantes deste mercado de inverno em Portugal. Não só porque, juntamente com o empréstimo de Bruma, prefigura o ataque dos minhotos à disputa do título – ou pelo menos de uma vaga na Liga dos Campeões –, mas também porque nos deixa a todos a pensar onde no equilíbrio global da equipa é que Artur Jorge vai encaixar o reforço. Pizzi começou a morrer no Benfica quando Jorge Jesus voltou e trocou o 4x2x3x1 por um sistema com três atrás, no qual deixou de haver espaço para um médio-ala a partir da faixa para o meio. É verdade que Pizzi tinha chegado a ser segundo médio com Jesus, mas isso foi em 2015, quando ele era mais novo e moldável. Depois, com Rui Vitória, voltou à sua zona de conforto, e quando Jesus tentou fazer dele outra vez segundo médio já era tarde demais. A segunda convivência entre Pizzi e Jesus falhou por causa do contexto tático criado: a casa tática montada não lhe servia e evidenciava-lhe mais os defeitos do que permitia enaltecer-lhe as qualidades. Ora, no 4x4x2 do SC Braga, qual será o espaço de Pizzi? Segundo médio, à frente de Al Musrati, como já foi André Horta, mas como ultimamente tem sido mais Racic, precisamente para que a equipa ganhe capacidade defensiva? Dificilmente. Médio-ala, como são Iuri Medeiros, Ricardo Horta, Álvaro Djaló, Rodrigo Gomes, Hernâni e como também vai ser Bruma? É possível, mas mesmo com a saída de Lainez parecem ser soluções a mais para duas posições apenas. Resta uma terceira possibilidade, que é a mudança de sistema para um 4x3x3 que lhe permita ser terceiro médio e que pode prenunciar que, entre Abel Ruiz, Banza e Vitinha alguém pode ainda sair. Mas a curiosidade estende-se muito para lá disso, ao jogar da equipa e é o principal ponto de interesse das próximas jornadas da Liga Portuguesa.
Mitoma e o efeito-Damião. Convenci-me erradamente de que tinha jeito para ser olheiro quando, sem muito que fazer num serão de Janeiro de 2010, em que estava sozinho em casa, e numa altura em que ainda não havia jogos todos os dias, parei no PFC a olhar para a estreia do Internacional de Porto Alegre no Gauchão. Os titulares ainda estavam de férias, que não fazia muito tempo que tinha acabado o Brasileirão, e o jogo com o Ypiranga foi abordado com a equipa B. No ataque estavam Walter, aquele goleador com tendência para ganhar peso que depois passou pelo FC Porto, e Leandro Damião, que nesse dia fez dois golos. Tweetei, nessa noite, algo como: “Vi o futuro do futebol brasileiro e ele chama-se Leandro Damião”. O rapaz tinha coisas de van Basten – e quando ele chegou ao escrete, em 2011, com 21 anos, senti-me validado. Quem está a ler isto agora sabe que, apesar das 17 internacionalizações, Damião nunca foi o presente, quanto mais o futuro do futebol brasileiro. Mas eu fiquei com carinho especial por aquele goleador, a minha primeira descoberta, feita numa altura em que ainda não havia scouting permanente de sofá e internet como há agora. A ponto de lhe ter seguido a carreira e de, ultimamente, ao fim das manhãs, me por a ver jogos do Kawasaki Frontale na J-League, onde ele chegou em 2019. Damião nem sempre era titular, mas o que interessava nos jogos do Frontale era a última meia-hora, quando entrava ele, já pesado e a arrastar-se um pouco, mas sobretudo, um extremo esquerdo que partia aquilo tudo a jogar de pé direito. Kaoru Mitoma passou a ser a minha coqueluche japonesa, numa altura em que Nakajima já tinha aberto as fronteiras do futebol português a um nível que Tanaka nunca atingiu e que possibilitou a chegada posterior de Morita e Fujimoto, por exemplo. Mitoma foi sendo a arma secreta do Frontale até que o Brighton & Hove Albion o contratou, por três milhões de euros, e o emprestou à Union Saint-Gilloise. O japonês fez um ano na Bélgica e foi chamado a casa. No Mundial, várias vezes me insurgi contra Hajime Moriyasu por o ter guardado no banco de uma seleção que podia ter sido bem mais atrativa com ele a tempo inteiro, mesmo que como lateral ofensivo. Mas o que Mitoma fez ontem, no jogo com o Liverpool FC, apaga todas essas horas que passou sentado nos bancos. Recebeu um cruzamento no peito do pé direito, simulou o remate com o segundo toque, fazendo Joe Gomez encolher-se à frente dele, mas em vez disso desviou a bola e deu-lhe com subtileza, em vólei, para o poste mais distante. De caminho, acabou com a época do Liverpool FC, que se já estava fora da luta pela Premier League ficou agora fora da Taça. Tudo graças a Leandro Damião.
Pechinchas e all-ins. Nem só de pechinchas como Mitoma se faz a história. Os jornais de hoje enchem-se com notícias de que o Chelsea, afinal, está pronto a voltar por Enzo Fernández e ainda andam entretidos com o recuo no negócio da ida de Pedro Porro para o Tottenham. Vão? Não vão? Estamos a falar das duas maiores figuras da época de Benfica e Sporting e de um caminho que parece inevitável: a Premier League. As dez transferências mais caras deste mercado de Inverno tiveram todas o mesmo destino: a Premier League. Nesses dez negócios, foram gastos 360 milhões de euros. Ao todo, os 20 clubes da Premier League investiram neste mês um valor acima dos 555 milhões de euros em reforços – e para esse número chegar aos 700 milhões basta que Enzo e Porro se mudem para Londres antes do fecho do mercado, que é amanhã. Ao mesmo tempo, os 20 clubes da Liga espanhola somam 27 milhões de euros em gastos e os 20 da Serie A italiana ficam-se pelos 17 milhões. O futebol europeu continua a dormir enquanto se empenha na luta contra a Superliga fechada sem se aperceber que ela já aí está e é tão fechada quanto pode ser. Nesta é que nunca entraremos. Nem os nossos clubes, nem o Real Madrid, nem o FC Barcelona, nem a Juventus, o Bayern, o Paris Saint-Germain ou quem quer que seja que não esteja em Inglaterra.
A Superliga existe é e bem distinta de outras tentativas. Não há volta a dar.
Bom dia António!
Uma questão: onde vê os jogos da J-League?
Em tempos havia um serviço que proporcionava streams dos jogos japoneses por um valor reduzido (acho que era 5€ por mês), mas entretanto esse serviço terminou e não encontrei alternativa.
Obrigado