Anatomia do Benfica campeão
A escolha do treinador e a capacidade para definir um contexto que realçasse as forças do grupo e mascarasse as suas debilidades foram chaves para o sucesso de um campeão em nome da estabilidade.
O Benfica sagrou-se ontem campeão nacional, colocando com um 3-0 ao Santa Clara o ponto final numa campanha que a dada altura pareceu poder vir a gerir como se fosse um passeio, mas que a consistência e a competitividade revelada pelo seu maior rival, o FC Porto, fez com que se arrastasse na indefinição até ao último dia. A formação de Roger Schmidt não terminou a Liga com uma pontuação fabulosa – os seus 87 pontos foram menos quatro do que os 91 do FC Porto de 2021/22, por exemplo –, mas foi, ainda assim, a melhor equipa da Liga. Não só fez mais pontos do que os adversários, com dois de avanço sobre os dragões, como acabou com o melhor ataque (82 golos), a defesa menos batida (20 golos), o maior número de vitórias (28) e o menor número de derrotas (três, aqui a par do FC Porto). Não foi o melhor num mini-campeonato entre os grandes ou sequer se a ele juntarmos o SC Braga – foram os dragões a impor-se –, mas isso vem até sublinhar que foi a equipa mais regular ao longo das 34 jornadas, pois vacilou menos perante o resto dos adversários. Entre candidatos, aliás, o Benfica é quem apresenta uma diferença menor nas pontuações da primeira e da segunda volta: somou 43 na segunda metade aos 44 das primeiras 17 rondas, enquanto o FC Porto subiu de 39 para 46, o SC Braga baixou de 40 para 38 e o Sporting cresceu de 32 para 42.
Quais foram, então, os segredos atrás deste campeonato que devolveu a festa à Luz após um período de quatro anos sem celebrar o que quer que fosse? É que, desde a Supertaça, ganha no Algarve ao Sporting em Agosto de 2019, os encarnados não conquistavam rigorosamente nada... E neste período chegaram a passar defesos de grande investimento e criação de ilusão, como o que se seguiu ao regresso de Jorge Jesus, por exemplo. Feitas as contas no fim da Liga, é possível identificar vários fatores de sucesso, a abrir na contratação do treinador, na clareza da ideia de jogo escolhida por ele, a permitir o estabelecimento de um contexto geral que era favorável ao grupo de jogadores que ele próprio definiu, continuando depois numa gestão avisada do grupo, tanto no plano técnico, como tático, físico ou emocional. O Benfica cresceu em torno de um núcleo duro que podia ser um desafio na gestão mental e até disciplinar do plantel mas que acabou por ser um pilar em cima do qual a equipa construiu o seu sucesso. O futebol minimal e insensível a nuances estratégicas praticado pelo Benfica de Schmidt terá de ser incrementado para a nova temporada, seja com reforço dos meios humanos ou com a introdução de variantes nos processos, mas foi outra das bases para o rendimento elevado da equipa, a par da tranquilidade, critério e até fortuna com que foram feitas as substituições de peças perdidas – Morato por António Silva; Enzo Fernández por Chiquinho, primeiro, e João Neves, depois; Aursnes disponível a qualquer momento para ser peça móvel capaz de garantir a adaptabilidade das soluções novas.