O mapa de Martínez
Martínez quis introduzir nuances táticas no jogo com a Islândia e a equipa nacional falhou na interpretação das coordenadas que ele colocou no mapa. Ainda ganhou, mas complicou durante 45 minutos.
Ao quarto jogo, na deslocação à Islândia, Roberto Martínez complexificou. Provavelmente com a ideia de contrariar o futebol mais direto do adversário e de deixar mais gente perto da zona onde presumivelmente cairiam e seriam disputadas as segundas bolas na sequência da tão aguardada saída longa dos islandeses – a zona de meio-campo –, o selecionador puxou da admiração que em tempos mostrara pela adaptabilidade tática de Bernardo Silva para lhe pedir que fosse um bocadinho de cada coisa de que a equipa ia precisar em cada momento. E não foi uma boa ideia. Logo no início, ao primeiro ou segundo minuto, vi Bernardo conversar com Rúben Dias e gesticular muito, apontando para diferentes zonas do campo, e fiquei com uma sensação de preocupação. A Bernardo pedia-se que definisse em cada saída de bola da Islândia onde iria posicionar-se: se na frente, na mesma linha de Leão e Ronaldo, para impedir a saída curta; se a meio, a par de Bruno Fernandes e à frente de Rúben Dias, para responder a uma saída longa. E isto era uma espécie de missão impossível. Até porque depois, a atacar, a equipa nacional também fazia uso da multiplicidade tática do seu homem mais clarividente, umas vezes chamando-o para pegar na bola logo junto aos defesas-centrais, projetando Dalot pelo corredor; noutras abrindo-o na direita, com o lateral mais por dentro; noutras ainda abrindo Bruno Fernandes e colocando o número 10 entre linhas, dando-lhe até a liberdade para explorar o lado esquerdo. Tanta complexificação – para não lhe chamar complicação – foi demasiada para a equipa, seja porque estamos em Junho e as ideias já não estão assim tão frescas, como repetiu o selecionador, seja porque não houve tempo para treinar e assimilar estes conceitos no plano coletivo. E, depois de dez minutos bons, muito mais fruto do poder de explosão de Rafael Leão e das dificuldades que ele impunha aos islandeses se os encarava em um para um e de frente para o jogo, a equipa perdeu-se por falta de articulação coletiva. Perdeu-se porque Bernardo até pode ter entendido o que queria Martínez, mas se entendeu foi o único – ou um dos poucos a fazê-lo. E várias vezes a equipa foi apanhada na curva se de repente a Islândia percebia que a primeira linha de pressão de Portugal só tinha dois homens – ainda por cima tão desarticulados como estavam Leão e Ronaldo, deixando sempre aos adversários o convite à saída pelo nosso lado direito. Com bola, Bernardo parecia o chefe de cozinha que metia as mãos no trabalho de toda a gente, levando a que a dada altura Bruno tenha saído da partida, mesmo estando em campo, que Leão se tenha perdido em arrancadas inconsequentes e que Ronaldo tenha caído demasiadas vezes em fora-de-jogo. Em relação ao jogo com a Bósnia, a seleção corrigiu o comportamento dos centrais com bola, desta vez mais disponíveis para subir para fixar marcações, mas perdeu-se na sua própria incapacidade para encontrar as coordenadas certas no mapa desenhado por Martínez. Ainda ganhou o jogo, em parte porque na segunda parte voltou ao plano mais básico, com Bernardo na direita, muito porque é melhor equipa e tem melhores jogadores do que a Islândia. Mas correu sérios riscos de deixar dois pontos em Reiquejavique.
A contestação ao selecionador. Se em política o que parece é, no futebol nem sempre isso é assim. Se antes do primeiro jogo começaram logo a aparecer memes fundindo as imagens de Fernando Santos e Roberto Martínez, porque o espanhol chamara um lote de jogadores muito semelhante ao que o português levara ao Mundial, as críticas são agora mais abertas nas redes sociais. Mesmo que muitas não façam sentido. Continuam as piadas acerca do poder de Jorge Mendes, como se não fosse razoável achar que o agente mais poderoso do Mundo possa ter na carteira os melhores jogadores e, portanto, uma boa percentagem de titulares. Acentua-se a incompreensão face à aposta em Ronaldo, mesmo que o capitão tenha feito um bom jogo contra a Bósnia e, jogando mal, tenha sido ele a decidir a partida na Islândia. E acirram-se as bocas acerca do sistema, o 3x4x3 que – mantenho a ideia – é o que melhor serve os interesses deste grupo de jogadores. E é-o porque compatibiliza o futebol de Bruno Fernandes e o de Bernardo Silva e porque permite meter mais gente no corredor central, resolvendo esse problema que é o excesso de jogadores “de corredor central”, uma questão geracional no futebol português de hoje. O clima nas redes sociais começa a ficar complicado para Martínez, mesmo que a equipa siga com quatro jogos, quatro vitórias, 14 golos marcados e nenhum sofrido. Isso aos portugueses não chega. Não chega porque a terceira vitória foi consolidada com a troca de um atacante (Félix) por mais um médio (Rúben Neves), depois de uma primeira parte plena de dificuldade para entrar no bloco adversário. Não chega porque a quarta vitória nasceu em boa parte da entrada de Gonçalo Inácio para central esquerdo, a dar à equipa a capacidade para sair a jogar também por aquele lado. Nenhuma destas duas trocas foi para defender, ainda que na cabeça de quem olha para os jogadores e neles vê sobretudo o rótulo colado à testa num post-it que lhes define a posição Martínez tenha sacado de um “trinco” e de um defesa. Mas as entradas de Neves e Inácio ilustram bem o que falta ao selecionador: encontrar as nuances individuais que servem o sistema em cada momento. O problema até aqui nunca foi o sistema, o excesso de defesas ou de médios-defensivos. Terão sido, quanto muito, os jogadores que ele encontra para o preencher. E não é por serem mais ofensivos ou mais defensivos. É por não serem os certos para aquelas missões em específico.
A língua de Leão. Ando há mais de um ano a dizer que o futuro da seleção portuguesa passa pela capacidade para nela inserir o futebol explosivo de Leão, o jogador ofensivamente mais diferenciado desta equipa. Ontem, Martínez deu pela primeira vez 90 minutos ao avançado do Milan, que neles mostrou aquilo que já se lhe conhece – uma capacidade incomparável no um para um – mas ao mesmo tempo deixou uma preocupação. É que parece que ele fala uma língua e o resto da equipa fala outra, tantos são os momentos em que ele e Ronaldo correram à mesma bola ou em que nenhum dos dois lá foi. Como é que isso se resolve? Com treino? Com mais jogos? Talvez. Mas o fundamental mesmo é que comecem todos a falar a mesma linguagem.
Eu acho que mesmo com um número reduzido de jogos, Martinez já tem mais ou menos o seu onze tipo escolhido:
Diogo Costa
Ruben Dias, Pepe, Danilo
Cancelo, Bruno F, Palhinha, Guerreiro
Félix, CR e Bernardo
As grandes ou pequenas dúvidas, se o selecionador as tiver de alguma maneira devem estar em Danilo/Inácio e Félix/Leão.
Eu não tenho conhecimento suficiente sobre o Futebol para entender como, com um plantel tão valioso como o português, haja necessidade de entrar, contra a Islândia, com 3 centrais mais 2 laterais. Não entendo, também, como o buraco negro (aquele que absorve todo o brilho ao redor) continua com o lugar cativo por decreto; imagino que seja cláusula no contrato de Roberto Martinez.