De Olmo a Gyökeres
O que está a passar-se em Barcelona com Dani Olmo explica as dificuldades que o Manchester United terá para se reforçar já em Janeiro. As Ligas querem brilho, mas também responsabilidade.
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Por mais estranho que possa parecer-nos a todos, se Ruben Amorim não vier buscar Gyökeres ao Sporting já neste mercado de Janeiro – e eu acho que não virá... –, de maneira a começar a salvaguardar um pouco mais a sua própria posição em Old Trafford, não será tanto por ter prometido que não o faria, pelo menos para já, porque o jogador quer muito acabar a época em Alvalade, para tentar ser bicampeão, ou porque a INEOS de Jim Radcliffe não tenha o dinheiro para depositar os 100 milhões da cláusula que Frederico Varandas já disse que eram a única quantia que levaria o jogador neste mês de Janeiro. Todas estas condições podem até verificar-se, não digo que não, mas no fundo não serão tão decisivas como uma quarta, que é o controlo financeiro da Premier League. Pode parecer uma tolice que as próprias Ligas, que têm visto cair os valores dos contratos audiovisuais, por exemplo, impeçam os clubes de contratar algumas das estrelas pelas quais os adeptos mais suspiram e que podiam deixá-las bastante mais apetrechadas para lidar com a concorrência, mas é uma medida indispensável para impedir irresponsáveis de encaminharem alguns emblemas históricos para a falência, empurrando os problemas com a barriga e antecipando receitas. É o que estamos a ver no caso Dani Olmo, o internacional contratado pelo FC Barcelona ao RB Leipzig cuja inscrição foi anteontem suspensa pela Liga Espanhola, a ponto de poder agravar ainda mais a já de si precária situação do clube catalão e de nos dizer a todos que, não, nem vale a pena levar a sério os rumores de mercado acerca de jogadores que possam ser dados como prováveis ali.
O FC Barcelona pagou 48 milhões de euros ao RB Leipzig pelo melhor marcador do Europeu. E tinha-os. O problema é que não podia inscrever o jogador, por falta de margem na folha de Excel com que explica a sua carga salarial – para o utilizar neste arranque de temporada teve de cancelar a inscrição de Christensen, que estava lesionado. E mesmo assim a Liga só autorizou uma inscrição provisória, até final de Dezembro. As regras de fair-play financeiro impostas pela Liga Espanhola como resposta a uma crise generalizada que, em 2013, à data da sua entrada em vigor, motivara várias descidas administrativas e levara a uma acumulação global de 650 milhões de euros de dívida às finanças e de mais 16 milhões à Segurança Social, têm sido o maior adversário do Barça de Joan Laporta, mas é bom reconhecer que ele não foi a origem do problema. Esse veio da gestão anterior, a de Josep Maria Bartomeu, e de negócios tão ruinosos como foi, por exemplo, o último contrato de Messi. O argentino já não está em Barcelona desde 2021 – e saiu a custo zero, para o Paris Saint Germain, porque o Barça já não tinha maneira de lhe pagar –, mas continua na folha de pagamentos, porque por alturas da pandemia a gestão de Bartomeu pediu a históricos como Messi, Busquets, Alba ou Piqué o diferimento dos salários no tempo. O que equivale a dizer que só lá para Maio deste ano é que o ordenado do craque do Inter Miami vai deixar de onerar as contas catalãs. E até lá conta para os números que impõem que nenhum clube possa orçamentar em salários mais do que 70 por cento da sua receita anual.
Quando Laporta regressou à presidência do FC Barcelona, em 2021, deparou-se com entraves vários à construção de plantéis, como a necessidade de reduzir a massa salarial. Não era só o não poder pagar a novas contratações nem um euro a mais do que cobravam os jogadores que saíam. Era igualmente o ter de continuar a pagar a esses jogadores que tinham saído e uma restrição adicional, vinda do regulamento, que impunha a clubes deficitários a libertação para investir de apenas 25 por cento do que cobrava qualquer jogador que fosse embora, de modo a evoluir para um reequilíbrio das contas. A história do Barça nestes quase quatro anos de presidência de Laporta explica-se através de “alavancas”. Porque para poder inscrever jogadores contratados não só tinha de deixar partir alguns dos mais caros como precisava de apresentar um crescimento brutal de receita. Isso foi conseguido através da antecipação e cedência da receita vinda dos direitos audiovisuais da Liga por um período de 25 anos ou da venda de parte dos Barça Studios a dois investidores que, contudo, mais tarde falharam os pagamentos. E isso trouxe o plano à estaca zero, pelo que no último Verão quem salvou o Barça foi a Nike, através de um novo acordo de patrocínio desportivo. Mesmo assim, já há muito que o Barça sabia que para renovar a inscrição de Olmo a 31 de Dezembro precisava de realizar mais receita. E o que Laporta fez foi apresentar um negócio de venda de lugares VIP no novo Camp Nou, que ainda está em construção, a investidores vindos do Dubai e do Qatar. Só que, depois do fracasso da alavanca dos Barça Studios, a Liga passou a exigir-lhe provas de cobrança e não apenas contratos. E Laporta não conseguiu apresentar essa prova de que de facto recebeu.
Neste momento, o berbicacho é gigante. Dani Olmo – e ainda Pau Victor, que está na mesma situação – tem ido treinar com o plantel à disposição de Hansi Flick mas é um jogador livre. A não ser que haja um volte-face na situação, só pode voltar a ser inscrito pelo FC Barcelona no início da próxima época – e não pode sequer ser emprestado, porque para o ceder o Barça teria de ser detentor dos seus direitos desportivos. Pode Olmo ficar em Barcelona, sem estar inscrito, simplesmente à espera? Pode, mas sem estar inscrito não poderá, por exemplo, ser convocado para a seleção espanhola. Pode sair para onde lhe apetecer? Pode. E pode até vir a reclamar o pagamento integral do contrato que o liga ao FC Barcelona até 2030, agravando a situação do clube face à Liga. No fundo, esta é uma situação limite, em que a própria Liga está a torpedear os interesses de uma das suas equipas mais fortes, não só lhe diminuindo o potencial para obter resultados, por exemplo, na Liga dos Campeões, como privando-se a si e ao espetáculo que vende de uma das suas maiores estrelas, acabando assim por baixar a sua própria capacidade de atração. Mas, por mais que veja em Javier Tebas, o presidente da Liga espanhola, uma série de defeitos, há que ter a noção de que gerir uma Liga implica muitas vezes assumir medidas impopulares – como vai ser o caso, em Portugal, da centralização dos direitos audiovisuais.
E como será, já neste mês de Janeiro, o caso das limitações de mercado ao Manchester United, que de acordo com o que tem vindo a ser noticiado não poderá gastar no mercado nem uma libra a mais do que aquilo que conseguir receber. O que quer dizer que para sacar Gyökeres teria de vender 100 milhões de euros em jogadores a tempo de equilibrar as contas que terá de apresentar no final da temporada – um valor complicado quando se fala de um plantel tão desvalorizado. E, a julgar pelas notícias de hoje, que nos dizem que Rashford teria já recusado três propostas vindas da Arábia Saudita, a coisa não será fácil. É que, no futebol de hoje, já não basta ter dinheiro. É preciso não o estragar.
Honestamente acho que as ligas estão a ir para além das suas funções. As razões oficiais parecem mais de excessivo paternalismo, mas as verdadeiras são, para mim, para impedir o crescimento de clubes pequenos pelo investimento.
O único elogiu que posso fazer é que ao menos na Liga Espanhola as regras são para todos.