Histórias de Davides e Golias
A diferença entre grandes e pequenos está, de facto, cada vez maior, mas não é só porque os Davides estejam mais fracos. Os Golias andam mais precavidos e a trabalhar melhor.
Que os grandes são mais fortes que os pequenos, já todos sabemos desde os tempos bíblicos, desde que a história de David e Golias foi escrita, com o intuito de nos demonstrar que, ainda assim, é possível inverter essa lógica. Aquilo que nos mostra a nossa Liga, no entanto, é que Golias não deve ter sido um tipo muito inteligente ou pelo menos precavido, porque se ele se tivesse preparado bem saberia que tinha vulnerabilidades e que, antes do seu embate com David, deveria mascará-las em vez de escarnecer do opositor. Que em vez de aparecer com uma cota de malha de 57 quilos devia ter protegido a testa, onde o pequeno David lhe acertou com uma valente pedrada. Em 38 jogos ante “plebeus” nesta Liga, os três grandes ganharam 34 (89 por cento), o que demonstra que são muito mais fortes, sim, mas também que estão a trabalhar bem.
Faz sentido a pergunta ontem colocada a Jorge Jesus na ‘flash interview’ após a vitória (4-1) do Benfica em Famalicão, local onde um David já tinha acertado uma pedrada num dos nossos três Golias: o FC Famalicão empatou ali com o Sporting, na única de 12 partidas com oposição “vulgar” em que o campeão deixou pontos, empatando a uma bola. De resto, o FC Porto só cedeu um empate – 1-1 com o Marítimo no Funchal – e o Benfica perdeu em casa com o Portimonense (0-1) e empatou no terreno do Estoril (1-1). À mesma jornada do ano passado, contando apenas jogos contra opositores não-grandes, o Sporting tinha dois empates (FC Famalicão e Rio Ave), o FC Porto duas derrotas (Marítimo e FC Paços de Ferreira) e o Benfica um empate (Santa Clara) e duas derrotas (Boavista e SC Braga). A temporada de 2021/22 é ainda marcada pelo recuo competitivo dos bracarenses, que perderam os quatro jogos contra os grandes – os três de campeonato e a Supertaça – quando no ano passado, por esta altura, já tinham ido ganhar à Luz ao Benfica. É praticamente só isso que justifica a diferença de 13 pontos para o topo da tabela, quando há um ano essa distância era de nove pontos até ao líder.
Portanto, mesmo que quando se pergunta a Jorge Jesus se “há poucos pontos para perder no campeonato para os grandes” a ideia seja a de acentuar a assimetria da nossa Liga, a diferença de qualidade entre os três da frente e o resto, seria errado pensarmos que tudo se explica com a fraqueza dos demais ou com a ausência de uma “classe média”, a que aludi no Último Passe de sexta-feira passada. Isso ajuda, como é evidente. Mas não explica tudo. O próprio Jesus, de todos os combatentes aquele que terá mais propensão a fazer de Golias, porque já se lhe conhecem alguns episódios de soberba no passado, foi super-equilibrado na resposta que deu. “Acho que os três estão mais fortes do que no ano passado. E acho que as outras equipas também estão mais fortes, mas as três equipas grandes deram um passo à frente. É difícil fazer pontos em qualquer campo”, disse o treinador do Benfica. Já há dias Rúben Amorim se tinha referido ao crescimento da sua equipa, sobretudo nos jogos contra os outros grandes – que na caminhada até à conquista do título do ano passado lhe tinham tirado sete dos 17 pontos perdidos e este ano, em metade do caminho, já só lhe tiraram dois, mostrando um Sporting mais forte nos confrontos diretos.
Um dos lugares-comuns mais vezes repetidos é o de que as Ligas não se ganham nem perdem nos confrontos diretos, mas sim nos jogos com os pequenos. É possível encontrar exemplos que sustentam essa ideia, bem como outros que a contrariam. Mas a realidade da nossa Liga este ano é uma realidade em que os confrontos diretos estão a ganhar peso. Nos últimos 48 jogos de campeonato, o Sporting só perdeu uma vez – com o Benfica, quando já era campeão e tinha tirado o pé. O FC Porto somou ontem, na vitória contra o SC Braga, o 42º jogo seguido sem perder na Liga – mas nessa caminhada empatou os quatro desafios que fez contra os outros dois grandes, dois no Dragão, um em Alvalade e outro na Luz. Os grandes estão de facto mais fortes, mais preparados, mais equilibrados na forma de enfrentar oposição menos credenciada, para depois poderem decidir entre eles quem manda. É por isso que o FC Porto-Benfica do final deste mês – ainda por cima a seguir a outro, para a Taça de Portugal – vai ser o jogo do ano. Ali se perceberá se o FC Porto é capaz de ganhar clássicos, e se o Benfica afinal até consegue sair por cima do confronto com equipas da mesma igualha.