A renovação de Amorim
A derrota em Arouca afunda as poucas esperanças que o Sporting tinha de chegar ao título e centrou o foco na relação entre a SAD e Amorim. Eis o que achei que não podia explicar em 20 segundos na RTP.
A renovação de contrato de um treinador em crise de resultados já é um clássico da gestão desportiva num futebol como o nosso, onde o efémero triunfa sempre sobre o planificado, onde se liga demasiado às sensações que vêm de fora para dentro e se acha que é preciso dar sinais para o exterior. Porque, das duas uma. Ou tanto o clube como o treinador coincidem num patamar diferente de gestão racional, aquele em que estão, por exemplo, o Liverpool FC e Jürgen Klopp, e acham que o que faz sentido mesmo é pensarem nisso lá para o final da época, que é quando se avaliam os resultados. Ou estão preocupados com a possibilidade de o ambiente em torno da equipa interferir com a performance – ou com a sua própria auto-estima – e, no âmbito de uma navegação mais feita à vista, tentam demover aqueles que são incapazes de conter a frustração com um sinal público de entendimento. No caso do Sporting e de Rúben Amorim, há ainda uma terceira possibilidade, mas dela falarei lá mais para a frente neste artigo.
Que a época do Sporting tem sido um desastre é mais ou menos consensual. O campeonato, que já estava difícil e dependia, na melhor das hipóteses, da manutenção do Benfica a nove pontos até ao dérbi de Janeiro, tornou-se impossível depois da derrota em Arouca, no sábado. A Taça de Portugal já lá vai, depois da queda contra o Varzim, que joga dois escalões abaixo. Na Liga dos Campeões, a possibilidade de fazer umas flores – importantes no plano financeiro, mas não suscetíveis de salvar a temporada, como se viu no Benfica de 2021/22 – depende do jogo de amanhã, com o Eintracht Frankfurt, que também joga a vida em Alvalade. E a Taça da Liga, que começará enquanto vai decorrer o Mundial, nunca será consolação para adeptos que recentemente redescobriram o sabor da vitória a sério. As responsabilidades, neste caso, têm de ser repartidas – e tanto na administração da SAD como na direção desportiva e na equipa técnica terá de haver inteligência e capacidade de aprender com os erros. Se assim for, uma má época pode ser apenas isso mesmo: uma má época. Pode ser uma época utilizada para se aprender a não repetir determinados erros, como pode ser encarada como uma época de transição, à espera que a fornada seguinte de miúdos cresça. O que não deve é ser razão para pôr tudo em causa, para arrasar o que se construiu e começar do zero, que é o que frequentemente acontece no Sporting, um case study na área da psicologia de massas – não deve haver no Mundo outro clube tão pouco frequentemente vencedor com a capacidade de auto-flagelação dos leões.
Em condições normais, a administração da SAD olhará para o que fez este ano e perceberá que não pode colocar objetivos desportivos em causa vendendo jogadores fundamentais já com a época em curso, quando ainda por cima essa venda só se refletiria nas contas do ano seguinte e todo o projeto desportivo se baseia na exiguidade de meios – e, portanto, na maior dificuldade em substituí-los. Haveria mais tempo para ajustar essas contas do que aquele que foi dado a Rúben Amorim para preparar um jogo tão importante como era o do Dragão, com o FC Porto, naquela semana em que Matheus Nunes foi transferido. Em condições normais, a direção desportiva olhará para a atuação no mercado e para a composição do plantel e verá que tem de começar a dar mais atenção ao chamado “índice lesional” dos jogadores que vai contratar, porque se a um plantel estrategicamente curto se somam quatro ou cinco lesões traumáticas e um par de jogadores que não aguentam três jogos consecutivos por razões fisiológicas, está feito o cocktail para uma época falhada. Em condições normais, o treinador olhará para o futebol da equipa e entenderá que precisa de gente mais concreta na frente, que o problema não é ter mais um ponta-de-lança ou menos um ponta-de-lança, como tanto lhe perguntam, a ponto de lhe acirrar a teimosia, mas que jogadores que fazem em média quatro ou cinco golos por época não vão de repente entrar nos dois dígitos. E verá que é isso que tem tornado o Sporting uma equipa dominadora mas inconsequente, uma equipa de “small ball”, com atacantes especializados em fazer rotundas em vez de seguirem a direito para a baliza.
Ora é aqui que entra a terceira possibilidade de que vos falei mais acima. É a possibilidade de a administração e o treinador já não quererem trabalhar em conjunto, de as duas partes estarem de tal maneira desencantadas com os erros e as dores de crescimento da outra que isso já as tenha levado a desistir do futuro radioso que o título de 2021 anunciava às hostes leoninas. No fundo, a possibilidade de as notícias acerca da “proposta informal” de renovação feita a Amorim pela administração da SAD serem o equivalente ao que dizemos àquele tipo que reencontramos na rua e de quem não gostamos particularmente: “Temos de ir almoçar um dia destes!” Porque sabemos que não é assim tão provável que voltemos a encontrá-lo, mas ao menos ficamos bem vistos. Esta é uma possibilidade que já me ocorrera também ao ver as constantes notícias acerca da entrada de Amorim na lista de treinadores pretendidos sempre que abre uma vaga num clube de uma Liga de topo no estrangeiro – num flirt, já se sabe, fica sempre bem fazer saber à outra parte que não está só na corrida, quanto mais não seja para lhe aumentar o empenho.
Em condições normais, não vejo razões para que Frederico Varandas, Hugo Viana e Rúben Amorim não possam continuar a trabalhar em conjunto – embora também não alcance as que levariam à renovação imediata de um contrato que já vale até 2024 a não ser as de pura cosmética. É que a “conciliação”, aqui, não depende tanto de um papel assinado na redoma da intangibilidade como da vulnerabilização existente num ato de contrição das partes, da sua capacidade para nos fazerem entender que aprenderam com os erros e estão felizes por trabalharem juntos. Mais do que a renovação do contrato, é isso que faz falta neste momento.
PS – Era, mais ou menos isto, que queria dizer naquela intervenção no 360 da RTP que ficou viral. Sei que não estive bem, porque ao perguntar “Queres que me cale?” revelei no ar um sinal do Alexandre Santos, o pivot do programa, para que abreviasse a minha intervenção. Isso não se faz e por isso lhe pedi logo desculpa. Ao fim de 30 anos de TV, que celebrarei no final deste mês de Novembro, ainda cometo – e cometerei... – erros. Tal como acho que a missão que me era ali proposta – explicar tudo isto em 20 segundos – era impossível e que eu sairia mal visto de qualquer tentativa. Mas quero deixar bem claro uma coisa. Não fui censurado – tanto assim é que voltei ao tema na edição seguinte do 360 em que estive presente. O que se passou foi apenas TV em direto. Acontece... Não precisámos de renovar já o contrato anual que tenho com a RTP desde 2006 para convencer os autores das teorias mais mirabolantes. Mas achei que devia dar-vos esta manifestação de vulnerabilidade.