O verdadeiro Rui Borges
A produção ofensiva do Sporting depende cada vez mais de Gyökeres, mas convém perceber por que razão isso sucede. É preguiça ou realismo? É adaptação ou convicção? Qual é o verdadeiro Rui Borges?

Palavras: 1244. Tempo de leitura: 7 minutos (áudio no meu Telegram).
O Sporting entrou para o jogo na Amadora, no sábado, contra o Estrela, com seis defesas centrais no onze. Três deles desempenharam de facto a função (Quaresma, Diomande e Gonçalo Inácio), neste regresso recente do campeão nacional ao 3x4x3. Mas a eles somaram-se mais um na ala esquerda (Matheus Reis) e outros dois (Debast e Felicíssimo) na dupla de meio-campo. A produção ofensiva da equipa tinha de se ressentir do facto de ter em campo tanta gente viciada em ver o jogo de frente – e sem rotinas de ataque às entrelinhas e ao espaço criativo. Não é preciso ter um doutoramento em futebol para o compreender, o que já levou à convicção popular de que Rui Borges é um treinador medroso. É possível que o seja. Como também é possível que o não seja. Mas antes de chegar a essa conclusão de ciência certa convém colocar na equação mais uma série de fatores. E não, não são apenas as lesões, embora estas se constituam como explicação primeira da qual nascem todas as outras.
Não alinho na desculpabilização da pobreza ofensiva do futebol apresentado nestas últimas semanas pelos campeões nacionais por conta exclusiva da onda de lesões que, de facto, tem impedido Rui Borges de apresentar um meio-campo aceitável quando falamos de criação. A exiguidade do plantel naquele setor, conjugada com os impedimentos de Bragança, Simões e até Pedro Gonçalves, já me tinha levado a escrever aqui, há umas três semanas, que Morita era fundamental para esta reta final dos leões, pelo que a sua viagem ao Extremo Oriente, para representar a seleção japonesa, seria uma ameaça – como o foi, na realidade. É que ao Sporting não resta mais nenhum médio com capacidade para invadir as entrelinhas. Hjulmand fá-lo, mas funciona sobretudo como pivot mais atrasado da manobra atacante. Debast e Felicíssimo, até pelas rotinas de defesas-centrais que acumularam ultimamente, também se sentem mais confortáveis a ver o jogo de frente e a lançar os atacantes pela qualidade do seu passe progressivo. Brito, que chegou a ser aposta, é sobretudo um médio de combate, pouco competente na criação. E Arreiol, que já somou alguns minutos, é de todos o mais parecido com Hjulmand – ainda que lhe falte, naturalmente, a leitura tática que só a experiência lhe garantirá.
Fica atenuada a responsabilidade de Rui Borges no cada vez mais evidente empobrecimento criativo do futebol leonino, à conta da falta de alternativas? Sim. Mas ao mesmo também não. É que na equipa B, à qual foi buscar Brito, Felicíssimo e Arreiol, o treinador tinha igualmente opções capazes de dar ao onze uma capacidade ofensiva diferente, como o capitão, Manuel Mendonça, como Rafael Besugo ou até, no limite, como Flávio Gonçalves, que sendo extremo é assim uma espécie de Pote II e pareceria adaptável. Rui Borges, no entanto, escolheu não o fazer, optando pela via mais securitária. Uma via que não se fez notar só pela acumulação de médios lançadores, que para ele apresentarão a vantagem de não se desposicionarem tanto – mas a desvantagem igualmente evidente de levarem a que os leões metam pouca gente em zonas de criação. Essa opção viu-se também na escolha de alas menos capazes de levarem a equipa para a frente no um contra um, uma das últimas fixações do período de Amorim que Rui Borges reverteu. Só não digo que as comparações feitas pelo treinador entre Fresneda e Quenda para a posição de ala direito, lembrando que ambos têm três golos marcados – e o espanhol fê-los em menos jogos, pelo que seria até mais ofensivo – não são honestas, porque elas foram claramente irónicas. Como se perceberia à partida no introito feito ao discurso: “Vocês, que gostam tanto de estatísticas...”, disse. Porque aquilo que Quenda fornece (dribles, assistências) não é o que dá Fresneda.
Na Amadora, o Sporting criou pouco – o que se torna mais incompreensível ante a debilidade do adversário e até o facto de este ter ficado reduzido a dez homens logo aos 34 minutos, por expulsão de Montóia. O intervalo chegou com 0-0 e o primeiro tento nasceu, já na segunda parte, de um penalti tão idiota como escusado. O segundo golo, o da tranquilidade, apareceu apenas nos últimos dez minutos. No final, porém, Rui Borges valorizou o facto de o adversário não ter sido capaz de criar nada, nem sequer em bolas paradas. O 3-0 plasmado no marcador deu-lhe razão. Será Rui Borges um treinador defensivo, um treinador de equipa pequena, como já vai sendo acusado? Já defendi acima que as lesões servem de atenuante mas não de explicação principal para o futebol tão pobre que os leões têm apresentado. É altura de complementar essa ideia com outra: a de o futebol deste Sporting poder eventualmente ser mais fruto das circunstâncias do que da expressão do verdadeiro Rui Borges. Olhando para o que as duas equipas estão neste momento a jogar, salta à vista que o Benfica de Bruno Lage é bem mais vistoso coletivamente. Mas nas 12 jornadas que leva à frente do Sporting, nas quais jogou um dérbi e passou por Guimarães e pelo Dragão, o transmontano fez 28 pontos, resultantes de oito vitórias e quatro empates. No mesmo período, com menos um jogo mas beneficiando de mais de dois meses de balanço antecipado, no qual terá tido tempo para passar as suas ideias, Lage somou 24 pontos no Benfica – oito vitórias e três derrotas. O benfiquista pode aumentar hoje o pecúlio para 27 pontos, se ganhar ao Farense, passando a ter o mesmo total de jogos, mas sempre menos pontos do que os agregados por Borges.
É possível que o Rui Borges de hoje seja apenas um fruto das circunstâncias, de uma avaliação – certa ou errada – do que, entre aptos e “aleijados”, como ele lhes chama, o plantel tinha para lhe oferecer e da que seria a melhor maneira de pôr a equipa em andamento. O Sporting está demasiado dependente do que tem para lhe dar Gyökeres? A equipa aposta demasiado nos equilíbrios, confiante de que no final o sueco acabará por lhe safar os pontos? Creio que é possível responder sim às duas perguntas. Mas não sou capaz de garantir que isso se deva à preguiça de trabalhar outras coisas ou a uma convicção firme de que esse é o futebol digno de um campeão nacional. Pode bem nascer da constatação de que, hei, Gyökeres é jogador do Sporting e não há mal nenhum em contar com ele para se precaver no meio de um contexto de privação de alternativas. Gosto da ideia? Não, de todo. O que este Sporting jogava antes da saída de Amorim – mas também antes das lesões de Nuno Santos, Pedro Gonçalves, Morita ou Bragança – não tinha nada a ver com aquilo que joga agora. Estou até convicto de que seria melhor manter a ideia ofensiva, mesmo com as lesões. Mas não sou capaz de partir desta convicção e passar do rótulo de realista ou utilitário que coloco em Rui Borges para lhe chamar medroso. Se Rui Borges é ou não treinador de equipa grande só o veremos na próxima época. E, de caminho, deixem-me que vos diga: não ficaremos a sabê-lo nem que ele acabe mesmo por ser campeão nacional em Maio.
Não dê esta crónica como garantida
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O treinador Rui Borges é extremamente defensivo. Na minha opinião ainda não compreendeu que está agora a treinar uma equipa que é candidata ao título em Portugal. Compreendo as lesões mas não compreendo nem aceito que ele jogue nas alas com Fresneda e Mateus Reis contra o Estrela da Amadora, ainda mais reduzido a 10 jogadores. Não compreendo esta excessiva opção de tração atrás.