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O mundo ao contrário
Acabou a Bundesliga, os derrotados foram aplaudidos emocionalmente, os vencedores foram despedidos como incompetentes. Há mais do que resultados na avaliação de adeptos e das direções.

O final da Bundesliga, no sábado, antes de Benfica e FC Porto rematarem as suas participações na Liga portuguesa, foi drama do melhor – e o desfecho parecia saído das páginas de Lewis Carroll e da boca do chapeleiro louco, de Alice no seu país das maravilhas. “Nada seria o que é, porque tudo seria o que não é. E, pelo contrário, o que é, não o seria. E o que não é, sê-lo-ia”. As cenas de Colónia e de Dortmund vieram diretamente do outro lado do espelho. Edin Terzic, o treinador do Borussia Dortmund, deixou o relvado do Signal Iduna Park em lágrimas, não só por ter visto a sua equipa deitar ao lixo a possibilidade de interromper uma década de domínio do Bayern Munique, mas porque depois do frustrante empate em casa (2-2) contra um FSV Mainz que já estava de férias, viu o muro amarelo unir-se para lhe cantar o nome em sinal de reconhecimento por quase ter lá chegado. Cem quilómetros a sul, quem fazia a festa eram os jogadores do Bayern, que ganharam ao FC Colónia (2-1) com um golo de Musiala aos 89’ e recuperaram o primeiro lugar que eles mesmos pareciam ter deitado fora na receção ao RB Leipzig, na semana passada. Hasan Salihamidzic, o diretor-desportivo dos bávaros, ainda foi ao campo festejar o 11º campeonato consecutivo, mas já a saber que tinha sido demitido pela direção, tal como o CEO do clube, o antigo guarda-redes Oliver Kahn – e este, que reagiu “de forma muito emocional” ao despedimento, nem teve autorização para acompanhar a equipa no que se esperava fosse uma saída sem glória. Acompanhei os acontecimentos pelo telemóvel, já em estúdio, na RTP, à espera de entrar em direto para comentar a nossa Liga, no pré-match da derradeira jornada, enquanto o ecrã se preenchia com “voxpops” de malta eufórica, certa e segura de que tudo ia correr de acordo com o esperado. E, mais do que achar que o drama da última jornada da Bundesliga poderia repetir-se em Portugal – tal como pode ver no trabalho em que contei a história dos 30 campeonatos decididos só na última jornada, não há uma inversão de hierarquia em cima da meta desde 1955 –, no que pensava era na maturidade desportiva necessária para se chegar aos desenvolvimentos extra-campo que marcaram o dia alemão. Qual seria o público capaz de ver honra e não a famigerada “falta de cultura de exigência” na forma como o Borussia Dortmund caiu na última barreira? Qual seria o treinador que, face ao que aconteceu ao Bayern – esteve à beira de perder o campeonato devido ao terceiro penalti cometido nas últimas duas jornadas – diria, como disse Thomas Tuchel, que a sua equipa continua a oferecer penaltis “de borla”, em vez de se virar contra os árbitros? E qual seria a direção que, a dois dias da última jornada, demitiria o CEO e o diretor desportivo, por terem transformado esta que acabou por ser a temporada do 11º título numa gigantesca trapalhada, com demissão de Julian Nagelsmann e entrada em mau momento de Tuchel? O futebol é um desporto que no final tem um vencedor e múltiplos vencidos. Nele, ninguém tem obrigação de ganhar e ninguém está batido à partida. Todos o sabemos, mas de vez em quando precisamos de uma jornada como esta 34ª da Bundesliga para no-lo recordar.
O Novo Campo Novo. Gavi fez ontem o último golo do Camp Nou, que vai ser substituído pelo Nou Camp Nou, ou se quisermos, em português, pelo Novo Campo Novo. Fica assim de vez resolvida a eterna questão acerca da nomenclatura de um estádio que nasceu sem nome, a substituir Les Corts, na década de 50, ao qual os adeptos catalães começaram a chamar Camp Nou, porque era novo, mas a que, por razões fonéticas do castelhano que nós, portugueses, não somos capazes de alcançar, o franquismo determinou que se chamasse Nou Camp. Era mais fácil de pronunciar pelos espanhóis... Só em 2001, num referendo ao qual os sócios do Barça responderam por correio, se decidiu por uma versão – e ficou Camp Nou. Vivi no Camp Nou momentos marcantes da minha carreira de jornalista, como a final da Liga dos Campeões de 1999. Mas tanto como a reviravolta do Manchester United em cima do Bayern (2-1) lembro daquela imensa estrutura de betão um final de manhã de Abril de 1992 em que, depois do treino, o saudoso Ricard Maxenchs y Roca, na altura diretor de comunicação do FC Barcelona, simpatizou com a minha insistência de jovem repórter – o repórter tem mesmo de ser chato... –, me avisou que Johan Cruijff tinha decidido baldar-se ao compromisso que tinha marcado comigo e me abriu uma porta lateral que, pelas catacumbas, me dava acesso ao parque de estacionamento no qual jogadores e treinadores tinham os carros. Corri como se fosse o Berti Vogts e apanhei o homem à justa. Mesmo a contragosto, nuns minutos encostado ao carro, foi ali que Cruijff me proporcionou a primeira grande lição que tive na vida acerca de futebol. Maxenchs morreu em 2008 e o Barça deu o nome dele à sala de imprensa do Camp Nou que agora vai abaixo. É que já não há chefes de imprensa assim.
A persistência de Doucouré. Um golo é tudo. Para uma equipa como o Everton, que não faz muitos, é mais do que tudo. Pelo segundo ano seguido, o segundo clube de Liverpool deixou a permanência para o fim. Como uma das três equipas que acabaram a Premier League com menos de um golo por jogo – as outras foram o Wolverhampton WFC e o AFC Bournemouth, que tinha pela frente no último dia –, o Everton de Sean Dyche sabia que precisava de sair por cima neste jogo “para unders”. Um golo era tudo. E quem o marcou foi o maliano Abdoulaye Doucouré, com um remate potente desferido da meia-lua, depois de o enésimo cruzamento bombeado para dentro da área de Travers ter sido afastado pela diligente defesa adversária. O golo que garantiu o 70º ano seguido do Everton no escalão principal, ainda que com uma equipa claramente abaixo dos pergaminhos do clube, foi sinal de persistência de um jogador que há quatro meses estava a treinar sozinho, porque Frank Lampard já não contava com ele. E mostra que o fim só está aí quando se desiste de lutar, porque há sempre uma porta lateral que dá acesso às catacumbas e ao objetivo.
O mundo ao contrário
E a Alemanha voltou a proporcionar-nos mais momentos de drama na Bundesliga 2 com os jogos de Hamburgo e Heidenheim. Que campeonato.