Choque de realidade no Sporting
Rúben Amorim diz que o Sporting de 21/22 "joga melhor, mas perde mais vezes". É verdade. A que se deve a quebra no momento da verdade? E o que deve o treinador fazer? Mudar ou insistir?
Rúben Amorim reagiu à derrota com o SC Braga comparando o que a equipa do Sporting faz hoje com aquilo que fazia há um ano, quando arrancou imparável em direção à conquista do título nacional. E a conclusão que tirou é suportada por qualquer estudo estatístico: “jogamos melhor mas perdemos mais vezes”. No fundo, o treinador campeão estava a reconhecer que há imponderáveis que não domina, os erros técnicos de quem está em campo, que acabam por ser aquilo que define um percurso. Ao treinador cabe definir um trajeto, mas quem traça as vitórias ou derrotas em campo são os jogadores. E os mesmos que em 2020/21 ganharam jogos que talvez não devessem ter vencido perdem hoje partidas que deveriam ganhar. Há quem lhe chame “estrelinha”, mas a sorte e o azar nunca são para aqui chamados. Creio que era Jorge Costa que o dizia: “azar é não correr”.
O Record de hoje comparou uma série de parâmetros do Sporting desta época com os da anterior e concluiu que os leões estão, de facto, melhores em vários aspetos. Rematam mais (15,6 por jogo contra 14,1 há um ano), têm mais posse de bola (58,9% face a 57,5%) e perdem menos posses (132,3 em vez de 142,6), por exemplo. Por ali também se nota, contudo, algum aburguesamento, por exemplo na diminuição das interceções que vão conseguindo (de 13,2 para 10,8) ou de duelos ganhos (de 57 para 53 por cento). Pode até ser consequência da introdução de um jogador mais fino, como é Sarabia, em vez de outro mais aguerrido, que era Nuno Santos (que há um ano jogava na frente), mas ao mesmo tempo o meio-campo está mais físico (Matheus Nunes em vez de João Mário) e devia compensar. O mais esclarecedor, ainda assim, até é encarar o percurso como gosta Amorim: “jogo a jogo”. E olhar para o índice de xG (golos esperados*) de cada jogo, para perceber que desafios acabaram com resultados lisonjeiros e quais terminaram com scores penalizadores. Onde é que os erros técnicos lhe custaram pontos esta época e onde é que a excelência em lances específicos lhe valera pontos em 2020/21.
Basta olhar para os índices revelados pela GoalPoint, que são públicos, para verificar que o exemplo mais claro desta dicotomia são precisamente os jogos com o SC Braga. Na época passada, em condições normais, o Sporting não teria ganho nenhum – e fez seis pontos. Em Alvalade, as duas equipas acabaram com um índice xG de 0,9, pelo que o empate teria sido o resultado mais normal, mas os leões ganharam por 2-0. Em Braga, os arsenalistas até foram melhores, com um xG de 1,5 face aos 0,2 dos campeões, que no entanto venceram por 1-0... e a jogar com dez durante boa parte do desafio. Portanto, só aí, há um ganho de cinco pontos para a equipa de Amorim. Sorte? Azar? Estrelinha? Não! Tal como tentei explicar na sequência da dramática vitória leonina em Barcelos, no campeonato passado, estas coisas acontecem sempre por mérito. Tal como houve mérito do FC Porto na forma como ganhou, com idêntica carga de drama, no Estoril, há um par de semanas, depois de estar a perder a sete minutos do final. A “estrelinha”, sempre definida “a posterior”, nada mais é do que acreditar nas suas próprias capacidades e levar essa crença até ao fim.
Mas, voltando ao Sporting, esta época, depois de ganharem na Pedreira por 2-1, num jogo em que o total de ocasiões de golo recomendaria o empate (o SC Braga teve um xG de 1,1 e o Sporting de 0,9), a equipa lisboeta perdeu (1-2) o único jogo com o SC Braga em que até foi mais produtiva do que o adversário, com um xG de 1,6, face aos 1,4 dos pupilos de Carvalhal. Há mudanças no Sporting, mas a mais evidente são os erros técnicos que, no sábado, levaram, por exemplo, Gonçalo Inácio a entregar várias bolas ao adversário em momento de saída, ou Pedro Gonçalves a perder eficácia no momento da finalização. Recorrendo agora a dados da Infogoal – que os ratings individuais na GoalPoint já não são de uso livre – o melhor marcador da última Liga até caminha esta época a um nível de eficácia normal: fez seis golos, quando teve ocasiões para fazer 6,47. Na época passada, porém, foi sobrenatural, tendo feito 23 golos no campeonato para um índice xG de 11,11. Isto é: triplicou o total de golos que devia ter marcado.
O que isto nos diz é que os treinadores devem definir o percurso, dar aos jogadores aquilo de que eles precisam para ter sucesso, mas no fundo quase tudo depende do que eles fizerem em campo – e aqui também há mérito e demérito do treinador, pela forma como a liderança que exerce os faz sentir naquele momento da verdade. Rúben Amorim fez um extraordinário trabalho em 2020/21, dando à equipa uma identidade e uma estrutura sem a qual ela não se teria sequer aproximado do sucesso. Mas muito do título do Sporting se deveu à forma como os jogadores foram capazes de se superar em cada momento – e atenção que, como defendi atrás, muito dessa superação também vem do trabalho que o treinador faz com eles. Hoje, quando se depara com um Pedro Gonçalves “normal”, por exemplo, Amorim constata que a equipa joga melhor mas perde mais vezes. É verdade. Este Sporting faz melhor o seu futebol matizado do que há um ano, a equipa conhece melhor a estrutura e os comportamentos e está coletivamente mais afinada. Foi melhor nos jogos com o SC Braga, mas também contra o FC Porto, por exemplo: se o empate de Alvalade de há um ano tinha mostrado o dragão melhor (1,3-1,9 em xG), o deste ano já foi penalizador para o leão (1,3-0,4 em xG). Ou contra o Benfica, onde também mereceu a vitória (3-1) que acabou por lhe sorrir na Luz (1,9-1,4 em xG).
A questão aqui é: e agora? O que fazer com esta constatação? Há duas respostas possíveis. Colocado face a um cenário de insucesso, Sérgio Conceição mudou. Introduziu a filigrana de Vitinha a meio-campo e está a começar a encontrar espaço para a criatividade de Fábio Vieira na frente. No Sporting, como estas coisas acontecem por imitação, crescem as pressões para que jogue Bragança, por exemplo. A resposta de Amorim, no entanto, tem sido a crença no processo. E não me parece que vá mudar.
Nota – O índice xG mede, em cada momento, a probabilidade de um lance dar golo, com base na contabilização da percentagem de lances semelhantes que são concluídos com êxito.
Concordo com a analise a 100%! Penso que o G Inacio vai crescer muito com este jogo (não mandar a bola para fora no lance do 2-1 é absurdo)...
Não vejo Ruben Amorim a mudar assim drasticamente....acho q neste jogo o Braga apareceu um pouco mais baixo e depois mudou na 2a parte e deixou de dar espaço ao Mateus e também alguma falta de agressividade na lateral esquerda.
Tabata não acrescentou muito, o Sarabia devia ter saido + cedo, o problema é q o subsituto não estava lá (Nuno Santos) e o Jovane ainda não tem ritmo....por isso é q o Edwards dava jeito...
Adoro este tipo de análises. Assim aconteceu, recentemente, com JJ, agora com RA e quando elas (as derrotas) acontecerem para os lados do Dragão vão cair em cima de SC.
Como costuma dizer, Tadeia, o jogo é um organismo vivo. Objetivamente, o Braga merecia ter ganho o jogo de sábado? Não. O Sporting merecia ter perdido? Não. Uma excelente primeira parte da equipa de RA poderia ter ditado outro resultado. Sim, a estrelinha acompanhou o Braga: Paulinho e Pedro Gonçalves tiveram oportunidade de "matar" o jogo. Mas há imponderáveis que nenhum treinador exercita: a perda de bola. E aí esteve a chave do jogo.
O resto o tempo dirá se RA agora, afinal, não será assim um tão bom treinador.