Glória a Pinga no adeus a Pepe
O FC Porto foi campeão em 1932, glorificando Pinga como maior craque dos campos nacionais no ano em que Portugal se despediu com emoção de Pepe, tragicamente falecido meses antes.
O FC Porto venceu pela terceira vez o Campeonato de Portugal, em 1932, batendo no segundo jogo da final o Belenenses, que ainda tentava recuperar emocionalmente da morte de Pepe, o maior ídolo do futebol nacional, falecido uns meses antes no auge dos seus 23 anos com uma intoxicação alimentar provocada por uma sandes de chouriço. A temporada de 1931/32 foi de glória absoluta para os azuis e brancos do Norte, que se sagraram campeões regionais pelo 14º ano consecutivo – desta vez com pleno de vitórias – e não perderam um único jogo na caminhada até ao sucesso na finalíssima nacional de Coimbra. Aí, com Salazar acabado de ser nomeado primeiro-ministro pelo presidente Carmona e o país a viver intensamente a morte de D. Manuel, o monarca destituído e exilado em Londres, os portistas impuseram-se por 2-1 precisamente ao Belenenses, órfão de Pepe. O mês de Julho já convidava a férias e a alma belenense já se tinha esgotado na final, jogada quinze dias antes, na qual os lisboetas haviam recuperado de 1-4 para 4-4, forçando um segundo jogo.
Leia aqui sobre 1930/31:
Em vez do ídolo belenense, outro começava a afirmar-se no panorama do futebol português. Pinga, o madeirense que o FC Porto não deixou voltar a casa e ao Marítimo depois de ele ter sido chamado para representar a seleção nacional, em Novembro de 1930, num desafio com a Espanha, tinha sido impedido de jogar o Campeonato de 1930/31, precisamente em função do imbróglio jurídico que a sua transferência provocara, mas foi a grande estrela do futebol português em 1931/32. Marcou 17 golos nos oito jogos do campeonato regional, sagrando-se melhor marcador da prova, e depois fez mais sete nas partidas do Campeonato de Portugal, jogando e fazendo jogar, a partir da posição de interior esquerdo. “É o homem que nunca para. Que está na defesa e sempre no ataque. Que dribla, intercepta e passa... nunca cometendo violências. Pinga representa o jogador completo: à mestria da técnica alia a maneira mais elegante de jogar”, lia-se na Stadium, depois dos 3-0 ao Benfica, o campeão em título, que apuraram os portistas para a final, partida na qual o madeirense fez um golo e teve um remate à trave na origem de outro.
Pinga marcou depois em ambos os jogos da final, bisando mesmo no primeiro e deixando o país desportivo a pensar no que teria a seleção de Portugal conseguido se ao seu génio tivesse podido juntar o de Pepe. Mas entre a última internacionalização do astro belenense, um 2-0 à França, no Porto, em Fevereiro de 1930, e a primeira de Pinga, o 0-1 com a Espanha, no mesmo local, em Novembro desse ano, meteu-se o “conflito da bola”, que levou à saída dos jogadores dos clubes de Lisboa – exceção feita aos do Benfica e do Casa Pia – da seleção nacional. E o conflito só se sanou muito por força da comoção nacional que se seguiu à morte de Pepe e à noção de que de nada valia andarem clubes e associações a digladiarem-se uns com os outros. Os lisboetas voltaram, Pinga ficou, mas já não havia Pepe. O último jogo de Pepe foi em tudo semelhante ao primeiro: fez um golo, de penalti. Foi a 18 de Outubro, na primeira jornada do regional de Lisboa – uma jornada que, curiosamente, acabaria por ser anulada. Mas a esses pormenores chegarei mais à frente. Para aqui, o que importa, é que o Belenenses ganhou ao Chelas por 1-0, com um penalti de Pepe que a imprensa destacou por ter sido marcado “ao meio da baliza”. Coisa invulgar para a altura...
Maldita sandes de chouriço
Seis dias depois, apesar dos esforços conjuntos de Mendes Belo e Morais Sarmento, os dois médicos que o atenderam de urgência no Hospital da Marinha, Pepe foi declarado morto na sequência de uma intoxicação alimentar que lhe provocou hemorragias internas. Fizeram-lhe transfusões de sangue, mas não conseguiram salvá-lo, tamanhos eram os danos causados por uma sandes de chouriço que o futebolista levara de casa, como farnel, para o emprego – era serralheiro nas oficinas navais. O caso apaixonou o país, que foi seguindo as investigações do agente Paulitos em busca das razões para o envenenamento. O dono do talho de onde tinha vindo o chouriço, Primo do Amaral Chaves, chegou a ser questionado, mas acabou por ser ilibado, depois da investigação da autoridade sanitária competente. Pela noite de Lisboa falou-se da hipótese de ser um crime passional, porque Pepe estava para se casar com Rosa do Carmo, mas entretanto por ele se tinha perdido de amores uma fadista, de nome Celeste, desde que o vira nesse jogo contra a França – aliás, as duas mulheres estiveram comovidas a velar o corpo de Pepe, uma de cada lado da mãe do futebolista, Maria José Soares.
No final, a conclusão a que chegou o agente Paulitos foi a de que tudo se devera a um engano da mãe, que em vez de colocar sal no caldo em que cozinhara o chouriço, lhe pusera soda cáustica. Tanto ela como os irmãos do futebolista, Ana, Rogério, Jorge e Suzana, padeceram também de problemas gastrointestinais. E se sobreviveram foi porque Maria José guardava sempre a maior porção de carne para o filho José Manuel, que tinha elevado dispêndio físico por acumular o emprego nas oficinas com a atividade de futebolista. Menos sorte teve a gata dos estaleiros navais, a quem os operários chamavam “Faroleira”, em alusão ao avançado-centro do Belenenses dessa altura, Rodolfo Faroleiro: após comer parte da sandes de Pepe, a gata teve morte instantânea e foi também autopsiada no decorrer da investigação. O funeral de Pepe realizou-se a 28 de Outubro, com milhares de pessoas a chorarem o falecimento do jogador e a acorrerem ao percurso entre o palácio do Altinho, à data a sede do Belenenses, e o cemitério da Ajuda, onde o corpo foi sepultado. Chegaram mil telegramas de todo o Mundo e, para homenagear este atacante rápido na condução de jogo, dono de remate fortíssimo e notável a distribuir em corrida compareceram representantes de todos os clubes, incluindo o capitão portista, Valdemar Mota, que com ele jogara na seleção nacional, mas também os capitães do Sporting, Jorge Vieira, e do Benfica, Vítor Silva.
Resolvido o “conflito da bola”
No fim-de-semana após a morte de Pepe, não se jogou futebol. No que se seguiu ao funeral também não. As atividades foram retomadas apenas a 8 de Novembro, com a segunda ronda do regional de Lisboa e a primeira do regional do Porto – o jogo de estreia de Pinga pelos azuis e brancos, depois de sanado o problema jurídico da sua inscrição. A 15 de Novembro, antes da realização de um jogo entre as seleções de Lisboa e do Porto, os representantes do Norte foram deixar uma coroa de flores à campa de Pepe – terá sido a primeira vez de um ato que depois se tornou uma tradição, uma vez que durante décadas, sempre que o FC Porto ia defrontar o Belenenses às Salésias e depois ao Estádio do Restelo, o seu capitão depositava uma coroa de flores no busto de Pepe que ali foi erigido. Ora toda esta concórdia teria de dar nalguma coisa. E deu pelo menos para que fosse sanado o já longo diferendo que ficou para a história como o “conflito da bola”, que levou inclusive a que a generalidade dos clubes de Lisboa recusasse participar no Campeonato de Portugal de 1930/31. Sobre as origens desse conflito já falei na semana passada e para agora basta que se diga que, por se terem desligado do motim da Associação de Futebol de Lisboa, o Benfica e o Casa Pia tinham sido castigados pelo organismo regional e que o Campeonato de Lisboa começara sem eles.
Em Setembro, o congresso da FPF tinha pedido à Associação de Lisboa que revogasse esses castigos. Falava-se em necessidade de reparação financeira por parte dos clubes que tinham negado a solidariedade local. “O Benfica e o Casa Pia encontram-se hoje numa posição que reputo de difícil”, explicava Vergílio da Fonseca, sócio benfiquista que acabou por ser decisivo na resolução do problema. “Não é desejo dos clubes de Lisboa afastarem-nos do seu convívio, mas unicamente fazer-lhes sentir que o seu gesto, abandonando os companheiros, merece reprovação”, concluía. Mas tudo o que saiu desta tentativa de aproximação foi a redução dos castigos em dois meses, levando-os até finais de Janeiro, o que impediria na mesma o Benfica e o Casa Pia de jogarem o campeonato regional. O país começava a perder a paciência com as irredutibilidades dos dirigentes da bola e em início de Outubro o Diário de Notícias chegou a dedicar um editorial ao tema. “Leva-se o praxismo a tal ponto de gravidade, que se chega a ter a impressão de que se trata de assuntos melindrosos da Sociedade das Nações. De um lado, austeridade absurda; de outro lado, orgulho, senão ridículo, pelo menos descabido”, lia-se naquele diário.
Foi nessa altura que começou a falar-se na possibilidade de Benfica e Casa Pia se unirem, por exemplo, ao Vitória FC, que não achara grande piada à absorção dos clubes do Barreiro por parte da associação de Lisboa, e que todos formassem uma Liga independente, para a qual convidariam outros clubes da província. A verdade é que o Campeonato de Lisboa começou a 8 de Outubro, sem Benfica e Casa Pia e com o Barreirense e o Luso no lugar deles. E só após a morte de Pepe, a 7 de Novembro, é que, novamente por iniciativa de Vergílio da Fonseca, se chegou ao armistício. “A direção da FPF, no desejo de concorrer para a paz entre os clubes da AFL, tomou a deliberação de aproveitar a morte prematura e inesperada do pobre Pepe para tentar uma solução”, revelou aquele benfiquista, que até era mal visto no seu próprio clube, por ter várias vezes assumido a defesa das dores dos adversários. No dia 8 ainda se jogou a segunda jornada do regional lisboeta, mas na semana seguinte foi decidido anular os jogos já realizados e recomeçar a competição com os dois clubes readmitidos. Mantiveram-se o Barreirense e o Luso, o que alargou o campeonato para dez participantes. E como só se começou a jogar a 13 de Dezembro e as datas escasseavam, inventou-se um novo modelo: duas séries de cinco equipas, que se defrontariam a duas voltas, com uma série final, para a qual se apurariam os três primeiros de cada série, decidindo então o título a uma só volta, em mais cinco jornadas.
Sporting falta à finalíssima em Lisboa
Tudo somado, isto veio contribuir para um final polémico do campeonato de Lisboa. É que muitos dos fins-de-semana estavam já ocupados, fosse com jogos de seleções regionais, com partidas de seleções militares, com um desafio da seleção nacional – que venceu a Jugoslávia em Maio – e com a receção a equipas estrangeiras que vinham a Portugal em busca de fama e bom tempo, pelo que o campeonato se prolongou para lá do razoável. Sporting, Benfica, União de Lisboa, Carcavelinhos, Belenenses e Barreirense apuraram-se para a tal série final, que no entanto só começou a 17 de Abril, já depois de ter começado também o Campeonato de Portugal. Nesta segunda fase, os mais fortes foram Sporting e Belenenses, que venceram todos os jogos à exceção do disputado entre ambos, que acabou empatado. Teria de se jogar uma finalíssima, mas pelo meio meteram-se os oitavos-de-final do Campeonato de Portugal. E, como aí, com uma equipa privada de vários titulares, os leões foram duplamente batidos pelos azuis – e com scores escandalosos, como veremos mais à frente – aproveitaram o facto de a AFL querer marcar essa finalíssima para uma quinta-feira para se negarem a disputá-la. A 24 de Maio, a AFL marcou a decisão para dia 26.
“O Sporting entende que esta final merece a dignidade que um jogo à quinta-feira, marcado com dois dias de antecedência apenas, não lhe garante”, explicava um dirigente leonino, não nomeado, ao Diário de Lisboa. Alegaram ainda os leões que o esforço físico elevado tinha até provocado perda de peso em vários dos seus jogadores titulares, pelo que não poderia jogar com o seu ‘team’ de honra “sem prejuízo da saúde dos seus elementos”, não querendo ao mesmo tempo “apresentar um grupo incapaz de defender as suas tradições gloriosas”. Os leões queriam adiar o jogo e é impossível não suspeitar que tal se devia ao facto de terem apanhado um score global de 15-0 do Belenenses nos dois últimos domingos. O Belenenses não aceitou o adiamento, pelo que a questão foi votada pelo pleno dos clubes – e de todos só o Luso se absteve, votando os restantes a favor da marcação do jogo. O Sporting não foi e o Belenenses foi campeão de Lisboa sem jogar.
FC Porto a passear
Mais tranquila tinha sido a caminhada do FC Porto. Campeões regionais sem terem sequer de se esforçar muito, com oito vitórias em outros tantos jogos e um score de 51-8, os dragões tinham uma equipa perfeitamente oleada. Ainda tinham Siska em grande nível na baliza, com os internacionais Themudo e Avelino logo à sua frente. Avelino era mesmo a nova estrela da defesa da seleção nacional, tendo partilhado o setor com Carlos Alves – entretanto já a jogar no Académico do Porto – na única partida da época, a tal vitória por 3-2 frente à Jugoslávia, em Maio. A meio-campo, brilhavam Sequeira e, sobretudo, Álvaro Pereira, um fortíssimo marcador que também foi internacional, mas o húngaro Josef Szabo, o treinador, chegou a colocar-se a ele próprio a jogar em duas partidas do regional e outras tantas do Campeonato de Portugal. E na frente, além de Pinga, havia o oportuno Acácio Mesquita, o seu jovem irmão Carlos, o capitão da seleção nacional, Valdemar Mota e os extremos Lopes Carneiro e Castro. Tudo gente que assegurava qualidade e que deixou logo um cartão de visita na eliminatória inaugural do Campeonato de Portugal: 18-0 ao Ginásio do Lis, a equipa apurada por Leiria, com sete golos de Valdemar, nessa tarde imparável.
O Campeonato de Portugal começou a 3 de Abril e trazia novidades. A primeira é que passou a ser levada em conta a diferença de golos. Até aqui, se uma equipa ganhasse um jogo e a outra ganhasse o outro, teria obrigatoriamente de se realizar um jogo de desempate, o que fatigava os jogadores e atrasava os calendários. Em 1931/32 foi estabelecido que nesses casos seguia em frente a equipa que tivesse marcado mais golos. A segunda novidade foi adiada, mas deu para perceber que começava a germinar a ideia de um campeonato em moldes bem diferentes. Foi formada uma Comissão de Estatutos e Regulamentos, com a missão de vir a reformular o Campeonato de Portugal, criando duas divisões e um esquema de subidas e descidas. A ideia era ter o novo formato a funcionar a partir da temporada de 1932/33, mas a verdade é que a coisa ainda demorou mais dois anos e surgiu sob a forma de Liga. Por fim, foi decidido que os seis clubes que tinham faltado ao Campeonato de Portugal de 1930/31, sendo dessa forma eliminados à primeira, se juntariam aos 14 apurados de então e ficariam na mesma isentos dos torneios regionais.
O Campeonato de Portugal de 1931/32 teve, assim, 21 clubes isentos da qualificação: o Belenenses, o Sporting, o Barreirense, o Carcavelinhos, o União de Lisboa e o Luso juntaram-se a Olhanense, Lusitano de Évora, Conimbricense, Lusitano de Vila Real, Marinhense, União Operária, Salgueiros, FC Porto, Benfica, Vitória FC, SC Espinho, Boavista, Casa Pia, Leça FC e Marítimo (os madeirenses só entravam nos quartos-de-final). Das qualificações regionais vieram o Vianense (Viana do Castelo), o SC Vila Real (Vila Real), o Académico do Porto (Porto), a Académica (Coimbra), o Ginásio do Lis (Leiria), o Estrela (Portalegre), o Juventude (Évora) e o Glória ou Morte (Algarve). De todos os provenientes dos torneios regionais, só a Académica conseguiu passar da primeira eliminatória, derrotando o Leça FC por 2-0 em jogo com várias incidências. O árbitro nomeado para esse desafio faltou, porque os árbitros estavam por esta altura em complicadas lutas de classe, para serem recompensados. E quando Manuel Oliveira, o árbitro de ocasião recrutado na assistência, expulsou um jogador leceiro, Elísio Biscaia, e este se recusou a abandonar o campo, o jogo acabou ali. Com os 2-0 favoráveis à Académica a passarem a resultado oficial. De resto, na primeira eliminatória, o destaque foi para os 18-0 do FC Porto ao Ginásio do Lis, para os 12-1 do Salgueiros ao SC Vila Real e para as relativas dificuldades que Belenenses e Benfica tiveram para derrotar o União Operária de Santarém e o Estrela de Portalegre.
Belenenses-Sporting? 15-0!
Os oitavos-de-final colocaram logo frente a frente Belenenses e Sporting, os dois clubes que estavam a discutir o título de campeão de Lisboa. Esperavam-se dois jogos renhidos, porque os leões, agora dirigidos pelo checo Arthur John, treinador que tinha sido campeão ao serviço do Benfica, tinham recuperado de um início de época particularmente difícil. O 0-0 que se verificava à hora de jogo na primeira partida parecia indicar isso mesmo, mas a meia-hora final foi fatal para os verde-e-brancos, que sofreram seis golos e viram desde logo as hipóteses de seguir em frente torpedeadas. Foi a tal ponto que, depois do sexto golo, o guarda-redes internacional Dyson, que John trouxera com ele do Benfica, abandonou o jogo irritado, tendo o extremo-esquerdo Mourinha ocupado a posição dele entre os postes. A segunda mão, uma semana depois, ainda por cima com o Sporting privado dos seus três defesas mais utilizados – Jurado, Trindade e Jorge Vieira, que voltara outra vez a jogar – foi ainda mais desequilibrada: 9-0 com 3-0 ao intervalo. O Belenenses mostrava que estava forte e que o seu ataque podia entender-se mesmo sem Pepe. Faroleiro, o avançado-centro, marcou cinco golos nestes dois jogos; os interiores Heitor e Bernardo, impunham um jogo simultaneamente fino e potente; e os extremos José Luís e Ramos – este regressado de um longo castigo – pareciam capazes de abrir qualquer defesa. Mais ainda quando atrás desta linha atacante apareciam dois médios com a categoria de Augusto Silva e o poder físico de César.
Os outros jogos dos oitavos-de-final decorreram sem sobressaltos. O FC Porto obteve dupla vitória sobre o Salgueiros – 2-0 e 4-1 depois de ter ganho aos vermelhos do Norte por 2-1 e 4-1 no Regional. O Benfica também ganhou as duas partidas contra o SC Espinho, mostrando a qualidade de combinação entre os irmãos Silva, Vítor a avançado-centro e Pedro a extremo ou interior direito. O Barreirense, já sem o comando de Augusto Sabbo, afastou a Académica, com destaque para outro par de irmãos, João e Pedro Pireza. O Luso eliminou o Boavista, mesmo depois de ter empatado em casa (2-2), num jogo que até podia ter-lhe corrido pior, não tivesse o árbitro anulado dois golos aos portuenses. Na volta, no Bessa, os barreirenses impuseram-se por 5-2. O Olhanense também venceu por duas vezes o Casa Pia, assinalando-se como única surpresa o afastamento de um Vitória FC cujos internacionais se apresentavam já envelhecidos por um União de Lisboa que foi a primeira equipa a fazer uso da nova regra da diferença de golos: perdeu por 2-0 em Setúbal, mas ganhou por 3-0 no seu campo de Santo Amaro.
Sem Pinga, que nesse dia não jogou contra os antigos colegas, o FC Porto cedeu o primeiro empate do Campeonato no jogo com o Marítimo, cujos jogadores tinham chegado a Lisboa na véspera, a bordo do vapor Colonial. Foi um jogo duro, que acabou empatado a zero, com grande entusiasmo do público da capital, que adotava sempre os madeirenses, sobretudo se lhes cabia defrontar oposição portuense. Acácio Mesquita foi mesmo expulso de campo pelo árbitro, o lisboeta Carlos Canuto, antigo campeão pelo Carcavelinhos, depois de ter atirado com a bola a um espectador. Um bis de Faroleiro, a somar a golos de Ramos e Bernardo, deu ao Belenenses um 4-0 sobre o União de Lisboa e alguma tranquilidade para a segunda partida, na única eliminatória que ficou praticamente decidida ao primeiro jogo. É que o Barreirense perdeu por 3-2 em Olhão e teve de dar a volta na segunda mão, ganhando por 2-0, e houve confusão da grossa no jogo entre o Benfica e o Luso. Os encarnados chegaram a estar a ganhar por 2-0, mas permitiram a recuperação dos barreirenses para o 2-2 final. Após o jogo, três jogadores do Benfica foram suspensos pela direção do rigoroso Manuel da Conceição Afonso na sequência de atitudes julgadas indignas. Os defesas Ralph Bailão e Luís Costa pediram desculpa, mas mesmo assim não jogaram mais nesta época. O médio Aníbal José, que com Vítor Silva formara o par de águias no onze da seleção que vencera a Jugoslávia no início do mês, nunca o fez e de imediato pediu ao clube que o libertasse dos seus compromissos. Esse jogo com o Luso foi o último da carreira de Aníbal José pelo Benfica – aos 29 anos, após um ano parado, voltou ao Vitória FC.
Dupla vitória contra o Benfica
Mesmo sem Bailão, Costa e José, o Benfica ganhou o segundo jogo ao Luso, com um golo do extremo Dinis. Difícil foi também a vitória do FC Porto sobre o Marítimo, na Constituição, um 3-2 que deixava algumas dúvidas numa equipa que nesta época, no entanto, já vencera tanto o Benfica (3-2 nas Amoreiras e 3-0 no Porto) e o Belenenses (no Natal) em jogos amigáveis. A prova chegaria na meia-final, em que portistas e benfiquistas se defrontaram. Nas Amoreiras, vitória do FC Porto por 2-1, em jogo no qual os azuis e brancos foram melhores mas depois do qual os encarnados se fartaram de protestar com o árbitro, Ângelo Santos, de Santarém. Acácio e Valdemar marcaram pelos nortenhos, Pedro Silva reduziu para os lisboetas. Devido à polémica em torno da arbitragem, foi o cabo dos trabalhos para se encontrar um juiz para a segunda partida. Os clubes recusaram as três soluções propostas pela FPF. Chegou-se a um consenso em torno do nome do conimbricense Armando Sampaio, mas aí foi ele que não se mostrou disponível. O jogo acabou por ser apitado por Joaquim Farinha, de Santarém, e só teve polémica com a eliminatória já decidida, quando o juiz validou o terceiro golo portista e os benfiquistas se recusaram a aceitá-lo como válido. Vítor Silva, capitão das águias, pôs fim à guerra quando pegou na bola e a colocou no centro do campo, para a partida recomeçar. Faltava meia-hora de jogo e o FC Porto já ganhava por 3-0, com golos de Valdemar, Pinga e Acácio. Nada impediria a equipa de Szabo de voltar à final.
Quem se apurou também foi o Belenenses. Os azuis começaram por empatar a três bolas com o Barreirense, mas venceram a segunda partida por 1-0, com um golo madrugador de José Luís. Sem Rodolfo Faroleiro neste segundo jogo, o treinador, Artur José Pereira, inovou e pôs o médio Augusto Silva, líder e capitão da equipa, como avançado-centro, o que foi visto como um problema para a equipa azul “Silva é mais clássico, mais certo a passar, mas menos rápido e sem o treino de entendimento com os interiores”, dizia o Diário de Lisboa no relato do jogo. Seja por isso ou não, a verdade é que na final, jogada a 3 de Julho em Coimbra, Silva voltou ao meio-campo e quem foi chamado para o lugar de avançado-centro foi José Ramos, homem das reservas. Quem voltou à equipa do Belenenses nessa tarde que provocou entusiasmo sem precedentes – dez mil espectadores e muita gente à porta sem bilhete – foi o defesa Belo, que no entanto parecia ainda não ter recuperado totalmente da lesão que o afastara das meias-finais. O FC Porto aparecia com a sua equipa de honra preparada e menos cansada, pelo que cedo começou a dar alegrias aos seus muitos apaniguados. Pinga abriu o marcador aos 18’, após uma confusão na área, e fez o 2-0 aos 25’, em jogada individual. “Este grande jogador mete-se no terreno adversário, passa por entre as defesas, o ‘keeper’ de Belém sai a tentar e Pinga, com classe, marca o segundo ‘goal’, serenamente, como se fosse em família”, descreveu o ex-selecionador Tavares da Silva, na crónica do Diário de Lisboa.
A perder por 2-0, Artur José Pereira, treinador do Belenenses, mexeu. Não podia trocar de jogadores, mas trocou os jogadores no campo – mandou Augusto Silva para avançado-centro, baixou José Ramos para médio direito e derivou Joaquim Almeida da direita para o centro do meio-campo. A verdade é que o FC Porto chegou aos 3-0, por Castro, a passe de Acácio. Os de Belém pareciam de cabeça perdida e César, que nestas coisas fervia em pouca água, ainda beneficiou da complacência do árbitro, o espanhol Ramón Melcón, que a FPF mandara vir de Espanha, quando se envolveu num conflito com alguns entusiastas portistas. Augusto Silva, mais familiarizado com os jogos dos seus interiores, reduziu para 3-1 e deu alguma esperança aos seus, mas depressa o FC Porto fez o 4-1, por Valdemar. Parecia que a taça ia voltar a ser do FC Porto, mas ainda faltava o famoso “quarto-de-hora à Belenenses”. Alguns adeptos ainda tiveram esperança para fazer soar as tradicionais cornetas e os lisboetas chegaram ao empate: Augusto Silva marcou aos 71’, Heitor imitou-o aos 78’ e o capitão completou o seu hat-trick com o 4-4 aos 87’. Havia que se jogar o prolongamento num jogo que, quem o viu, assinalou como tendo sido o melhor até à data na história do futebol nacional.
Finalmente, um campeão
Sensibilizado com o esforço dos jogadores, Melcón, que já tinha dado 20 minutos de intervalo, deu outra vez muito tempo antes de apitar para se começar a meia-hora suplementar, mas a verdade é que estavam as duas equipas de rastos e o empate não de desfez. Havia que jogar uma finalíssima. Os regulamentos ditavam que devia ser uma semana depois, mas para 10 de Julho estava marcado um Astúrias-Lisboa, em Gijón, pelo que o jogo acabou por ser marcado para 17. Outra vez em Coimbra, apesar da insistência do FC Porto para que o jogo se fizesse em Viseu ou até para que se sorteasse, entre Lisboa e Porto, onde deveria decidir-se o novo campeão. As duas equipas foram para o que chamavam “estágio de repouso”, o FC Porto na Quinta da Vinha, nos arredores da Invicta, o Belenenses no Luso. E apresentaram-se como novas, apesar de o mês de Julho já ir a meio. O FC Porto fez baixar Francisco Castro para o meio-campo, chamando ao onze Carlos Mesquita, que jogou como extremo-esquerdo. No Belenenses, recuperou Rodolfo Faroleiro, o que levou à saída do onze de José Ramos, o tal avançado-centro de recurso que jogara a primeira partida. O dia do jogo foi outra vez de muito entusiasmo e a imprensa fala mesmo de conflitos pelas ruas de Coimbra antes da bola começar a rolar, com intervenção da polícia e “algumas cabeças partidas”. Durante o jogo, houve excessos do público, que as autoridades resolviam detendo os mais enlouquecidos, largando-os à porta do campo, mas do lado de fora.
O jogo voltou a ser favorável ao FC Porto, desta vez não só no futebol mas também nos golos. Pinga, de penalti, a punir mão de César, fez o 1-0, aos 11’. Bernardo empatou para os lisboetas ainda antes do intervalo e, crendo na possibilidade de uma segunda parte avassaladora, como quinze dias antes, Artur José Perteira mandou subir a equipa na segunda parte – médios mais próximos dos avançados, defesas mais perto dos médios e muito espaço nas costas. E foi do aproveitamento desse adiantamento que saiu a vitória portista, numa jogada que começou em Pinga, passou por Carlos Mesquita na esquerda e foi finalizada por Acácio no meio. Com o jogo em 2-1, Szabo mandou o seu médio centro, Álvaro Pereira, marcar Augusto Silva, que era o mais influente jogador belenense. E o resultado já não mudou. O FC Porto ganhava o seu terceiro título de campeão de Portugal, tornando-se o único clube tricampeão. Depois de 1922 e 1925, era campeão de Portugal de 1932.
Fantastico António
Só espero que quando acabar os 100 campeonatos, decida publicar em livro.
Portugal inteiro precisa de conhecer estas belas histórias do nosso campeonato e assim recompensar o belo trabalho que tem vindo a fazer...
Abraços