O trunfo Amorim
Mesmo que o não diga ou se recuse a admiti-lo, Varandas sabe que o maior mérito da sua gestão foi ter acertado na escolha de Amorim. E que o seu maior desafio será o que vai fazer com o ás de trunfo.
Frederico Varandas não surpreendeu na entrevista ontem concedida à TVI/CNN, falando aos sportinguistas do alto do palanque a que subiu com a conquista do título nacional de futebol, em princípio o suficiente para lhe assegurar a reeleição. A separação que o presidente leonino tenta impor a cada momento entre a sua equipa e os rivais diretos sai-lhe sempre um pouco forçada, mas até ver isso é mais uma questão de estilo ou de falta de loquacidade do que de princípios ou pelo menos de ações. Varandas desafia a ideia de que no futebol português não se pode ter sucesso contra os outros dois grandes e é de peito aberto que enfrenta Pinto da Costa e o Benfica, confiante de que não será apanhado nos caminhos que outros já trilharam e consciente de que na mão tem o ás de trunfo que é Rúben Amorim no atual contexto do futebol português. É que se muito do seu legado será marcado pela aposta em Amorim, quase tudo o que a sua presidência será caso venha a conquistar o segundo mandato dependerá do que vai fazer com ele.
É verdade que a Final Four da Taça da Liga, já no final deste mês, e os jogos com o Manchester City (primeira mão dos oitavos-de-final da Champions, em meados de Fevereiro) e o FC Porto (duplo confronto, para a Liga e para a Taça de Portugal, este um par de dias antes das eleições) podem representar um risco para o ato eleitoral de 5 de Março, mas é pouco provável que Varandas venha a perder um segundo mandato. Ainda assim, seja por uma questão de princípios, por sentir o peito cheio de vitórias ou por achar necessário piscar o olho às fações mais radicais do clube, que funcionam sempre por oposição aos rivais, o presidente leonino desvia-se do caminho da tecnocracia pura quando dispara no sentido de Pinto da Costa, sublinha o tiro, assina-o por baixo e ainda se junta ao grupo dos que exigem que a investigação vá até às últimas consequências no caso das escutas do Benfica. Se tem a certeza de não ter telhados de vidro, está certamente no direito de o fazer, mas não só essa linha de ação é ligeiramente desviada da tal tecnocracia que ele representa, face a líderes mais sanguíneos que todos os clubes vão conhecendo ao longo da história, como é um desafio exigente e arriscado.
Os situacionistas optarão por sublinhar que o presidente leonino segue este caminho por ser um homem honesto, que não compactua com operações menos claras. Os oposicionistas considerarão que o faz porque quer desviar as atenções do facto de ao mesmo tempo estar a dormir com o inimigo, por exemplo na forma como voltou a abrir as portas do clube a Jorge Mendes, banido de Alvalade nos tempos de Bruno de Carvalho. Claro que as motivações são importantes, mas são igualmente inescrutáveis, pelo que mais relevante neste momento é perceber as razões práticas por trás das atitudes. Varandas vai de frente contra todos porque tem na mão o ás de trunfo que é Rúben Amorim. E, como em todos os jogos, há nisso um misto de sorte e de mérito. É possível alegar que Amorim salvou a gestão do atual presidente, que estava tão convicto na capacidade do seu atual treinador que apostou primeiro em Keizer e Silas, metendo pelo meio Leonel Pontes. Mas também é aceitável que se diga que acertou em cheio quando fez aquele “all in” no treinador que foi buscar a Braga, tornando-o logo ali um dos mais caros da história do futebol mundial e confiando que ele se pagaria a si mesmo. Se corresse mal, era a sua última cartada. Mas, conforme disse o próprio Amorim no ato de apresentação: “E se corre bem?”
Correu bem. Hoje, é possível dizer que quem mudou a vida do Sporting foi Amorim. É também possível afirmar que se, como tudo indica que vai acontecer, reelegerem Varandas, os sócios leoninos estarão sobretudo a prolongar o mandato do homem que escolheu Amorim, a votar para manter o treinador, assegurando a continuidade dos dirigentes em quem ele confia. E até podem dizer-me que as prioridades assim estão invertidas, mas isso vai transportar-nos para o grande desafio desse eventual segundo mandato: até quando conseguirá o Sporting manter o treinador? Amorim tem contrato até 2024 e diz repetidamente que está feliz em Alvalade, que se revê no projeto, que tem confiança na estrutura. Mas o facto de isso ser sequer assunto já nos mostra que o prolongar desta sociedade depende de novos desafios que se colocarão no futuro ao presidente, seja ele quem for. O mais óbvio, mas também mais fácil de superar, é conseguir passar incólume por momentos de derrota e desânimo que inevitavelmente surgirão no horizonte sem pôr tudo em causa. Mas o fundamental mesmo é transformar o Sporting, dar-lhe estatuto europeu, torná-lo pelo menos tão grande como um treinador de sucesso – podem repetir as vezes que quiserem que um clube é sempre maior do que os seus melhores (o que até é verdade), mas isso leva tempo a conquistar e o estatuto internacional do Sporting tem sido pouco mais que zero.
Mourinho e Villas-Boas só saíram do FC Porto depois de conquistarem troféus internacionais. Sérgio Conceição foi bicampeão no Dragão e a ideia que fica é a de que lá estará enquanto lá o quiserem. Ao Sporting falta dar estes passos de crescimento que lhe permitam ser maior do que os seus melhores. E nisso Varandas ainda tem de mostrar que aprendeu com Pinto da Costa.
Varandas deu uma entrevista a um órgão de comunicação social não oficial do clube. Ponto importante e que não é valorizado.
Também não acredito em homem providenciais, em projetos, etc. Porque tudo isso acaba se a bola bater na trave... e não entrar.
Vai ser difícil segurar Rubem Amorim. Então, se for bicampeão... RA tem tudo para singrar no estrangeiro e em clube grande da Europa. Talvez o mesmo nunca venha a acontecer com SC, porque tem portismo a mais...
No fim da linha, acho que conta mesmo são os resultados. Por mais rigorosa que uma gestão seja, se a bola não entrar há de haver sempre contestação. Mesmo o eterno Pinto da Costa teve de enfrenta-la em períodos de seca do Porto. "Está velho". "Devia dar o lugar a outro". "Já passou o tempo dele". Como esses períodos de seca não foram muito prolongados, Pinto da Costa manteve-se. O que, por outro lado, nos mostra uma gestão competente dessas alturas de, digamos assim, crise. Ou seja, a competência também conta. Inegável. Mas mesmo com essa competência, a bola tem de entrar. Já houve decisões erradas que resultaram em sucesso desportivo (o sporting de Inácio foi campeão numa época em que teve chicotada) e decisões acertadas que bateram no poste. Agora, é sempre melhor ter trunfos na mão do que ir a jogo com um par de duques à espera de um milagre.