Grimaldo, o desbloqueador
O crescimento de Grimaldo, ou o de João Mário, é fruto do trabalho deles, mas também da equipa. Treinar é fazer escolhas e uma delas é em função de quem se constrói o coletivo.
Dá um jeito dos diabos ter um jogador como Grimaldo, que de qualquer livre perto da área pode fazer um golo. Ontem, o espanhol voltou a abrir caminho à vitória do Benfica, desta vez sobre o FC Paços de Ferreira, somando o argumento das bolas paradas a muitos outros que tem a equipa de Roger Schmidt. Pondo-se a ganhar cedo, aumentando igualmente cedo para 2-0, o Benfica pôde depois gerir – e até abusou nisso... – o resto da partida. Grimaldo é um lateral que sempre foi muito mais forte a atacar do que a defender, que em determinadas passagens da carreira na Luz até foi encarado mais como debilidade do que como vantagem, mas é hoje um elemento fundamental na construção do líder da Liga. A resposta para esta mudança não está só nele – ainda que a capacidade recentemente descoberta para ser letal de livre direto tenha provavelmente nascido da soma de muitas horas no campo de treinos. A resposta para esta mudança está sobretudo na equipa, que foi capaz de encontrar a melhor maneira de lhe esconder as debilidades e de lhe reforçar aquilo em que ele é mesmo bom. Se o lateral é fraco a controlar a profundidade atrás dele ou se encolhe no confronto quando é chamado a fechar dentro – aqui até por razões físicas, porque no sue metro e 71 e nos seus 63kgs não é um portento de altura e músculo – a resposta não é fazê-lo crescer em tamanho e peso ou cortar-lhe as pernas no plano ofensivo, onde ele soma assistências e a criação de desequilíbrios que depois resultam em golo. A resposta é preparar a equipa para o absorver, fazê-la mascarar essas debilidades, por exemplo aumentando a agressividade à frente. Esse trabalho global está a fazer de Grimaldo melhor jogador e pode valer-lhe um contrato para ir embora no final da época, mas não garante, de forma alguma, que ele mantenha os níveis de rendimento noutra realidade. O verdadeiro Grimaldo é tanto o super-lateral de 22/23 como o empecilho que ele chegou a ser em épocas de uma realidade coletiva mais tristonha e preparada em função de interesses de outros jogadores. Tal como o verdadeiro João Mário é tanto a máquina deste ano, ou do ano do título no Sporting, como o jogador que na época passada era suplente de Taarabt, Meité ou Paulo Bernardo. O papel dos treinadores não é só escolher os melhores jogadores ou melhorá-los. É muitas vezes escolher em função de quais deles se devem construir as realidades coletivas que beneficiam uns e prejudicam outros. É que aqui não dá para ficar a meio da ponte.
O custo de não jogar. Foi bonita a jogada do golo de Morata, com que o Atlético Madrid abriu o dérbi de ontem. Nem parecia uma equipa de Simeone, dirão os mais mal-intencionados. O Atlético foi sendo capaz de encontrar o espaço atrás dos laterais do Real Madrid, atraindo dentro para atacar por fora, durante boa parte do jogo. E depois deixou de jogar. Passou a ser igual ao que dele conhecemos: linhas juntas, bloco baixo e tentativa de exploração do contra-ataque. Podia até ter-se saído bem, não tivesse Rodrygo inventado o golo do empate que deu prolongamento e, depois, o 3-1 para o Real. É que o custo de não jogar, de encostar atrás, é inevitável e acaba sempre por ser pago, quanto mais não seja porque é muito mais arriscado defender atrás do que ter a bola na frente. O custo de não jogar, de ter menos bola, é passar a fazer mais faltas e acabar por ter jogadores carregados de amarelos, como sucedeu ontem com Savic, que acabou por ser expulso antes de se consumar a virada. O custo de não jogar é que, a dada altura, já a perder e a jogar com um a menos, nem mesmo a defender a equipa está lá. Vejam a diferença entre o slalom de Rodrygo para o 1-1 e o de Vinicius Júnior no 3-1. A diferença é o adversário, que no segundo caso perdeu por falta de comparência.
E quem é que paga a conta? Estive ontem, como orador num dos painéis e como espectador atento nos outros, no FuteCom, evento organizado pela Liga Portugal no Estádio Magalhães Pessoa, em Leiria, que reuniu jornalistas, comentadores e diretores de comunicação de clubes que não os que recebem a maioria da atenção da comunicação social. A conversa estagnou há anos num mesmo ponto. Os clubes queixam-se de que as TVs e os jornais lhes dão pouca visibilidade. E têm muita razão. Os jornais – e provavelmente as TVs também – queixam-se de que o investimento em meios-humanos que lhes permitam cobrir todos os clubes, quando já têm redações depauperadas pela falta de receita, os leva ao prejuízo inevitável e a mais cortes nas redações. E têm o resto da razão, que também não é pouca. Todos sabemos que o jornalismo deve ser independente de modas e do gosto das maiorias, mas também sabemos que esse mesmo jornalismo só é verdadeiramente independente a partir do momento em que for financeiramente viável. E, no reduzido mercado português, o caminho que temos vindo a seguir, em que é a escala dos utilizadores a pagar – mais interessados, alguma receita; menos interessados, zero receita... –, só podia trazer-nos a este ponto. A diferença, para quem manda nos meios, é simples de explicar: pagam os salários das suas reduzidas redações com o jornalismo de rabo sentado na cadeira, com uma notícia que lhes custa meia-hora de trabalho em torno de uma polémica qualquer, mas já não conseguem fazê-lo mandando um repórter durante um dia a Arouca ou a Chaves, com todos os custos a isso associados e menos visualizações. Devem deixar de lá ir? Claro que não. Mas continua a colocar-se a questão de sempre: quem é que paga a conta? Naqueles painéis faltaram elementos indispensáveis: os patrocinadores. O problema é que estes continuam a olhar todos para o mesmo índice: o click. E assim não vamos lá. Há anos que ouço que a publicidade nos meios relacionados com o futebol é mais reduzida que nos outros porque as grandes empresas não querem associar-se às polémicas em que o futebol é pródigo. Mas quando tentei viabilizar um projeto como o Tempo Útil, o programa de entrevistas que lancei há oito meses no meu canal de YouTube, ele morre à nascença, porque não é suficientemente polémico a ponto de ter clicks capazes de justificarem um patrocínio que pelo menos cubra os custos de produção. É neste ponto do círculo vicioso que estamos. E enquanto não houver patrocinadores a pensar fora da caixa, daqui não vamos sair.
Portanto resumindo o Futecom, toda a gente teve razão no que disse, todos os problemas estavam identificados, mas não existe maneira de se puderem resolver. Tá certo.
A chamada pescadinha de rabo na boca.
Tremenda impotência para por exemplo alguém como o AT que quer fazer e falar do futebol de verdade e não tem como.