Medir o pulso aos candidatos
A mais irrelevante das provas nacionais assume este ano uma importância invulgar, na medição do pulso aos três candidatos ao título. Conseguem ganhar aos pares? E estão em recuperação ou em declínio?
Palavras: 1341. Tempo de leitura: 7 minutos (áudio no meu Telegram).
A primeira volta da Liga chega hoje ao fim – ou devia chegar, não tivéssemos esse Nacional-FC Porto ainda pendurado à espera de que o nevoeiro levante... – e deixem-me que vos diga que, não, não se confirmam as teses catastrofistas segundo as quais temos uma Liga cada vez menos competitiva, que se ergueram enquanto o Sporting de Ruben Amorim parecia passear por todos os estádios. Antes mesmo de se saber se o FC Porto ganha na Choupana, em meio campeonato os três grandes já perderam 32 pontos e só nove é que foram entre eles. Há um ano só tinham perdido 30 (e mais uma vez nove entre eles, com vitórias das equipas da casa em todos os clássicos). E se há duas temporadas o volume do desperdício até estava nos 38 pontos, foi muito por essa ter sido a Liga do passo à retaguarda dos leões, que a acabaram até atrás do SC Braga de Artur Jorge. A prova disso é que em 2021/22 o meio caminho chegara com apenas 22 pontos desperdiçados pelos três. O que isto nos diz é que não, o campeonato não ficou de repente menos competitivo ou nivelado por baixo e que, sim, o campeão acabará por ser a equipa que disparar para uma melhor segunda volta, como sucede sempre que os candidatos estão tão juntos a meio caminho. E, não sendo uma medida definitiva, até porque não permitirá somar pontos, a Taça da Liga, cuja Final Four amanhã arranca em Leiria, será a primeira forma de medir o pulso aos três primeiros.
Ainda não sabemos quem será o “campeão de inverno” – será o FC Porto desde que ganhe ao Nacional na Choupana, será o Sporting se os dragões não conseguirem ali os três pontos. E a relevância desta distinção que a Liga até roubou, por questões de marketing, para a atribuir à equipa vencedora da Taça da Liga, é grande. Sete dos últimos dez campeões estavam na frente à 17ª jornada, sendo as exceções os Benficas de Rui Vitória (em 2016) e Bruno Lage (em 2019) e o FC Porto de Sérgio Conceição (em 2020). O que esta Liga já nos disse foi que o FC Porto apareceu inesperadamente no caminho dos que todos víamos como favoritos, sobretudo por força de uma regularidade superior à dos dois rivais, que conheceram períodos mais eufóricos mas também momentos de perda dificilmente explicáveis. O FC Porto é, dos três candidatos ao título, o único que melhorou a performance relativamente ao meio caminho da temporada anterior, pois mesmo sem o jogo da Choupana já soma 40 pontos – e há um ano tinha 38 em 17 jornadas. O Sporting passou de 43 para 41 e o Benfica de 42 para 38. E a explicação para este crescimento dos dragões é simples: a equipa de Vítor Bruno foi a mais regular nos jogos com os não-candidatos, em que cedeu apenas um empate (em Famalicão). Depois tem é duas derrotas, ambas em Lisboa, nos terrenos de Sporting e Benfica. E se isso é uma maneira de a diminuir sempre que o grau de dificuldade aumenta, ao mesmo tempo apresenta uma clara vantagem para a segunda volta: receberá os dois rivais no Dragão, onde até aqui ganhou todos os jogos.
O FC Porto não empolgou, pelo menos até à junção de Samu e Rodrigo Mora no onze – o que só se verificou nas últimas duas partidas –, mas teve a felicidade de conseguir mascarar a sua fase má por nela só ter jogado uma vez para a Liga. Os dragões acumularam quatro jogos sem vitórias, entre 7 e 28 de Novembro, mas dois deles foram para a Liga Europa, um para a Taça de Portugal e apenas o outro lhes custou pontos. Foi a derrota na Luz contra o Benfica (4-1), a marcar precisamente o fim do estado de graça da equipa de Bruno Lage. Os encarnados conseguiram aí a sexta de oito vitórias seguidas na Liga, período coincidente com a entrada do novo treinador para o lugar de Roger Schmidt, no qual andaram acima dos três golos por jogo. Nos últimos dois desafios da série já sofreram mais (2-0 em Arouca e 1-0 ao Vitória SC), anunciando aquilo que estava para vir, que foram oito pontos perdidos em cinco partidas. Do mesmo pode queixar-se o Sporting, que também viu a fase imediatamente posterior à saída de Ruben Amorim custar-lhe a perda de avanço na que tinha tudo para ser uma Liga tranquila. Os leões ganharam as primeiras onze partidas, com 39 golos marcados, mas depois deitaram fora oito dos dez pontos que têm perdidos em quatro jornadas apenas, as quatro feitas com João Pereira ao comando. A ameaça de retoma que se viu na vitória sobre o Benfica no dérbi de Lisboa (1-0), já com Rui Borges, encalhou agora numa performance insuficiente no Minho com o Vitória SC, onde deixou escapar uma vantagem de dois golos (de 3-1 para 3-4 e, depois, 4-4 de aflitos).
Quando amanhã encarar o Sporting, o que o FC Porto vai mostrar-nos é se consegue ganhar partidas entre iguais. É certo que venceu nos Açores, em Guimarães e em Moreira de Cónegos, onde os outros ou ainda não foram ou já encalharam, mas até na UEFA – onde só bateu o Midtjylland e o TsG Hoffenheim, que é 15º da Bundesliga – tem mostrado problemas sempre que o grau de dificuldade sobe. E para ser campeão é quase certo que terá de ganhar em casa ao Sporting (já em Fevereiro) e depois ao Benfica (em Abril). Por sua vez, o Sporting encara a prova na expectativa de mostrar que já se adaptou às ideias e aos posicionamentos preferidos do novo treinador, que o plantel – propositadamente curto – chega para este tipo de partidas, mesmo no meio de uma onda de lesões que lhe levou vários titulares. Talvez os leões sejam até quem tem menos a perder com um eventual desaire, além do mais porque isso lhes permitiria uma semana e meia de trabalho até ao jogo, ele sim decisivo, em Vila do Conde com o Rio Ave, com que abrirão a segunda volta, mas nem assim esse desfecho evitaria um erguer de sobrolho talvez até mais grave do que o que se seguiu à Supertaça. Por sua vez, o Benfica, onde Bruno Lage entrou de rompante mas arrisca agora sair de fininho, encara a Taça da Liga na sequência de uma derrota com o SC Braga, a equipa que agora volta a defrontar na meia-final, sabendo que se voltar a perder vê seriamente afetada a sua legitimidade para se assumir como candidato e que se ganhar apanha na final FC Porto ou Sporting. Já com tempo suficiente de trabalho para ter métodos consolidados, é o Benfica de Bruno Lage quem arrisca mais nesta Taça da Liga, que é uma espécie de tudo ou nada – se levar o troféu, limpa oficialmente a fase má; se perder pelo caminho agrava a ferida.
É muito por isso que, mesmo catalogada por todos como a menos relevante das competições nacionais, a Taça da Liga assume este ano uma importância renovada na definição do que podemos esperar de cada um dos candidatos. Mesmo sem contar para a classificação do campeonato, o que nos vai dizer esta Taça da Liga que o executivo liderado por Pedro Proença tanto se esforçou por transformar numa espécie de Supertaça com esteroides, como as que os italianos e os espanhóis jogam na Arábia Saudita, é mais do que em que ponto está cada um dos candidatos. É o que cada um deles pode fazer dali para a frente. Mesmo que nos dez últimos anos só três equipas – o Benfica em 2015 e 2016 e o Sporting em 2021 – tenham sido, na mesma época, vencedoras da Taça da Liga e do campeonato.
O Sporting tinha o campeomato praticamente ganho, mas Amorim e a sede de afirmação dos treinadores, que mudam a equipa por mudar, quando o seu objetivo devianser ganhar, numa equipa com um sistema em que jogava quase denolhos fechados, relançou o campeonato. A Taça da Liga acaba por ter importância apenas na moral das equipas, o Sporting tem forçosamente de ganhar para dar força ao treinador e a equipa, o Benfica para não cair em crise, o Porto para dar a Vilas Boas o primeiro troféu. Se no fim ganha o Braga, será curioso, pois os três candidatos podem cair numa crise de confiança.
Somente para recordar que o quarto candidato nesta final four da Taça Liga é o SCBraga que foi totalmente esquecido por AT na analise da mesma! Um abraço e bons jogos aos três do costume.