Antagonismo e remissão
O problema da lógica de antagonismo que o FC Porto adotou dentro e fora do campo é que dificulta o processo de olhar para dentro que exige qualquer processo de remissão.
Houve sintomas tão perturbadores nos dois últimos pós-jogos do FC Porto como os que se viram durante a partida de ontem contra o FC Bruges – e esta tentarei explicá-la depois, na crónica de jogo, que hei-de escrever seguindo a ordem habitual da minha lista de tarefas. Sérgio Conceição não foi ontem tão incisivo na crítica como tinha sido depois da derrota com o Rio Ave – pareceu até mais desanimado e resignado... –, mas ainda voltou a mencionar as poucas faltas que a equipa fez como um sintoma da falta de agressividade necessária à ideia de um FC Porto que funciona melhor através do antagonismo. Tanto em campo como fora dele, o FC Porto não se limita a jogar – joga sempre contra. E esse é o problema, porque toda a lógica baseada no antagonismo dificulta o olhar para dentro que exige qualquer processo de remissão.
Se não estivesse tão centrado no antagonismo, o FC Porto tentaria perceber e explicar por que razão é que Taremi é, neste momento, um dos poucos jogadores capazes de o transportar para outra dimensão futebolística em vez de se deixar enredar em conversas acerca de penaltis, mergulhos e perseguições que, tanto de um lado como do outro, valem zero. Taremi não jogou ontem – e que falta fez... –, pois estava suspenso, depois de ter sido expulso em Madrid, no jogo da primeira jornada, por promover um contacto com a perna de Witsel, na área, de forma a tentar ganhar um penalti. Não estava à espera que, debaixo dos olhares sempre escrutinadores da UEFA, pudesse vir alguém prestar-se ao papel a que Vítor Baía se prestou no sábado, no final do FC Porto-GD Chaves, quando o antigo guarda-redes e atual vice-presidente surgiu na sala de imprensa em vez de Sérgio Conceição para se queixar do facto de Taremi estar a ser “tratado de uma forma pouco isenta e honesta”. Fê-lo depois de um jogo em que o iraniano tinha sido o melhor em campo (e que analisei aqui), em que não houve penaltis nem acusações de simulações e que podia ter sido o pretexto ideal para que alguém explicasse, isso sim, o contributo dele de uma forma positiva: o que ele faz o FC Porto jogar, pela forma como liga setores, como baixa em apoio, como coloca a inteligência ao serviço do coletivo. Mas, lá está: mais importante do que isso foi contrariar as narrativas com contra-narrativas. Se de um lado há quem acuse Taremi de ser simulador, há que gritar mais alto e dizer que não, que o que ele é mesmo é perseguido pelos que institucionalizaram a ideia de que ele é simulador.
Tivesse alguém explicado o que verdadeiramente importa nessa altura – e Sérgio Conceição nem compareceu na sala de imprensa, provavelmente para dar mais impacto à comunicação de Baía – e haveria um histórico recente capaz de ajudar toda a gente a entender o que se passou com a equipa ontem e pode acontecer sempre que esta se vir órfã de um dos poucos jogadores que no imediato são capazes de a transportar para outro patamar de qualidade. Tal como faz fora de campo, onde há 40 anos adotou – e dizem os resultados que com muito sucesso – a tal lógica de pensamento e de ação baseada no antagonismo face ao “centralismo das instituições e da comunicação social”, depois de perder talento, com as saídas de Díaz, Vitinha ou Fábio Vieira, o FC Porto voltou nas quatro linhas a pensar o jogo mais numa lógica de oposição do que de criação. É nesse enquadramento que entram as referências às faltas que a equipa faz ou deixa de fazer. Se agora se refere às poucas faltas feitas como sintoma de falta de agressividade e vê nisso uma explicação para exibições fracas, há sensivelmente um ano Conceição estava a queixar-se das muitas faltas assinaladas a uma equipa que tinha “70 por cento de posse de bola”. Fê-lo, por exemplo, depois da vitória em Tondela, jogo resolvido – nem de propósito – com um hat-trick de Taremi e com Díaz, Vitinha, Fábio Vieira, Corona, Sérgio Oliveira e até Francisco Conceição em campo.
Se há coisas que o futebol nos diz com regularidade é que as coisas não estão todas bem nem todas mal. Ainda muito recentemente esta lógica de pensamento e este futebol permitiram ao FC Porto ganhar por 3-0 ao Sporting e lançar a dúvida num adversário que agora voa, com duas vitórias em dois jogos da Champions. O desastre de ontem não deixa o FC Porto eliminado. Aliás, ainda ontem, para afastar euforias em torno do momento leonino, Rúben Amorim lembrou que na época passada o Sporting se apurou para os oitavos-de-final depois de ter perdido as primeiras duas jornadas, nelas se incluindo uma derrota pesada em casa (os 5-1 com o Ajax). Mas, para ainda tirar alguma coisa desta Liga dos Campeões, o FC Porto tem de olhar mais para dentro e menos para a conspiração mundial – pois se já envolve o polaco Szymon Marciniak, árbitro do jogo de Madrid – que o afasta do sucesso. E olhar para dentro, dizem até os mais básicos manuais de auto-ajuda, começa por implicar tomada de consciência do erro e remissão. Foi muito por isso que me fez impressão, no final do jogo de ontem, ver Namaso e Gonçalo Borges surgirem na flash-interview da Eleven Sports. Namaso, 22 anos, e Gonçalo Borges, 21, têm, os dois somados, já incluindo o dia de ontem, 14 jogos e 363 minutos na equipa principal do FC Porto. Apesar da maturidade revelada, por exemplo, pelo extremo, quando respondeu que “o que se diz na roda fica na roda”, há que ter a noção de que se é de processo de remissão que falamos, dificilmente ele começará por estes dois jogadores. E que o pior é se à fuga de talentos o FC Porto tiver de somar a fuga às responsabilidades de quem pode liderar a equipa na recuperação.
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