Conceição e a confusão
Sérgio Conceição não quer falar do tema, mas é inevitável que o abraço a Pinto da Costa fique na atualidade até às eleições do FC Porto. E se torne questão depois de se saber quem as ganhará.
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Sérgio Conceição ainda se riu, ontem, quando cortou as vazas aos jornalistas que queriam perguntar-lhe sobre o abraço que foi dar a Pinto da Costa, aquando da apresentação da candidatura do atual presidente a mais um mandato na liderança do FC Porto. “Dei um abraço a um amigo, a um mentor, a alguém que me conhece desde os 15 anos e que me deu algumas das oportunidades que considero importantes na minha vida pessoal e profissional”, disse o treinador, misturando os dois universos, depois de ter pedido o encerramento do assunto e que respeitassem “o sócio e o treinador”. O abraço e a própria presença no Coliseu foi, estou convencido, uma decisão emocional, impulsiva, como são muitas no treinador dos dragões. É uma daquelas coisas que se faz, não sem pensar, que até lá chegar e buscar pacientemente o presidente nas suas costas, enquanto ele caminhava sem sequer se aperceber da presença do técnico, este teve muito tempo para se ater nos efeitos que o que estava a fazer poderia ter. Efeitos na equipa, que não dá para argumentar que ali estava o sócio e não o treinador, que são uma e a mesma pessoa, e porque com aquele ato de gratidão ele acaba por transportar para o balneário qualquer instabilidade que a campanha venha a produzir. Porque aqui, ao contrário do que sucedeu com Jorge Jesus no Sporting em 2016 e no Benfica em 2020 e 2021, não se trata só da legitimidade formal de um alto funcionário do clube para tomar partido numas eleições – e que já de si é altamente questionável. É que se falarmos de ‘realpolitik’, Jesus nunca arriscou tanto como arrisca agora Conceição, pois tanto Luís Filipe Vieira em 2020 como sobretudo Bruno de Carvalho em 2016 e Rui Costa em 2021 tinham alcatifados os caminhos para as reeleições, quando neste caso há uma disputa apertada de dois candidatos, vistos como tendo dividido o eleitorado. O que faz com que a decisão de Conceição possa ter efeitos também na sua própria carreira, que a partir dali é natural que fique condicionada à vitória de Pinto da Costa nas eleições de Abril. Poderá ele continuar caso Villas-Boas conquiste a presidência? Num Mundo perfeito, sim, claro. Mas ando nisto há anos suficientes para saber que as coisas vão extremar na campanha – o que a partir daquele abraço vai ter mais reflexos no balneário – e que, qualquer que venha a ser o resultado da votação, ele vai influenciar também a condução do plantel nas cinco ou seis jornadas de campeonato que faltarão jogar aquando das eleições. E se o FC Porto estiver bem, a lutar pelo título, e Villas-Boas ganhar? Perde-se tranquilidade no grupo, em suspenso da continuidade do treinador. E se o FC Porto estiver mal, fora das grandes disputas, e Pinto da Costa vencer? Pode colocar-se a questão da manutenção do treinador como retribuição apenas pelo apoio concedido. Mesmo que Sérgio Conceição já tenha decidido, no seu íntimo, que esta, a sétima temporada, será a sua última à frente da equipa, ou que acredite pouco na possibilidade de vir a superar Benfica e Sporting na tabela, não haveria necessidade de trazer para o tema o destaque mediático que ele vai ter. Mesmo que depois diga que não tem nada a dizer.
A saída catalã. De Espanha, entretanto, chegam notícias de uma possível via de saída catalã. Diz o As que Joan Laporta, o presidente do FC Barcelona, e Deco, o diretor-desportivo, estão em desacordo acerca da escolha do nome para substituir Xavi Hernández no Verão. Guardiola é inacessível, Klopp quer mesmo parar por um ano, Arteta abraçou o projeto do Arsenal e quer colher frutos antes de rumar a outras paragens. Aqui chegados, os culés estão entre o lirismo de Laporta e o realismo de Deco, ambos temperados com uma boa dose de falta de noção. O presidente julga que o FC Barcelona ainda é o emblema que faz virar as cabeças dos pretendentes na rua – e já não é, pois tem tido dificuldades até para inscrever os jogadores mais modestos e fazer cumprir os preceitos do fair-play financeiro, quanto mais para seduzir os melhores treinadores do Mundo. O diretor-desportivo compreendeu as dificuldades e tê-las-á comparado às que Conceição enfrentou em 2017, quando chegou ao Dragão e fez de um FC Porto impedido de contratar reforços um campeão mais baseado no combate do que no futebol-champagne que está no ADN do Barça. Laporta satisfar-se-ia com Hansi Flick, ex-treinador do Bayern, que está parado desde que foi despedido da seleção alemã e já começou a aprender espanhol. Deco puxaria por Conceição, cujas ações parecem indicar que está para deixar o FC Porto e veria sempre nos blaugrana uma promoção e um desafio, para lá das dificuldades conjunturais. Falta saber o que pensa disto Jorge Mendes.
Hoje há Taça. Entretanto, o FC Porto volta hoje ao campo, para jogar com o Santa Clara em jogo da Taça de Portugal (16h, Sport TV1). Desenganem-se os que pensam num passeio. O relvado não ajudará e os açorianos, líderes da II Liga, estarão hoje mais fortes do que em Outubro de 2022, quando ali arrancaram um empate que levou ao primeiro afastamento de David Carmo do onze dos dragões, culpabilizado pelo erro que conduziu ao golo de Boateng, num canto. Tanto o FC Porto como o Sporting, que à noite (20h45, RTP1) visita a UD Leiria em busca de outra vaga nas meias-finais, partem como favoritos, mas terão pela frente equipas competentes, apesar de jogarem um escalão abaixo. O que está em causa para os Vascos – o Matos do Santa Clara e o Botelho da Costa da UD Leiria – é uma oportunidade quase única de mostrar valor face aos maiores clubes nacionais. E ainda que a organização e os operadores televisivos sonhem com meias-finais que envolvam os três grandes e o Vitória SC, isso está bem longe de estar garantido.
O caso Savinho. Sávio Moreira de Oliveira, 19 anos, brasileiro de São Mateus, transporta nos seus 64 quilos de peso e no muito talento que tem para desequilibrar a partir de qualquer das faixas laterais boa parte dos problemas do futebol moderno. O jogador foi identificado a jogar pelo Atlético Mineiro e contratado pelo ES Troyes, tentáculo francês do grupo City. Não chegou a representar o clube que por ele pagou 6,5 milhões de euros, em 2022, pois foi logo cedido ao PSV Eindhoven. Os oito jogos, apenas, que cumpriu durante uma época na equipa neerlandesa podem ter feito esfriar o entusiasmo, mas o rendimento que está a ter no Girona FC, o tentáculo espanhol do mesmo City Group, ao qual foi emprestado esta época, transformaram-no na promessa mais excitante da Liga e centraram nele as atenções da cabeça do polvo. Savinho vai ser jogador do Manchester City já na próxima época e não há mal nenhum nisso. A não ser aqueles que há, de facto, em nome dos quais era importante responder mesmo a uma série de perguntas. Qual foi o papel do clube francês neste cambalacho? O que vai lucrar justifica a sua entrada no esquema? Sim, porque de outra forma nem lucraria nada? Não, porque se não andasse a comprar jogadores para servir o navio-almirante talvez pudesse andar a buscar talento para si mesmo? E quanto é que o City vai pagar por Savinho? Um valor estranhamente baixo para acertar as contas do fair-play financeiro? Um valor estranhamente alto para poder inflacionar essas mesmas contas – consoante as necessidades? A Premier League e a UEFA vão resolver isso estipulando aquilo a que chamam “Valor Justo de Mercado”. Mas quem e como o define? E se o Real Madrid der mais? Ou o Bayern? Ou o PSG? Podem ir buscar o jogador? As questões da multipropriedade são mais graves do que parecem aos que se centram no fantasma dos resultados combinados – que, na verdade, são o menor dos nossos problemas.
PS - Hoje não haverá emissão regular do Futebol de Verdade, às 18h. Haverá, isso sim, duas edições do Futebol de Verdade Flash, exclusivas para subscritores Premium do meu Substack. A primeira logo a seguir ao Santa Clara-FC Porto e a segunda ao final da noite, sobre o UD Leiria-Sporting.