Dia de campeões
É preciso não gostar nada de futebol para encarar a ocasião rara que nos vai ser dada amanhã em negação. Amanhã é dia de campeões. E, ganhe quem ganhar, haverá que lhe reconhecer o mérito.
Amanhã haverá campeão. Pode ser o Benfica, pode ser o FC Porto. Seja quem for, de uma ideia não abdico: será justo. A equipa de Roger Schmidt porque foi consistente, já está entre os líderes desde a primeira jornada e se isolou à quarta, para nunca mais ser apanhada. A de Sérgio Conceição porque apesar de andar em perseguição há nove meses, desde que perdeu em Vila do Conde, em finais de Agosto, teve sempre a persistência necessária para não desistir e foi manter-se viva ganhando no campo do rival, quando estava entre a espada e a parede. Preferem ver a coisa pela negativa? Pois também se arranja: o Benfica porque o FC Porto só encontrou a regularidade na segunda volta e num período em que, ainda por cima, ganhando, o futebol que foi praticando nunca foi particularmente convincente, e o FC Porto porque o Benfica caiu muito na ponta final da época e não merece ser campeão se não for capaz de ganhar em casa ao último classificado, no dia do tudo ou nada. O resto, as narrativas das newsletters tóxicas e os tribunais dos frames que nos enchem o telelixo a uma cadência diária, diz-me pouco ou nada. Amanhã, quando as duas equipas entrarem em campo, o Benfica para defrontar um Santa Clara que ainda recentemente perdeu à justa em Braga ou no Porto, o FC Porto para medir forças com um Vitória SC que vai ser europeu e vem de quatro vitórias seguidas, vai estar em jogo o título de campeão nacional. Será dia de emoções máximas, coisa que não é tão frequente assim. Em oito décadas de campeonato por jornadas, será apenas a 32ª vez que as contas ficam por resolver até ao último dia – e amanhã contarei aqui, uma por uma, a história de todas elas. É a sexta vez que acontece neste século, a 12ª nos meus 53 anos de vida. Era uma coisa comum nos primórdios do campeonato e cada vez mais rara desde que há mais equipas, mais jogos, mais assimetrias. O futebol é coisa de bravata, eu sei, e até acho graça que se veja a coisa na perspetiva da pirraça, do benfiquista que brinca com o portista porque este passou o ano todo a olhar para cima e do portista que goza com o benfiquista por lhe ter faltado a pilha para chegar ao fim da época. Mas se o que querem é diminuir o mérito de equipas que chegam ao fim de um campeonato de 34 jornadas à frente das outras e acima dos 80 pontos, já não contem comigo. Metam por favor uma coisa muito simples na cabeça: amanhã é dia de campeões, não é dia de destilar frustrações. Aproveitem-no, porque ele não se repetirá todos os anos.
A comunicação de Rúben Amorim. Gerou-se a ideia de que Rúben Amorim é um mestre da comunicação e não vou ser eu a negá-la. A aparente genuinidade que o treinador do Sporting utiliza nos contactos com os media é eficaz, mesmo que depois, precisamente porque fala muitas vezes e sempre com uma franqueza desarmante, acabe nalgumas situações por se espalhar ao comprido. Já se sabe como a coisa funciona: se vemos um tipo vulnerabilizar-se e expor falhas próprias com alguma frequência, sentimo-nos naturalmente mais inclinados para acreditar em tudo aquilo que ele diz. A questão, em Amorim, é a de percebermos se ele faz isso propositadamente ou só porque é menos controlado do que a maioria e a dada altura lhe faltam os travões. A mim parece-me que ele é mesmo assim, transparente, que não domina a comunicação como arte da manipulação que ela pode ser. E se há alturas em que isso se reflete de forma positiva no grupo que ele lidera – as conferências de imprensa da época do título, quando as coisas lhe corriam bem, podiam ser material de “masterclass” –, noutras é também no que ele diz que começa a queda. Porque se ele é como é com os jornalistas, imagino como há-de ser com os jogadores... Esta época, como o próprio já reconheceu, a comunicação de Amorim foi um problema em várias situações. Foi-o no caso da saída de Matheus Nunes, até mais num plano interno do que externo, e foi-o sobretudo no momento de assumir o fracasso coletivo para fora. Andar semanas a fio a dizer que podia ir embora foi um gigantesco tiro no pé que o treinador, a dada altura, tentou corrigir. O projeto do Sporting, de formação, recrutamento, evolução e transferência com mais-valias, pode até ter muito a ganhar com uma comunicação genuína como a de Amorim, mas ao mesmo tempo precisa da estabilidade e de uma coordenação superior de todas aquelas vertentes que, na sua estrutura, só ele garante. É por isso que, sim, estou convencido que no dia em que Amorim cair, haverá elevadas probabilidades de a direção ir a seguir. Ele disse que não? Sinal de que nem sempre é destravado. Mas ainda não é eficaz a ponto de o dizer de maneira a que a gente acredite.
O que vai ser do Tottenham? Arne Slot já respondeu à cobiça do Tottenham: “Obrigado, mas não!” O treinador neerlandês prefere defender o título e conduzir o Feyenoord na Champions a meter-se na versão futebolística da “Missão Impossível” que é há uns anos o clube londrino. Depois de Nagelsmann e de Pochettino, é o terceiro “não” que Daniel Levy ouve. Enfim, ao que tudo indica Pochettino não chegou a ser abordado, mas ao mesmo tempo há que contar com a confusão gerada em torno de Luis Enrique, que era o preferido do diretor desportivo Fabio Paratici, entretanto caído em desgraça por causa de negócios antigos. O que isto nos diz é que uma vaga na Premier League, num clube histórico da Premier League, já não chega para convencer treinadores que vão tendo sucesso um patamar abaixo. E que quanto mais se vão espalhando as notícias acerca destas recusas, mais difícil vai ser ao Tottenham encontrar um treinador. Há dois anos, depois da abrupta separação de José Mourinho, que o próprio ainda ontem veio recordar para justificar a sua falta de ligação ao clube, passaram-se 72 dias até à contratação de Nuno Espírito Santo, que não durou seis meses. A questão agora, quando já lá vão 61 dias desde a saída de Antonio Conte, é a de saber quem estará disponível para ser o Nuno de serviço.
O Arne é que a sabe toda.
Viva campeão.