Os erros de planificação
A interrupção na Liga é a altura para se tentar entender o que falhou na planificação da época do Sporting e o que pode ser feito para evitar que daí advenham consequências mais complicadas.
É gigantesca e diferente de todas as que já teve desde que chegou a Alvalade, a tarefa que Rúben Amorim enfrenta neste momento. O Sporting já perdeu onze pontos em sete jogos de campeonato, quando tinha desperdiçado apenas 17 em cada uma das duas últimas Ligas. Já foi derrotado três vezes, igualando em sete jornadas o máximo de um campeonato com este treinador. Está a onze pontos do Benfica, a nove do SC Braga e a seis do FC Porto, com todas as implicações que isso tem na habitual tendência do clube para a depressão – o que é problemático, porque ainda faltam oito meses para acabar a época e, além dos objetivos desportivos, o afastamento entre a equipa e os adeptos pode pôr em causa toda uma série de outras questões ligadas à gestão, sempre com implicações financeiras. A razão para os problemas já foi identificada: foi falha de planificação. A saída do buraco só pode ser feita de uma maneira: ganhando os jogos que se aproximam e esperando que os rivais roubem pontos uns aos outros nos tempos mais próximos, de maneira a chegar a 2023 e ao dérbi com o Benfica, na Luz, em meados de Janeiro, a uma distância gerível.
Vamos ter um FC Porto-SC Braga a 30 de Setembro, um FC Porto-Benfica a 21 de Outubro e um SC Braga-Benfica na jornada que reabre o campeonato após o Mundial, entre o Natal e o Ano Novo. O facto de esta ser uma época diferente de todas as outras, com concentração dos jogos da Champions e da Liga Europa muito acima do habitual – as fases de grupos jogam-se até 1, 2 e 3 de Novembro, quando geralmente duravam até à primeira semana de Dezembro e permitiam um maior espaçamento das jornadas – pode permitir que se anseie por quebras de concentração noutros locais, mas uma coisa é segura: o Sporting de 2022/23 já perdeu o direito ao erro se quer evitar a desertificação de Alvalade durante oito meses. Aliás, a julgar pelo número de “anúncios” feitos nas redes sociais por gente que diz já não saber o que fazer aos bilhetes de época que comprou, o mais certo é essa desertificação já ter tido início. E se já vimos, pelos recentes Relatórios e Contas, que um Sporting em euforia tem mesmo assim menos faturação corrente do que um Benfica em depressão, por exemplo, já se vê que essa desertificação pode conduzir a uma quebra de receita que, por sua vez, torne inútil qualquer planificação que esteja a ser feita para a temporada de 2023/24. A começar pela necessidade evidente de conseguir estar na Liga dos Campeões.
O maior problema deste Sporting não é a falta de um ponta-de-lança nem sequer o plantel curto, como se vê repetido por aí até cansar. O plantel curto é parte da estratégia, do plano. Sem um plantel curto, só uma coincidência cósmica como a que levou à entrada de António Silva nas escolhas de Roger Schmidt – lesões graves do segundo, terceiro e quarto centrais da hierarquia – pode permitir a revelação de novos talentos, algo que é fundamental na ideia de negócio e na fórmula desenhada pela SAD do Sporting para atingir a sustentabilidade. Quanto ao ponta-de-lança, o problema não é a inexistência desse tipo de jogador mais clássico, que o treinador não ia utilizar regularmente, de qualquer modo, mas sim a inadequação revelada pelos atacantes existentes a uma ideia de jogo que está ela mesma em mutação. Este não é um problema irresolúvel mas, tal como tentei explicar na análise da derrota no Bessa, é uma coisa que leva tempo a trabalhar. Defender que se resolva a questão contratando um ponta-de-lança é como mudarmos para o deserto do Atacama, o local mais árido do Mundo, e achar que a forma de sobreviver enquanto nos adaptamos à altitude e à falta de chuva é gastar parte do nosso parco orçamento em gabardinas. A única forma de resolver o problema é adaptação, o trabalho. E isso, infelizmente para Amorim, leva tempo. E faz-se cometendo erros.
E é aqui que entram os erros da planificação. Quem errou? Provavelmente todos, desde o treinador ao diretor desportivo e aos administradores. Amorim planificou a época com a ideia na mudança do estilo de jogo, aquilo que se nota desde a pré-temporada e a que ele, no final do jogo com o Boavista, chamou jogar “como uma equipa grande”. Acontece que o conceito não é fechado. Nem uma equipa de transição e ataque rápido, habituada ao que tradicionalmente chamamos “jogar à pequeno”, deve deixar de ter gente capaz de funcionar em circulação e apoio, nem uma equipa de posse e ataque posicional, rotinada no que costumamos chamar “jogar à grande”, deve deixar de ter gente em condições de buscar a profundidade e de alargar o jogo. Aqui serve de referência o Benfica de Schmidt, que está a fazer as duas coisas com excelente relação. E por isso ganha. Aquilo que falta ao Sporting não é o ponta-de-lança – são jogadores que introduzam esta nuance mais direta, sobretudo contra blocos baixos, que contra equipas subidas, como as que encontra na Champions, qualquer dos seus avançados tem feito bem isso. São jogadores que variem flanco, que busquem a profundidade, que vão para a baliza em vez de fazerem mais duas fintas e de darem mais duas voltas sobre si mesmos quando se apanham nas costas do bloco adversário. Havia um jogador desses no plantel: Matheus Nunes. Foi por isso que a sua saída para o Wolverhampton WFC, já depois de começar a época, foi o maior erro de planificação deste Sporting. Porque o que estava ali em causa não era só mais um médio ou menos um médio – era o único médio capaz de introduzir essa diferença futebolística num plantel que, estrategicamente, é curto e onde, por isso mesmo, não havia mais quem o fizesse.
Os erros de planificação do Sporting equivalem a uma coisa muito simples: pela primeira vez desde 2020, fica a ideia de que a administração e o treinador estavam em páginas diferentes. Não se trata de entender quem estava na página certa e quem estava na página errada. Até pode dar-se o caso de estarem todos na página certa, de acordo com as suas próprias motivações – as do treinador montar uma equipa que ganhe, as da administração assegurar que o Relatório e Contas do ano que vem continua a ser positivo. A questão é que uma coisa sem a outra fica muito mais difícil.
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