Dois homens sós
Foi sem a estrutura que Conceição ganhou e que Amorim perdeu. Se no Dragão houve quem metesse “a viola no saco”, em Alvalade ninguém tem de sacar dela para vir cantar cantigas de amor.
Sérgio Conceição e Rúben Amorim assumiram ontem dois pontos de vista coincidentes num aspeto: a responsabilidade pelos resultados é sempre deles, dos chefes da equipa técnica. Quando Conceição pontua o primeiro lugar que o FC Porto conseguiu no grupo da Liga dos Campeões, dizendo que “houve muitas pessoas, até de dentro do clube, que meteram a viola no saco”, está a chamar à equipa técnica e aos jogadores o mérito indiscutível do feito, não só face aos adeptos que apedrejaram o carro da sua família, mas até perante gente que trabalha ao lado e acima dele no clube. Quando Amorim clarifica que “o presidente e o [Hugo] Viana não têm a culpa” da eliminação do Sporting, após duas vitórias nas primeiras duas jornadas da mesma competição, está a explicar a mesma coisa a um país que nunca se habituou a isso e que vive tão torcido que os adeptos sempre viram nos presidentes os garantes primeiros de resultados no campo. E, vamos a ver se nos entendemos: isso não é saudável.
Amorim esclareceu ontem que “o presidente tem de dar explicações aos sócios, mas é nas assembleias”. De tão invulgar, esta manifestação de clarividência do treinador do Sporting acerca do que deve ser o desporto pode até chocar o panorama nacional. Os portugueses não estão habituados a isso, porque passaram décadas a ver os presidentes falar quase após cada jogo, para defender treinadores, mesmo aqueles que se preparavam para despedir um par de semanas depois, para atacar ou até condicionar e coagir árbitros e zurzir nos adversários. Frederico Varandas tem responsabilidades no pesadelo em que se transformou a época do Sporting – e escrevi logo na altura, aqui, as razões pelas quais acho isso –, como Pinto da Costa podia ter tido responsabilidades se o FC Porto tivesse acabado por perder a Liga da época passada. Tanto um como o outro deram uma facadinha nas costas dos seus treinadores, Varandas ao vender Matheus Nunes em semana de clássico e de fim de mercado, Pinto da Costa ao desfazer-se de Luís Díaz em Janeiro, quando o FC Porto se sentia pressionado pelo Sporting e o colombiano era o melhor jogador da Liga. Pode até discutir-se se os treinadores sabiam, se têm de saber – e eu acho que têm – ou se podem decidir – e a mim parece-me que devem ser ouvidos, ainda que não deva ser deles a última palavra. Mas é evidente que ambos se sentiram traídos, senão pela decisão em si, pelo menos por todas as condicionantes que a ela conduziram.
Mas, lá está: da mesma forma que não se responsabiliza os treinadores pelas decisões de mercado, pela submissão do clube à agenda deste ou daquele empresário, pela definição de objetivos globais ou pela política financeira das SAD, também não devemos olhar para cima se a bola sai ao lado em vez de entrar na baliza. Quando perdeu Díaz, Sérgio Conceição chegou mesmo a falar em reajuste de objetivos, mas levou a equipa a dar a volta por cima. Caiu cedo na Liga Europa, onde tinha ido parar ainda com o contributo do colombiano, pareceu até que o fez quase como declaração de protesto, mas manteve o foco no campeonato. Quando perdeu Matheus Nunes, Rúben Amorim vestiu a capa de uma indiferença que certamente não sentia, só falou no projeto, nos sacrifícios que era preciso fazer em nome dele, mas não só deixou a equipa afundar-se no fatalismo que a levou a perder os três principais objetivos em três meses como parece também estar a exagerar na utilização dos miúdos para evitar sobrecarregar os consagrados, talvez também como uma espécie de declaração de protesto – e essa, associada a uma transformação fracassada na forma de jogar da equipa, na tentativa de colocar os leões a jogar à “equipa grande”, é a responsabilidade dele no pesadelo.
Em Portugal, sempre que uma equipa entra em crise de resultados, os artigos de opinião e as perguntas acerca da oportunidade da intervenção dos presidentes nascem como cogumelos no bosque – já foi assim com Rui Costa, durante a época passada do Benfica, por exemplo. Conceição e Amorim ajudaram-nos ontem a enquadrar isto no topo da agenda, recordaram-nos que os jogadores jogam, os presidentes presidem e os treinadores treinam. E, nisso, são e serão sempre homens sós.