Gyökeres e o futuro
O sueco parece tranquilo e focado no que tem de fazer, que é jogar e marcar. Mas a pressão do mercado pode colocar o Sporting ante motivações contraditórias: quer que ele brilhe ou que ele fique?
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Viktor Gyökeres entrou na Liga dos Campeões como tem andado na Liga Portuguesa: com um golo à ponta-de-lança, a descobrir o ângulo mais distante da baliza de Chevalier através de um tiro rasteiro, quando estava pressionado por quatro defesas adversários. Foi fundamental na estreia a ganhar que o Sporting fez na competição, não só pelo golo que marcou como ainda pelas combinações interiores que fez com Trincão e Pedro Gonçalves e pelas fugas na profundidade pelos corredores laterais, entre as quais a que afundou a linha defensiva do Lille OSC para propiciar a Debast o espaço de que ele necessitava para marcar um golaço e arrumar com a incerteza da partida. Gyökeres levou para casa a bola estrelada que distingue o Homem do Jogo e as suas proezas começam a ecoar de tal maneira pela Europa que hoje já me parece inevitável que acabe mesmo por ir à vida dele, na melhor das hipóteses no final da temporada. Afinal, alguns até podem vir dizer que não, mas esse é o desfecho que interessa a toda a gente envolvida.
Da mesma maneira que em Abril aqui vos escrevi que não acreditava que Gyökeres saísse do Sporting neste Verão, hoje aqui vos digo que estou convencido de que isso vai acontecer até ao início da próxima época. O que mudou? Para quem olha para os jogadores convencido de que eles ou são bons ou são maus, na perspetiva maniqueísta segundo a qual o João Félix, por exemplo, ou é o maior craque da história ou é um flop escandaloso, não mudou nada. Mas mudou. Aconteceu o tempo, veio a vida e mudaram as circunstâncias. Há cinco meses tudo o que havia de Gyökeres era um campeonato extraordinário feito em cima de uma carreira até aí anónima por um jogador que já tinha 25 anos e isso não lhe permitia ainda sair da categoria dos epifenómenos. Dir-me-ão que aos 26 anos – fez mais um em Junho – o jogador ainda vai muito a tempo de brilhar e justificar uma transferência milionária e isso é verdade, mas nunca foi isso que esteve em causa. O que, face aos elevados montantes de que se rodearia uma saída no Verão, causava dúvidas aos potenciais interessados não era se o jogador tinha tempo para justificar o investimento – era por que razão ele não tinha aparecido antes, em sete anos de futebol sénior. É isso que uma segunda temporada ao nível da primeira – ou acima, como está a ser esta –, ainda por cima com escalada do nível de dificuldade, jogando a Champions, pode mudar.
Depois daquela primeira manobra tosca, a pressionar o Sporting aproveitando a boleia dada pela indefinição que chegou a haver em torno da continuidade de Rúben Amorim, o agente do jogador terá percebido que não é com vinagre que se apanham moscas e optado por uma estratégia de sedução internacional, bem à vista na forma como de repente os golos do sueco começaram a motivar tweets constantes de influencers como o italiano Fabrizio Romano. Daí aos jornais de referência foi um pequeno passo. “Um golo esplêndido, de atacante puro, o seu nono desta época. Não lhe faltarão potenciais interessados no futuro”, lê-se na Gazzetta dello Sport de hoje. “Foi fiel à reputação crescente com um golo de avançado-centro. Um veneno constante”, escreve o L’Équipe. Gyökeres, por sua vez, parece tranquilo – e é importante que assim se mantenha. Mesmo que não haja dia em que os jornalistas, compreensivelmente, não lhe perguntem até quando ficará em Alvalade, o seu sucesso futuro dependerá em todos os patamares da capacidade que venha a revelar para isolar a produção futebolística de questões externas ao campo. O jogador fez uma boa análise da situação quando disse que se ninguém se interessou por ele a ponto de apresentar uma proposta foi certamente porque os 100 milhões de euros da cláusula são demasiado elevados. Foi honesto quando disse que gostaria de vir a experimentar outras Ligas. E foi grato quando reconheceu ao Sporting o direito a gerir toda a situação de acordo com o que está contratualizado. A ele só lhe resta fazer uma coisa: jogar e marcar para convencer os interessados de que não é uma daquelas “maravilhas de uma época” que às vezes aparecem.
E é aqui que entra o Sporting. O que quer o Sporting? O problema dos clubes portugueses – todos – é que precisam sempre de vender. Já disse o que penso acerca da gestão de mercado dos nossos clubes na última edição do Futebol de Verdade (há link aqui e o tema é falado aos 70 minutos de programa): uma realidade em que se compre menos para se vender menos será sempre torpedeada pelo desejo dos jogadores saírem em busca de Ligas mais visíveis e bem remuneradas, pelo que é irrealista achar que se pode segurar grandes talentos e nunca ceder ao mercado. Quando investiu em Gyökeres, o Sporting tinha pela frente cenários tão distintos como a possibilidade de ele fracassar, que equivaleria a deitar ao lixo os mais de 20 milhões pagos, de ele fazer uma carreira digna mas pouco notável, como acontece com a generalidade dos reforços, ou de ele rebentar a escala e se tornar um fenómeno, requisitado por todo o lado. A realidade transportou o sueco para mais perto desta terceira perspetiva – e pelo caminho trouxe um título de campeão nacional e o regresso à Liga dos Campeões. Aqui, vale a pena recordar como funciona o mercado, sempre dependente de fatores tão distintos como a idade e a vontade do jogador, a existência (ou não) de mais do que um interessado e a situação do clube potencialmente vendedor.
Que o Sporting precisará de fazer uma grande venda (ou duas ou três vendas médias...) até fechar o corrente exercício, a 30 de Junho, parece evidente. Que o clube preferiria fazer as tais duas ou três vendas médias, como aconteceu no início de época, para manter a força do seu onze titular, também é mais ou menos claro, ainda que entre esse desejo e a sua concretização possa vir a colocar-se a vontade de sair de um jogador que cresça para além do limites da Liga Portuguesa. Que, a acontecer, o clube preferiria perder esse jogador só no fim da época e pelo valor integral da cláusula, ao invés de o ver partir já em Janeiro, pondo em risco os objetivos desportivos, também é cristalino. A questão é que é aqui que a realidade pode situar-se entre motivações antagónicas. Se Gyökeres for fazendo jogos retumbantes na Liga dos Campeões, é mais provável que possa vir a atrair mais do que um interessado, tornando mais possível que a venda se faça pela cláusula do que o Sporting acabe por ser forçado a um desconto que não deseja. Mas se ele continuar a marcar e a assistir na Liga Portuguesa à cadência a que o tem feito e for muito impactante nas seis jornadas de Champions até à reabertura do mercado, em Janeiro, também torna mais possível que o apetite pelo seu concurso cresça a ponto de se tornar complicado segurá-lo na segunda metade da temporada. Sim, a vida não é tão simples como um ‘save’ de um jogo de FM.
A vontade do jogador como factor tem muito que se lhe diga. A verdade é que o clube vende se quiser vender, salvo se oferecem o valor da clausula e aí sim o jogador sai se quiser sair mas fica se quiser ficar. O clube pode ouvir o jogador e vender se ele quiser sair, mas não tem de o fazer. A saga Ioannidis é prova disso mesmo. O risco é uma birra ou, se o jogador for profissional, acabar por sair a custo 0, mas não vejo a vontade por si como um factor para a transferência.
Só uma lesão grave poderá fazer Gyokeres permanecer no Sporting. E a continuar assim, em Janeiro deverá ser a saída!