Malha urdida ou fibra sintética
O FC Porto é a filigrana de Vitinha, sustentada no trabalho dos outros. O Sporting é a elasticidade de Matheus Nunes, montada em detalhes e organização. Há jogo pelos pontos, mas também pelo estilo.
O FC Porto-Sporting de amanhã, o último confronto direto na Liga entre os dois mais fortes candidatos ao título, vai colocar frente a frente duas equipas de estilos bem diferentes. De um lado o FC Porto elogiado por Sacchi, do outro o Sporting que impressionou Guardiola. E, no entanto, cada uma das equipas tem como aspetos mais visíveis, sobretudo, caraterísticas que são as contrárias às que celebrizaram os seus dois admiradores mais ilustres. É que o futebol é cada vez mais uno, global, e não é possível chegar ao sucesso escolhendo apenas um caminho e nele colocando todas as fichas. O FC Porto cresceu quando apostou na malha urdida ao detalhe por um médio de filigrana como é Vitinha, mas não seria a mesma equipa se não tivesse o mínimo denominador comum assegurado pelo trabalho de pressão constante feito por Uribe, Evanilson ou Otávio. O Sporting garantiu mais desequilíbrios ao basear-se na explosividade de Matheus Nunes, mas não seria a mesma equipa se não lhe juntasse a criatividade e o detalhe que lhe dá a presença de Sarabia e Pedro Gonçalves ou a inteligência de Paulinho.
O que faziam as equipas de Arrigo Sacchi, acima de todas o Milan do final da década de 80? Zona-pressing. Equipa curta, organizada, com grande capacidade para asfixiar adversários de forma coletiva, cada vez mais à frente. Quem faz isso com mais eficácia em Portugal é o FC Porto – e já não é de hoje. O crescimento da equipa de Sérgio Conceição baseou-se sempre muito na capacidade de pressão dos dois atacantes, na forma como os alas também sobem para fechar linhas de passe, tudo coordenado pela presença organizadora de Uribe, o cérebro a meio-campo. Quando, na Gazzetta dello Sport de domingo, colocou o FC Porto entre “as equipas que estão a jogar o melhor futebol da Europa”, sem nenhuma necessidade ou vantagem tirada de o fazer, Sacchi estava a ver nesta equipa muito de seu, a cultura do mais italiano dos treinadores portugueses, mas também aquilo que esta equipa de Conceição acrescenta ao italianismo, algo que é sobretudo corporizado na criatividade de Vitinha e Fábio Vieira. Sem eles, o FC Porto seria só mais uma manifestação desse “calcio” meio esgotado pelo tempo.
E as equipas de Guardiola? O que faz, ainda, o Manchester City, mas que já estava na base da organização do FC Barcelona ou do Bayern? Posicionamento e ligação. São equipas nas quais o posicionamento é a base das triangulações através das quais se pode progredir, uma forma de atrair aqui para explorar o espaço deixado vago ali. Quem faz isso melhor em Portugal é o Sporting, que soube aproveitar muito bem o tempo no campo de treinos durante a época de 2020/21, na qual esteve fora das competições europeias, e aperfeiçoou tudo ao detalhe que se vê hoje, como se a equipa jogasse de olhos fechados. Há-de ter sido isso que Guardiola viu nos leões. Mas, ainda que no elogio que lhes fez, dizendo-se “impressionado” com a equipa de Rúben Amorim, possamos ver a tentativa de amaciar o caminho para os jogos da Liga dos Campeões, Pep terá reparado igualmente naquilo que a explosividade de Matheus Nunes acrescenta ao modelo, enquanto elemento diferenciador. Porque o Sporting é isso tudo, é a teia urdida com base nos posicionamentos iniciais, uma teia na qual poderá distinguir-se o detalhe técnico de Sarabia ou Pedro Gonçalves, mas cresceu quando meteu a aceleração e a exploração do espaço em explosão como alternativa às formas que tinha de tirar adversários do caminho.
Se estivéssemos no circo, o FC Porto seria o número das cobras, uma jiboia que asfixia a presa, ao passo que o Sporting seria o da magia, um ilusionista que chama a atenção para uma mão enquanto faz o truque com a outra. A questão é que nenhum dos dois funcionaria sem as tais caraterísticas diferenciadoras. A melhor metáfora pode ser a do vestuário. O FC Porto é a malha urdida e tricotada ao detalhe, que no entanto nunca seria possível sem todo o trabalho feito até a matéria-prima chegar às mãos do tecelão. E o Sporting a fibra sintética, feita pelas máquinas, impessoal, mas que para se tornar interessante tem de ter a elasticidade que lhe permita esticar ao limite e um ou outro detalhe de fantasia que a embeleze. A Liga vai jogar-se na capacidade que estas duas equipas tiverem para impor a sua base e os acrescentos que as tornam diferentes sem perderem a identidade. Não é coisa fácil – e por isso mesmo é tarefa para campeões.
Durante toda esta semana tenho gostado de ver análises às duas equipas. Tudo muito certo, tudo muito esquemático. Mas, e se a bola bater na trave, e se um dos jogadores fizer autogolo, e se o árbitro tiver uma noite azarada, e se.... Pois, muitos ses para tantas certezas táticas
Gosto da montagem do comentário, a descrição dos movimentos de cada equipa. Acrescento que se esse rigor táctico tornar o jogo fechado e demasiado denso, a segunta parte e, sobretudo os últimos 25 minutos vão desvendar o mistério do resultado. Era bom ter um complemento do seria o valor acrescentado à matriz táctica, por exemplo com as intervenções de outros ilusionistas, tais como Galeno, Pepê ou Fábio Vieira no FC Porto. E de Marcus Eduards, Islam Slimani ou até de Bruno Tabata no Sporting.