O Cris, o Rafa, mais o Rick e o Nando
“Ainda vão levar com mais carga do Cris”, anunciou ontem Cristiano Ronaldo na gala da FPF. É porque joga sempre, na equipa do Nando? E o Rafa? O Quaresma, quero dizer, o Rick, explica.
“Quero fazer parte [da seleção] neste Mundial e no Europeu também”, disse ontem Cristiano Ronaldo, com uma gargalhada, na gala da FPF, antes de brincar: “Ainda vão levar com mais um bocadinho de carga do Cris”. Ao capitão da seleção nacional não lhe passa pela cabeça renunciar, como fez, por exemplo, o benfiquista Rafa, que foi chamado por Fernando Santos, o Nando, portanto, para estes jogos da Liga das Nações e anunciou posteriormente que não iria corresponder à convocatória, por “razões de foro pessoal”. “Pudera! O Cris joga nem que esteja coxo e o pobre do Rafa podia até ser o Maradona, isto é, o D10s, que nem calçava na mesma”, argumentarão os que optaram por desrespeitar o pedido expresso pelo jogador e desataram a descobrir razões escondidas para a renúncia. Ele é porque a seleção do Nando é a coutada privada do Joca, que é como quem diz, do Jorge Mendes, porque ali jogam sempre os mesmos, porque a Federação não defendeu o Rafa quando saíram notícias acerca da sua alegada falta de empenho ou até porque na seleção continuam a estar sempre os envolvidos no Instagate, a story de Instagram em que três jogadores do FC Porto entoaram um cântico idiota de insulto ao Benfica.
O caso serviu até para que se soltassem narrativas xenófobas – e outras ‘clubófobas’, que as coisas estão bastante mais próximas do que muita gente gosta de admitir – de “adeptos” que rejubilaram com o facto de Rafa ter renunciado a uma seleção de “naturalizados”. Vou partir do princípio de que tudo isto é um gigantesco mal-entendido promovido pelos sabichões das redes sociais, que de tão habituados à bolha que lhes é servida em dose diária pelo algoritmo começam a confundi-la com a realidade, mas o caso serve na mesma para que se possa refletir no que é uma equipa e no que é o papel de cada um dentro de uma equipa. O futebol está tão cheio de egos inflados, que qualquer jogador de sucesso se acha sempre a última bolacha do pacote. Um fenómeno que é potenciado, no caso dos jogadores de sucesso, pelo facto de viverem eles também numa bolha que engloba os familiares, os amigos próximos e os “chega-me isso”, para quem eles são sempre grandes, mesmo quando não acertam uma. Isso vai, como é evidente, afetar-lhes a capacidade de auto-julgamento e é uma ameaça permanente ao que deve ser uma equipa.
Há umas semanas, antes de passar algumas horas a ver os companheiros jogar, no banco do Manchester United, o Cris referia-se a si mesmo como “O Rei”. E é esse pensamento que os que acham que o Rafa deu “uma bofetada de luva branca” no Nando, que nunca fazia dele titular, atribuem agora ao jogador que renunciou à equipa. Eu, que agradeço o facto de esta seleção poder continuar a contar com o Cris e que vejo no ressurgimento do Benfica deste ano muito contributo do Rafa, acho que à generalidade dos jogadores de futebol faltou beber um pouco mais de chá naqueles lanches de Sumol e sandes de fiambre que eram servidos nos jogos da formação. Ora, nem de propósito, pelo menos para os xenófobos e clubófobos, teve de ser um cigano a explicar-nos isso a todos.
Ricardo Quaresma – vamos chamar-lhe o Rick, para não destoar – foi um dos mais talentosos jogadores mundiais da sua geração. E creio que ele não se ofenderá se eu usar aqui o pretérito perfeito. Durante muito tempo, porém, andou a aquecer o banco da seleção porque Scolari, o Felipão, achava que não podia usar ao mesmo tempo dois jogadores de caraterísticas tão individualistas como eram ele e o Cris. Aguentou-se. Ficou. E, já com o Nando aos comandos, ainda ganhou em campo a final do Europeu, quando o Cris se lesionou. “Também me passou pela cabeça renunciar, numa altura em que no FC Porto estava ‘a voar’ e depois chegava à seleção e não jogava”, afirmou o Rick. “Quando temos vontade há sempre tempo”, atalhou ainda. A base do raciocínio de Quaresma é a correta, porque é a única que não parte do tal princípio comum aos tais jogadores de futebol que se julgam a última bolacha do pacote. Lá porque eu estou bem, não quer dizer que não haja quem esteja melhor. Ou quem incorpore melhor os valores que o treinador quer ver em campo. Partir do princípio de que não se pode ser suplente é a maior falta de respeito que pode haver pelos companheiros de equipa e é algo absolutamente inaceitável num desporto coletivo. Sempre que um treinador recebe queixas de um habitual suplente a dizer que tem de ser titular, a melhor coisa que tem a fazer é perguntar-lhe quem é que sai do onze e porquê. Aí se verá o compromisso de cada um com a equipa.
É por isso que, depois de ouvir as palavras do Cris, fui dormir a pensar que elas refletiam mais uma promessa do que uma ameaça, uma esperança do que uma certeza. Da mesma forma que acredito que na base da renúncia de Rafa estejam mesmo razões do foro pessoal e não a presunção de que se sabe mais do que o treinador. Se tiverem dúvidas, falem com o Rick. Ele explica.
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