Não jogar é má ideia
Quatro dos cinco empates cedidos pelo Sporting com Rui Borges na Liga nasceram da soma da busca do controlo com a incapacidade para gerir vantagens. E a questão que se impõe é: porquê?

Palavras: 1159. Tempo de leitura: 6 minutos (áudio no meu Telegram).
Há meio campeonato, o Sporting esteve a perder em Braga por 2-0, mas acabou por ganhar por 4-2, com os golos decisivos aos 89’ e aos 90+4’, na despedida de Ruben Amorim. Era aura? Também, sim. Mas acima de tudo era crença na ideia ofensiva de uma equipa que queria jogar sempre, mesmo quando parecia que já não precisava – e naquela noite até estava a precisar. Ontem, em casa, depois de estarem na frente, por 1-0, contra o mesmo adversário, os leões cederam o empate aos 88’. Foi fatalismo? Também, sim, que como em Guimarães, no Dragão ou nas Aves, em três dos quatro empates anteriores com Rui Borges na Liga, os leões deixaram fugir a vantagem nos minutos finais e os precedentes acabam por pesar no comportamento do coletivo. Mas acima de tudo foi castigo, por permitirem que a vontade de controlar voltasse a sobrepor-se à urgência de jogar. Não querer jogar, numa equipa que tem de ganhar todos os jogos para atingir os objetivos, costuma ser má ideia. Neste caso, custou a liderança da Liga e, é certo que ainda com quatro jornadas para cada lado antes do dérbi, deixa o Sporting ante um cenário em que, se ambos vencerem até lá, terá de ganhar ao Benfica na Luz para voltar a sentir o primeiro lugar.
Questionei na semana passada, aqui, qual seria o verdeiro Rui Borges, porque há uma questão atrás das motivações mais ou menos ofensivas que o treinador passa para a equipa: as lesões. Depois do empate com o SC Braga, ontem, foi um Rui Borges abatido e resignado que explicou a falta de dinâmica ofensiva do seu meio-campo com as caraterísticas dos jogadores que teve de inventar para ali jogar, privado que está de Morita, Pedro Gonçalves, Bragança e Simões, todos magoados. Foi a primeira vez que o fez. E tanto Debast como Felicíssimo, as soluções que por lá passaram ontem, dois defesas-centrais adaptados, que como centrocampistas são mais posicionais até do que Hjulmand, são os mesmos jogadores que, em partidas anteriores, nas quais mostraram as mesmas limitações na invasão do espaço, viram o treinador dizer deles que tinham feito grandes jogos. O que mudou? Foi porque nessas ocasiões Gyökeres ainda tinha chegado para que a equipa ganhasse? Porque sabia que ia voltar a necessitar deles e queria mantê-los motivados para uma missão face à qual não são muito adequados? Afinal de contas, o que define a apreciação de Rui Borges? É o resultado ou é a observação daquilo que cada elemento pode dar à equipa? E o que quer ele da equipa? Foi o próprio que, ontem, antes de entregar de forma totalmente inesperada Harder – “nos últimos jogos em que entrou não deu nada”, afirmou – o explicou, em resposta a uma pergunta sobre a entrada tardia do dinamarquês, chamado apenas depois do golo do empate: “Precisávamos era de gente para segurar o jogo, para controlar, e ele é um avançado”.
Em condições normais, mesmo assim, mesmo abdicando de pressionar alto para condicionar a organização ofensiva do adversário e de envolver os dois laterais, como o tinha feito numa entrada avassaladora em jogo, mesmo com Gyökeres a render menos do que nas últimas partidas – a segunda parte do sueco foi sempre a cair, o que talvez nos diga que afinal poderia mesmo ter saído mais cedo na Taça... –, o Sporting devia ter ganho o jogo, é verdade. Antes do golo de Afonso Patrão, os minhotos tinham-se limitado a testar Rui Silva em tiros de fora da área e os campeões nacionais desperdiçaram várias situações para fazerem o 2-0 – Gyökeres aos 37’, Quenda aos 58’, Trincão aos 74’ e 81’, Maxi Araújo aos 78’... Mas já o fizeram sempre em momentos de transição ofensiva, porque a prioridade da equipa então já era outra, era a de controlar aquilo que quem quer que tenha visto mais do que um par de jogos de futebol sabe que é absolutamente incontrolável, que é uma vantagem mínima. O SC Braga não estava a ser perigoso? Até marcar, aos 88’, tinha apenas seis ações na área leonina e um índice de golos esperados de 0,44, cerca de um terço do que por essa altura tinha somado o Sporting? Sim, tudo verdade. Mas a equipa de Carvalhal estava circular de maneira a encontrar Zalazar por dentro do bloco e a soltar bem Gabri Martínez para cruzar na direita, valendo aos leões que as bolas centradas pelo espanhol fossem sempre mal endereçadas para a área ou que o uruguaio depois se perdesse no choque de frente com os centrais.
Em condições normais, ainda, o Sporting poderá ser campeão ou segundo classificado – e não defendo que deva ser isso a definir a continuidade de Rui Borges à frente do grupo. Porque perder o campeonato para o Benfica depois de já ter apanhado a equipa em segundo lugar e com uma onda inédita de lesões pelo meio não será, em si, um problema ou um embaraço. Da mesma forma que ganhá-lo recorrendo ao super-Gyökeres que todos temos visto, com um avançado que elevou o nível já de si estratosférico que tinha mostrado na época passada, é indubitavelmente meritório mas não será também uma proeza extraordinária. Mais do que dos resultados que, afinal de contas, a julgar por aquilo que Rui Borges diz publicamente, são o que define se Debast e Felicíssimo fizeram “um grande, grande jogo” a meio-campo ou não têm caraterísticas ideais para jogar ali, o futuro do treinador em Alvalade deveria depender sobretudo de uma resposta. Da resposta que o treinador já devia ter tido de dar à direção desportiva acerca da questão fulcral, que é em torno do seu modelo de jogo. Quem é ele e o que quer para a equipa? Escolhe tantas vezes não jogar por necessidade, por uma questão estratégica ligada às limitações do plantel e às lesões que lhe roubaram vários elementos, ou por convicção, por ser um treinador viciado no controlo e não na vontade de jogar sempre mais, de impor o espetáculo como catalisador?
Dir-me-ão que era coisa para se perguntar em conferência de imprensa, mas creio que não, que o que interessa aqui não é a versão polida e politicamente correta que todos os técnicos usam no encontro com a comunicação social. Esta é uma questão que tem de ser colocada no recato dos gabinetes, para se saber a verdade e depois se responsabilizar a equipa técnica pelo cumprimento da resposta, mais até do que pelos resultados. Porque nisto do futebol há jogar e há não jogar. Pode ganhar-se uma ou outra vez sem jogar, como pode perder-se de vez em quando a jogar. Mas, regra geral, não jogar costuma ser má ideia.
Ainda haverá tempo para se falar deste Campeonato, seja sobre lesões (algumas estranhas como as de Morita e Pote) arbitragens (que agora entrou na moda falar sobre os penaltis do Sporting que escondem quando a equipa foi mesmo prejudicada), declarações infelizes de Rui Borges (então as sobre Harder são perigosas) e, principalmente, a incapacidade do Dr Varandas em aproveitar o mercado de Janeiro, como fez, e bem, o Benfica.
Para saber a resposta é essa grande questão não é preciso perguntá-la ao treinador. Basta ver os jogos do Sporting com ele. E aconteceu invariávelmente sempre o mesmo. É inescapável concluir que se trata de um treinador sem mentalidade nem ambição para treinar um grande clube. Temo que, mais uma vez, Varandas leve a sua teimosia para a nova época, principalmente se por alguma conjugação astral o Sporting ganhar este campeonato.