O que faz o Mundo avançar
Svilar não está feliz com o Benfica. E o Benfica também não há-de estar feliz com Svilar. Em jovens jogadores, há que distinguir valor potencial de valor provado e deixar que o Mundo avance.
Ratko Svilar, antigo guarda-redes jugoslavo e pai de Mile Svilar, a esperança das balizas que cresceu na Bélgica e chegou ao Benfica como uma espécie de fenómeno do Entroncamento, disse ontem à Rádio Renascença que o filho não está propriamente feliz com a situação que vive na Luz, onde fez ao todo 23 jogos em cinco anos – sendo que 20 foram logo nas primeiras duas épocas. Svilar, o filho, tem por isso todas as razões para não querer prolongar o contrato que termina no fim desta Liga, mas é importante que se diga que também o Benfica teria de procurar com avidez um motivo para oferecer a renovação a este guarda-redes de 22 anos. E esta é uma situação que permite distinguir entre valor potencial e valor realizado, chamando à discussão jogadores como Diogo Costa e Luís Maximiano, ou até mesmo Rui Patrício e José Sá, para não sair das balizas.
Svilar até pode ter sido vítima das circunstâncias, de não ter havido um treinador capaz de fazer nele a aposta consistente que Paulo Bento fez em Rui Patrício em 2007 ou que Sérgio Conceição está a fazer agora em Diogo Costa. Mas também podemos perfeitamente dizer que foi ele que não levou nenhum técnico a apostar nele com a continuidade necessária para o ver ganhar as balizas do Benfica – e por ele na Luz passaram Rui Vitória, Bruno Lage, Nelson Veríssimo e Jorge Jesus. Tirando a época de 2018/19, em que foi muitas vezes suplente de Vlachodimos, Svilar nunca passou de terceira opção, ainda que no primeiro ano e meio tenha jogado com regularidade – foram 20 jogos de Outubro de 2017 a Abril de 2019, quase sempre por indisponibilidade física de Varela e Júlio César, primeiro, e depois do grego, que chegou a meio desse período. Mesmo assim, quando uma conjugação perfeita de situações o levou a defender as redes do Benfica na Liga dos Campeões e, ao segundo jogo na equipa principal, com 18 anos apenas, ele cometeu um erro grave, causando uma derrota com o Manchester United, toda a gente saltou em sua defesa. Parecia uma aposta consistente.
Rui Vitória assegurou que ele continuaria entre os postes na partida seguinte (e assim foi, de facto). Matic e Lukaku confortaram-no e Mourinho ganhou mesmo o prémio de melhor companheiro. “Só um grande guarda-redes é que sofre este golo. Este miúdo é um grande talento. É fera”, exclamou o português que então treinava os “Red Devils”, destacando o risco assumido por Svilar a jogar fora da baliza. Como Mourinho era – e ainda é – agenciado pela Gestifute de Jorge Mendes, que por esta altura tinha uma relação com o Benfica que Luís Filipe Vieira chegou a definir como uma “parceria”, logo começou a especular-se que Svilar estaria lançado para os mais altos voos e que as palavras do Special One lhe serviriam de trampolim. Afinal, pelas redes da Luz tinham começado o seu percurso jogadores como Oblak ou Ederson, que entretanto já brilhavam nos maiores estádios da Europa. Só que Svilar nunca chegou a descolar. Ainda fez nove jogos nessa época e onze na seguinte, chegou a defender em clássicos das Taças com o FC Porto e o Sporting, mas desde Abril de 2019 soma apenas três partidas, na Liga contra o CD Aves e o Nacional – esta no meio do surto de Covid19 que afastou os titulares, em 2020 – e com a Belenenses SAD, na Taça de Portugal. Por mais que esteja bem na equipa B, esse rendimento é curto para justificar que Svilar e o Benfica achem que faz sentido continuarem juntos.
O que está aqui em causa não é o valor dos jogadores. Mas quando se trata de aposta em jovens, convém sempre distinguir valor potencial de valor realizado. Sempre que me perguntam se o jogador A ou o jogador B podem ser importantes na equipa principal, digo que a não ser em casos muito especiais é impossível dizê-lo por decreto, que só depois de lá estarem e de jogarem é que se percebe como reagem num contexto de pressão ao mais alto nível. E que mesmo aqueles que fracassam num determinado contexto podem depois vir a revelar-se noutro. Diogo Costa, por exemplo, está a reagir bem e a justificar perfeitamente a aposta de Sérgio Conceição no FC Porto, relegando para o banco o excelente internacional argentino Marchesín. Apenas três semanas mais novo que Svilar, Diogo Costa dividia o seu tempo entre a equipa B e a equipa de juniores do FC Porto quando o sérvio já jogava na Liga dos Campeões. A estreia na equipa principal fê-la pela porta da Taça da Liga, dois anos depois do promissor rival chegar ao patamar mais elevado de todos. Mas depois de quase dois anos a jogar as Taças, Diogo pegou de estaca e hoje já ninguém duvida que será guarda-redes do FC Porto por vários anos ou que pode perfeitamente suceder a Rui Patrício na seleção nacional.
Um bom guarda-redes não tem de ser um fenómeno precoce como Diogo Costa ou Patrício. Luís Maximiano, por exemplo, nunca conseguiu afirmar-se verdadeiramente nas balizas do Sporting e, para ser campeão, Rúben Amorim achou necessário chamar o experiente Adán. Depois de o verem defender as suas redes em 36 jogos, os leões libertaram-no, permitindo-lhe ser hoje um dos melhores guarda-redes da Liga espanhola, no Granada CF. Fizeram mal? Não creio. Como não creio que tenham estado mal Benfica e FC Porto quando se revelaram incapazes de aproveitar José Sá. Sá jogou um Mundial de sub20 ligado ao Benfica, depois de por lá ter feito percurso nas camadas jovens, mas nunca chegou a defender as redes da equipa principal das águias. Dispensado, passou pelo Marítimo e esteve dois anos e meio no FC Porto, onde serviu sobretudo de sombra motivadora a Casillas. Ainda fez 27 jogos antes de sair para o Olympiakos e hoje, no Wolverhampton WFC, é um dos melhores guarda-redes da Premier League.
As coisas têm de seguir o seu rumo. Quando não dá num sítio, tenta-se noutro. Por ocuparem a posição mais individual de todas, os guarda-redes não podem dar-se ao luxo de ser teimosos. Nem os clubes com eles. Ratko Svilar diz que o filho não está feliz por não jogar, como creio que o Benfica estará pouco feliz por tê-lo apenas a defender na equipa B, mas ainda que uma separação possa levar ambos a crer que falharam no objetivo, às vezes é a única forma de fazer o Mundo avançar.
O mundo dos guarda redes é bastante cruel. É perfeitamente possível fazer uma carreira no banco. É há quem não se importe... Depois, creio que no meio disto tudo há uma grande dose de aleatoriedade. Baía teria sido o que foi se Mlynarczyc arczyc não se tivesse magoado? E o Bizarro, que até punha o Baía no banco das seleções, por que não teve oportunidades em clubes de maior dimensão? Rui Patrício seria o que é se Paulo Bento não o tivesse segurado quando cometeu um punhado de asneiras? E neste caso, abre-se outra questão. É de louvar o treinador que mantém o jogador após ele falhar, que não o deixa cair. Mas e quem está à espera de uma oportunidade? Se não entra quando o outro falha, quando entrará? Não é fácil esta gestão. Claro que, depois de aparecer no timing certo, convém mostrar competência. Ou seja, não é só sorte, mas que dá jeito estar no sítio certo à hora certa, lá isso dá.
Creio que foi aposta cedo demais. Até podia dar certo, mas claramente ainda não estava preparado. Na altura que podia estar um pouco mais preparado, ficou tapado. Agora parece que estagnou e não creio que vá renovar.