O que traz Hjulmand
O médio dinamarquês estreou-se ontem como titular do Sporting e modificou a dinâmica do setor e a capacidade para a equipa de Amorim controlar o jogo. E não foi pela dimensão física ou duelista.
Se na política o que parece, é, no futebol as coisas nem sempre são o que sugerem. Foi quando o Sporting contratou um ponta-de-lança que os saudosos de Jardel ou Bas Dost tanto pediam que aquele que já lá estava, Paulinho, começou a meter golos, a ponto de as perguntas acerca da sua inutilidade já terem dado lugar a questões acerca de um eventual regresso à seleção. E foi quando na equipa entrou um médio que à chegada foi comparado a João Palhinha pela dimensão física e que veio substituir um especialista em duelos como é Ugarte que os leões começaram a ser capazes de exercer algum controlo com bola sobre um jogo. Hjulmand estreou-se no onze na vitória de ontem, contra o FC Famalicão (1-0, jogo comentado aqui), e não se destacou pelos desarmes, pelos duelos ganhos, pelos carrinhos ou por qualquer ação de marcação de que a equipa de Rúben Amorim precisasse, mas sim por outras coisas que de facto faltavam aos verde-e-brancos, como a capacidade para ter bola. É verdade que durante boa parte do tempo os famalicenses se mostraram mais tímidos do que se esperava, quase renunciando ao jogo ofensivo para terem todos os caminhos tapados para a sua baliza, mas nem só à incapacidade para meter a bola de súbito na área terão ficado a dever-se as posses mais longas do Sporting. Hjulmand trouxe jogo a dois toques e alguma capacidade para ligar dentro do bloco adversário, porque geralmente via bem as desmarcações de apoio à sua frente e as recompensava com passes de progressão controlada. Ao mesmo tempo, sem bola, conferiu à equipa alguma inteligência posicional nas ações de pressão no meio-campo adversário, deixando de lado os receios de que não fosse capaz de se adaptar ao jogo de uma equipa mais dominadora – no US Lecce os posicionamentos defensivos eram necessariamente mais baixos no campo e era só isso que ele conhecia. Curiosamente, além de ser evidente que precisa ainda de acelerar processos de circulação, o que poderá fazer quando conhecer melhor a equipa, foi no plano físico que o dinamarquês deixou mais a desejar, a ponto de ter sido o estoiro que ele deu a partir do meio da segunda parte a permitir que o FC Famalicão pensasse reentrar no jogo e a forçar Amorim a trocá-lo por Bragança, de forma a voltar a ter capacidade para ter bola. Porque há uma coisa que o futebol nunca desmente: é com bola e não com disponibilidade física para correr atrás dela que se controlam os jogos.
A reviravolta Moutinho. João Moutinho, afinal, acabou no SC Braga e até já foi convocado para ir a Atenas com os companheiros que amanhã vão discutir a presença na fase de grupos da Champions. E foi corajosa a tomada de decisão do FC Porto a este respeito. O jogador estava pronto para assinar, mas Sérgio Conceição terá entendido que não era de mais um médio que precisava depois de ter perdido Otávio e não deu o visto bom à contratação. É pena não termos de viva-voz a confirmação de uma tese que na minha cabeça, no entanto, faz sentido. Para jogar nas duas posições que Moutinho poderia ocupar, o FC Porto já tem Alan Varela, Grujic, Eustáquio, Nico González, Romário Baró e Bernardo Folha. Moutinho faria melhor do que alguns destes? É possível. Mas estes já lá estão e, além de não resolver o problema que a saída de Otávio veio trazer – falta um médio-ala... –, a sua entrada traria custos que provavelmente dificultariam a vinda de quem o técnico verdadeiramente quer. O jogador acabou em Braga, onde Salvador continua a acumular qualidade e experiência. Onde entrará Moutinho no 4x2x3x1 de Artur Jorge? Pode entrar no duplo-pivot do meio, disputando uma de duas vagas com Al Musrati, Vítor Carvalho, Castro e Djibril. E pode entrar como 10, atrás do ponta-de-lança, em luta com qualquer um dos manos Horta, Zalazar ou Pizzi. As opções são muitas, os custos também o serão. E esta é mais uma razão para que o jogo de amanhã e o acesso aos milhões da Liga dos Campeões sejam absolutamente fulcrais na época do SC Braga.
Pensar, desequilibrar ou rasgar. Aursnes voltou a ser defesa-esquerdo em Barcelos e até deu uma assistência de pé esquerdo na vitória do Benfica sobre o Gil Vicente (3-2, jogo comentado aqui). Roger Schmidt fez uma tentativa interessante de combater a falta de largura naquele lado mandando para lá, episodicamente, Di Maria, que na primeira parte fez de tudo: surgiu a desequilibrar para dentro a partir da direita, a abrir o jogo na esquerda em trocas posicionais com João Mário e às vezes até baixou para organizar na zona de meio-campo. Os custos a pagar por esta estratégia foram o relativo desaparecimento do argentino na segunda parte, quando jogo acelerou e ele já não tinha pilhas para corresponder. O problema é que ficou em campo até ao fim, fazendo ecoar na mente de quem estava a ver as palavras que ele tinha dito de forma absolutamente cândida e sincera na semana passada – “Schmidt sabe como eu sou... Não gosto de ser substituído”. O Benfica está a tentar uma espécie de “all in” que, a resultar, pode ser explosivo. Na linha da frente, além do potencial-estrelar do argentino, que pode ser competente em todas estas vertentes, tem capacidade para pensar e ligar o jogo com João Mário (ou Aursnes, quando lá voltar), para o desequilibrar com Neres e para o rasgar com Rafa. Até ver, por enquanto, só a última arma tem sido constante. É isso que tem feito de Rafa o jogador do momento no campeão nacional, mas é importante que o treinador perceba que esta vertente, por si só, dificilmente chegará.
O modo Crocodile Dundee. A Premier League deste fim-de-semana parecia a Liga Portuguesa de há um par de anos. Fábio Vieira e Palhinha a brilharem no empate entre Arsenal e Fulham, Bruno Fernandes a comandar a virada do Manchester United contra o Nottingham Forest, Darwin a mostrar que é com a equipa atrás e espaço na frente que mais aparece e a bisar na vitória de um Liverpool FC com dez contra o Newcastle United. Mas um dos momentos do fim-de-semana, a entrevista pós-jogo de Ange Postecoglu, o novo treinador do Tottenham, após a vitória em Bournemouth, não seria possível em Portugal. O australiano que já é apontado como a “lufada de ar fresco” do campeonato continua a mostrar capacidade para tirar o gravitas de cima do futebol da sua equipa – e quem sabe se aquilo de que o Tottenham precisava não era disso, de um baixar de expectativas após a perda de Harry Kane e de um treinador sem pedigree, uma espécie de Crocodile Dundee que tem o descaramento de se rir na cara dos comentadores que estavam com ele em estúdio e relativizar a inserção dos seus laterais no meio-campo dizendo que está “apenas a copiar Pep” (pode ver a entrevista aqui). Ao contrário do aventureiro interpretado no cinema por Paul Hogan, o treinador que chegou do Celtic não levará a taça no fim, mas a viagem terá valido a pena na mesma.
Então e o Yamal? Não vi o jogo, mas gostei do resumo. Lamine Yamal, 16 anos feitos no mês passado, aproveitou o castigo a Raphinha, expulso contra o Getafe na primeira jornada, e as dificuldades do FC Barcelona para inscrever mais e mais jogadores que satisfaçam o apetite de Joan Laporta para se impor nas escolhas de Xavi. Ontem, contra o Villarreal CF, nos 4-3 com que os catalães venceram, não fez a coisa por menos: uma assistência para Gavi no 1-0 e dois remates aos postes, o segundo dos quais resultou no 4-3 final, obra de Lewandowski na recarga. Continuo a achar que a passagem de Deco diretamente das funções de agente de Raphinha para as de diretor de futebol do Barça encerra em si muitos problemas – e um deles vai ser a gestão do lado direito do ataque blaugrana. E agora? Quem joga?
O Moutinho está convocado mas não pode jogar! Não está inscrito
Joga quem Xavi quiser que jogue.