Isto não é um cachimbo
Do que se fala nas opções de Borges e Lage para a final da Taça da Liga é da falta que fazem opções num plantel curto ou da ostracização de jogadores num grupo longo. Mas a questão não é essa.
Palavras: 1130. Tempo de leitura: 6 minutos (áudio no meu Telegram).
A lesão de Morita, a deixar Rui Borges com apenas um médio para o duplo-pivot do seu 4x4x2 defensivo antes da final da Taça da Liga, mas também o ostracismo a que Bruno Lage votou Rollheiser ou Prestianni – e até há bem pouco tempo Schjelderup... – no seu 3x2x4x1 ofensivo, podem levar-nos a uma série de considerações. Podemos ir do risco que é preferir um plantel curto ao problema que é ter um plantel extenso, mas na verdade a questão coloca-nos perante a evidência de que os jogadores não trazem rótulos na testa com as suas posições e que o fundamental é saber o que se quer de cada uma delas e o que esses jogadores fazem sempre que as ocupam. É claro que ter um plantel curto ou longo é uma escolha quase filosófica, que ambas as opções encerram sempre nelas uma série de problemas à espera de acontecer, mas a pergunta do milhão de euros nestes dois casos é outra. Até porque os planteis de Sporting e Benfica não são assim tão diferentes em extensão – os encarnados terão mais dois jogadores de campo, se do lote excluirmos os que são, de base, das equipas B. A questão é que os grupos não foram formados por Rui Borges e Bruno Lage mas por treinadores que olhavam para as missões em campo e viam outras necessidades. E a revolução foi maior em Alvalade do que na Luz – o que leva a que as dissonâncias sejam, também aí, mais acentuadas.
A dualidade é muito simples e ambas as correntes apresentam vantagens e desvantagens. Um plantel curto diminui a distância entre cada um dos seus componentes e a oportunidade para jogar, dessa forma mantendo toda a gente mais focada e feliz. E não se trata só de fazer um bom grupo – o próprio trabalho é mais proveitoso. Todos nós, nas nossas profissões, fazemos um trabalho melhor se pensarmos que ele serve para alguma coisa do que se acharmos que é igual ao litro, como julgarão os futebolistas que têm três ou quatro companheiros à frente deles na hierarquia por trás da luta por uma vaga no onze. Em contrapartida, em casos como o da onda de lesões que vive o Sporting atualmente, há-de ser exasperante para o treinador olhar para o grupo e não ver opções válidas para preencher a sua ideia de jogo. Um plantel longo, por outro lado, deixa o treinador sempre precavido. Venham as lesões que vierem, há sempre alguém para jogar. Mas, lá está, conduz ao esquecimento de algumas unidades, que não só podem contribuir com a sua pouca utilização para um balneário mais complicado de gerir como, antes disso, já hão-de ter conduzido a que o próprio trabalho semanal perca qualidade, porque nem que seja inconscientemente começam a cada sessão a dar menos de si próprios. Havendo clareza de pensamento, não tenho dúvidas: é muito melhor ter um plantel curto do que longo. Quando se muda de ideias a meio do caminho, a coisa complica-se muito seriamente.
E não, não se trata só de dizer que, entre Amorim e Borges, o Sporting mudou do 3x4x3 para o 4x3x3, enquanto que entre Schmidt e Lage o Benfica manteve o 4x2x3x1. É que o futebol se complicou e vive hoje uma multidisciplinaridade à qual não é possível fugir com classicismos, quase dando uma nova dimensão ao cachimbo de René Magritte. Não é preciso pintar Morita para legendar que a tela “não é um médio”, porque em posse, na ideia do treinador, ele tem de ser alternadamente mais um central, na eventualidade de uma saída a três, ou um interior avançado, se a equipa sai a quatro. Não é preciso fotografar Prestianni para legendar que a foto “não é um extremo”, porque o próprio jogador tem de ser, sem bola, um segundo lateral, em função de uma ideia que abdicou dos dois médios permanentemente mais posicionais e estacionados à frente da defesa a que recorria Schmidt, mesmo em momento ofensivo. No futebol de hoje, o recrutamento torna-se bem mais específico, o que, consequentemente, leva a que, se as ideias mudam, seja difícil corrigir ausências no grupo ou encontrar préstimo para quem sobra. E falta perceber até que ponto é que atrás das lesões que têm assolado o Sporting desde a saída de Amorim não estará o excesso de utilização de alguns elementos que, pelas suas caraterísticas, encaixavam melhor, primeiro, na ideia de João Pereira, e depois na de Rui Borges. Porque há ali gente ainda por estrear, como Debast, já para não falar em Edwards ou Inácio, que tiveram problemas físicos, e gente demasiado espremida: Diomande, Saint Juste, Hjulmand e Gyökeres fizeram todos os minutos dos três jogos, nos quais Trincão e Catamo também só falharam 11.
Olhando diretamente para a final da Taça da Liga, a vantagem do Benfica é que pode ir a jogo sem os seus problemas. O efeito nefasto que eles poderão ter provocado é mais dificilmente mensurável, já que se terá tratado apenas do prejuízo no trabalho semanal causado por quem cabe menos nesta nova ideia. Tal como no caso das razões por trás das lesões do Sporting, só quem lá está é que pode dizer se isso foi ou não relevante. Já no caso do Sporting, a baixa de Morita fica mais difícil de superar, porque à exceção de Bragança ou eventualmente (menos) Pedro Gonçalves – e ambos estão também lesionados – não há no plantel quem faça aquilo que dava o japonês. Sim, o segundo médio de Rui Borges mantém o comportamento sem bola do de Ruben Amorim – ao lado de Hjulmand – e já com o anterior treinador ele baixava para ajudar no início de construção, ali entre o central do meio e o central esquerdo, e depois ia inserir-se entre o avançado e o ala esquerdos quando a equipa entrava em zonas de criação. Mas todas as opções disponíveis parecem condenadas a lidar mal com parte da tarefa. Fala-se de Debast, que certamente cumpriria na parte defensiva e até daria ao meio-campo mais passe de rotura, mas que não tem a mesma agilidade em espaços curtos e a capacidade para se inserir em zonas mais avançadas. Isto seria mais facilmente conseguido, por exemplo, por Esgaio, que depois teria mais dificuldade a iniciar a construção pelo meio. Rui Borges tem um problema a resolver, mas engana-se quem acha que isso se deve ao facto de ter pegado num plantel curto. Deve-se, sim, ao facto de ter pegado num plantel montado para servir outras ideias.
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Mas há um termo médio no que respeita aos planteis. Nem a política do novo-riquismo do Benfica, que tem quase 3 ou 4 jogadores para cada posição, nem a política do plantel muito restrito do Sporting; sim, todos podem ter assim oportunidades e não ficam desanimados, mas é um risco enorme porque aparecem lesões e castigos (e baixas de forma), e depois é o que se está a ver. Claro que é como o AT diz, de repente, o Sporting tem muitos centrais (e apenas Quaresma me parece que pode ser adaptado a médio), médios há um, e não há um lateral esquerdo. Borges mudou depressa demais de sistema e numa altura que metade do plantel principal está de baixa. Foi azar e uma temeridade!