O plano português do Chelsea
Em Inglaterra insiste-se que, não podendo comprar jogadores até Janeiro, os donos do Chelsea querem uma parcela minoritária no capital do Sporting. Um dossier a gerir com delicadeza.
No mesmo dia em que se soube que há clubes asiáticos prontos a processar a AFC – a Asian Football Confederation – por permitir a entrada na sua Liga dos Campeões de três emblemas detidos pelo mesmo fundo de investimento, o PIF saudita, e de mais dois pertencentes ao City Group, os jornais ingleses insistem que o Chelsea continua super-focado na compra de uma parcela minoritária do Sporting e, mais, que este tema é visto como estratégico no plano de expansão dos donos do clube inglês. O assunto é sensível, como parecem reconhecer Behdad Eghbali e Todd Boehly, que já torraram mais de mil milhões de libras – 1.170 milhões de euros – em jogadores na busca do Santo Graal a que chamam “uma equipa de 100 pontos” e estão agora a entrar na fase dois do projeto, que é a multipropriedade. Foi no seguimento deste plano que em Junho já compraram a maioria das ações do Racing Estrasburgo, de França. Ora, mais até do que a competência de Guardiola, a multipropriedade é vista por Boehly e Eghbali como a grande vantagem do grupo City, que tem clubes espalhados por todo o Mundo, dessa forma podendo dar aos jogadores o ambiente correto para crescerem antes de entrarem no navio-almirante. É fácil de explicar o princípio e, como se tem tornado prática cada vez mais comum, a coisa até está regulamentada: não podem entrar na mesma competição clubes em que o mesmo dono tenha mais de 30 por cento das ações. É por isso que a Liga dos Campeões asiáticos promete ser polémica. Nela estão o Mumbai City (65 por cento é do City Group) e o Melbourne City (totalmente detido pelo grupo que é também dono do Manchester City), mas também o Al Hilal, o Al Ittihad e o Al Nassr, que pertencem a 75 por cento ao PIF, o Fundo de Investimento Soberano do reino da Arábia Saudita. E é por isso, também, que na Europa estas mega-potências que ameaçam a integridade das competições têm mais cuidado: quando veio comprar parte do capital do SC Braga, por exemplo, o Qatar Sports Investment, que é dono do Paris Saint-Germain, ficou-se pelos 21,6 por cento, dessa forma evitando entrar em conflito com os regulamentos. O V Sports, fundo dono do Aston Villa, teve de reduzir a participação na SAD do Vitória SC dos projetados 46 por cento para uns 29 por cento que caem dentro dos limites. A questão aqui, porém, é bem mais ampla e passa por tentarmos perceber se, mesmo dentro da lei, esta é uma prática saudável – e eu acho que não é. E, depois, pensando em termos estritamente nacionais, se é uma prática da qual os nossos maiores clubes possam tirar bons resultados – e eu também acho que não é. Nasser Al-Khelaifi, o CEO do QSI, que até esteve presente na inauguração da segunda fase da cidade desportiva do SC Braga, pode reforçar que o PSG não tem uma palavra a dizer na gestão do clube minhoto, mas é evidente que a única coisa que os clubes mais poderosos querem comprar com estes investimentos é influência. A mesma influência que John Textor – outro mago da multipropriedade, com os interesses no Botafogo, no Ol. Lyon e no Crystal Palace – quis adquirir no Benfica ou que agora as fontes contactadas para o artigo do Telegraph dizem estar a travar a entrada do Chelsea no capital do Sporting. “Para o Sporting ser um parceiro júnior num acordo destes é um grande salto. O clube foi 19 vezes campeão português e venceu uma Taça das Taças. [No Chelsea] há a noção de que, a acontecer, um acordo com o Sporting terá de ser conduzido com muito mais sensibilidade do que a habitual aquisição de um arquetípico clube pequeno desesperado por investimento”, escreve Sam Wallace no Telegraph de hoje. E toca no ponto quando fala em “desespero”. Não se trata, para já, de abdicar do controlo. Quem quiser vender esta solução terá sempre essa bandeira: “Manteremos a maioria e o poder de decisão”, alegarão. “É só dinheiro a entrar”, acrescentarão. Mas com que contrapartida? O futebol em Portugal é ainda uma atividade deficitária, em que mesmo os grandes clubes precisam de fazer mais-valias com transferências para equilibrar os orçamentos. Mas a pergunta a fazer é: e com a entrada destes super-grupos vão deixar de precisar? Os melhores jogadores dos nossos grandes deixarão de ir para a Premier League, para a Bundesliga, para o PSG ou até para a Arábia Saudita em busca de competições mais apelativas ou até de mais dinheiro, como foram este ano Grimaldo, Enzo Fernández, Gonçalo Ramos, Otávio ou Ugarte? A resposta é não. Porque no futebol há que ser capaz de ver além do dinheiro – e ainda não descemos tanto a ponto de a submissão ser uma alternativa.
O guião de Sérgio. A conferência de imprensa de Sérgio Conceição, a primeira em mais de um mês, decorreu em ambiente controlado, na medida em que com tanto tempo de silêncio o treinador do FC Porto já ia mais do que preparado para todos os temas que podiam surgir. Não há mal nenhum em levar a lição estudada, mesmo que ali tenha aparecido um Conceição em contraciclo com aquilo que ele próprio se orgulha de ser: um tipo genuíno. Não que tenha sido falso ontem. Simplesmente disse exatamente aquilo que tinha no guião. No final, saiu-se bem de todos os temas menos daquele que não tinha defesa, que foi a inqualificável recusa de abandonar o banco após a expulsão na Supertaça. Teve mil por cento de razão na identificação do oportunismo político das críticas de Rui Moreira, pareceu honesto quando explicou o caso-Moutinho – e eu próprio, mesmo sem falar com ele, tinha feito essa análise, aqui – entendem-se as suas opções no regresso do filho Francisco e admira-se-lhe a sinceridade quando admite que a equipa está “a jogar pouquinho”. Mas vir defender que não saiu do banco na Supertaça porque não tinha percebido que o cartão vermelho era para ele quando as imagens provam exatamente o contrário, quando não é preciso ser especialista em leitura labial para perceber que ele disse coisas como “não saio” ou “ele que me explique”, já é esticar demasiado a corda. E aqui, se calhar, o abuso nem é de Sérgio Conceição, mas de quem entendeu que podia vir misturar a realidade com a ficção que só a parcela mais inclinada da audiência está disposta a consumir. Estão a ver aqueles filmes que no início dizem: “baseado em acontecimentos reais”. Foi assim o regresso de Sérgio Conceição às conferências de imprensa.
Como assim, The Best? Já são conhecidos os doze finalistas para o prémio FIFA The Best e o sentimento geral, do qual comungo, é de incredulidade. A FIFA teve o cuidado de dizer que o período em análise era entre 19 de Dezembro de 2022 e 20 de Agosto de 2023, excluindo os jogos do último Mundial, o que leva qualquer um a olhar para os nomes e a beliscar-se para ver se está a ler bem. Alvarez? O argentino, que foi importante na caminhada da sua seleção até ao título mundial, só foi 15 vezes titular nos 39 jogos que o Manchester City fez nesse período, nenhuma das quais na Liga dos Campeões – e cinco nas taças internas. Rice? Era um pêndulo no West Ham, antes de se transferir para o Arsenal, é verdade. Até ajudou a ganhar a Liga Conferência, mas foi 14º na Premier League. Messi? Não foi pelo título mundial, que ele conquistou antes do início do prazo. Também não foi pela forma como revolucionou as exibições e os resultados do Inter Miami, porque já se estreou depois do fim do prazo. Não foi por causa da Liga dos Campeões, que esteve em campo e não evitou a eliminação nos oitavos de final, com duas derrotas a zeros contra o Bayern – que não tem nomeados, aliás. Então foi porquê? Pela contribuição para o título francês do Paris Saint-Germain? Ou porque é Messi e afinal isso dos prazos é uma gigantesca treta e a ideia é mesmo a de consagrar os melhores enquanto eles jogarem?
A renovação de Palhinha. O que aconteceu a João Palhinha no último mercado não se deseja a ninguém. Chegou a acordo para se mudar do Fulham para o Bayern, de uma equipa de bairro em Londres para um colosso alemão, foi fotografado nas instalações do clube bávaro depois de fazer exames médicos que lhe retiravam o foco da luta pela manutenção e lho passavam para a conquista da Bundesliga e da Champions, mas depois viu o dono do clube inviabilizar-lhe a saída. Com todo o direito – não é isso que está em causa. Os jogadores têm de habituar-se à ideia de que os contratos não consagram apenas direitos mas também deveres e um dos deveres é o de os cumprir. Palhinha cumpriu, voltou a Fulham, mas não acredito que quando fecha os olhos não se veja vestido de vermelho numa final da Liga dos Campeões. É por isso que, por mais dinheiro que lhe tenham oferecido, a renovação de contrato que assinou ontem com o clube inglês me parece incompreensível a não ser que nela exista uma cláusula capaz de lhe permitir sair em breve. Os próximos mercados no-lo dirão.
O problemas dos supergrupos é sem dúvida o criar equipas satélite. E custa-me esse tipo de projetos em que o satélite possa ter plantéis construídos e destruídos. Se bem que há exemplos equilibrados. O grupo City, por exemplo, tem clubes com crescimento sustentado como o Girona. E, por exemplo, a RedBull, normalmente um bom modelo, não tem uma ligação tão umbilical entre os seus irmãos. Recordamos que Haaland foi para o Dortmund e não RB Leipzig. E recordo-me também dos austríacos também não terem ajudado os alemães na fase de grupos em que se encontraram na Liga Europa. Cá em Portugal, embora não da mesma dimensão, penso muitas vezes no Famalicão que não tanto esta temporada, mas nas anteriores, construía e destruía plantéis, se bem que para isso não seja preciso fazer parte de um grupo económico de rotação de jogadores. Supreende-me como o FC Porto consegue destruir plantéis todos os anos, sobrevivendo apenas graças a um treinador criativo. Acho que Portugal já começou o caminho da submissão financeira, infelizmente, pois aparentemente a única equipa que parece gozar de margem financeira é o Benfica, e não sei se o tempo de vacas gordas será para durar. A ver vamos, mas que a realidade intercontinental chegou já não é uma ficção, mas uma realidade já a germinar.