Amorim de todos os ângulos
Todas as maneiras de olhar para o impasse em que está a situação de Rúben Amorim, entre o Sporting e o Manchester United, são válidas. O desfecho sairá da conciliação de interesses inconciliáveis.
Palavras: 1520. Tempo de leitura: 7 minutos (áudio no meu Telegram).
Não há uma maneira só de avaliar a quase certa saída de Rúben Amorim do Sporting para o Manchester United. Nem de antever o que pode acontecer nos dois clubes quando ela acabar por se concretizar – porque parece mais ou menos evidente que acabará por se concretizar. O Sporting queria renovar com Amorim, o Manchester United quer o treinador para ontem, este quer ir, porque o desafio é irrecusável e o dinheiro é muito, mas por um lado quer ficar de boas relações com clube, adeptos e jogadores ao lado dos quais foi tão feliz por quatro anos e meio e, por outro, tenta gerir da melhor maneira o calendário de entrada no gigante inglês. Os interesses em causa são de tal forma inconciliáveis que alguém vai ter de ceder. E não só não é líquido que uma posição de dureza total seja a que melhor defende o interesse de cada uma das partes, como é absolutamente impossível antecipar com um grau mínimo de certeza o que vai acontecer quando a mudança se operar.
Foi evidente o desconforto de Rúben Amorim na corajosa conferência de imprensa de ontem, na qual deu resposta (sempre vaga, mas resposta) à bateria de perguntas que lhe foi colocada, sem faltar ao respeito a ninguém. E o desconforto era natural porque a situação em si, não sendo ilegal, ferida de ética ou sinal seja do que for a não ser daquilo que é hoje a indústria do futebol, é desconfortável. Amorim fez asneira em Abril, quando foi a Londres falar com o West Ham. E fez asneira por várias razões: porque viajou na semana que antecedia uma deslocação ao Dragão, porque o campeonato ainda não estava fechado e porque não só o dinheiro não era tanto como é agora como o West Ham não justificava – do meu ponto de vista, claro – a falta de respeito pelo Sporting e pelos jogadores, que o levou a pedir desculpa quando lhe caiu a ficha. Não se troca a luta pelo título português e um lugar na Champions por uma equipa do meio da tabela da Premier League. E escrevi-o com a mesma naturalidade com que escrevo agora que não se recusa a possibilidade de comandar o Manchester United, um dos clubes mais ricos e populares do Mundo, por mais penosa que seja a sua situação na atual cadeia alimentar do futebol inglês. O Manchester United não garante títulos – não é campeão desde 2013, o que por outro lado é excelente para quem entra –, mas é o mais próximo que pode haver quando se fala em topo de carreira para um treinador.
O problema para Amorim nesta questão não é o de eventualmente acionar a cláusula que tem no contrato, que prevê o pagamento de 10 milhões de euros para ele sair. Como o próprio já disse ontem, foi assim que chegou ao Sporting. Se o Sporting não queria que isto sucedesse na sua saída só tinha de fazer uma coisa, que era não lhe incluir cláusula de rescisão – ou liberatória, como se diz nalguns idiomas, até com mais propriedade. Essa é uma questão da indústria do futebol e o Manchester United não estará a fazer mais ao Sporting do que o Sporting fez ao SC Braga. O problema, visto no ângulo de Amorim, é fazê-lo depois de quatro anos e meio de liderança inclusiva e não depois do par de meses que levava à frente do SC Braga. O problema é estar a fazê-lo depois de ter arregimentado para o seu lado da luta todo um plantel que ele convenceu a unir-se em torno de um objetivo: uma boa Champions e o bicampeonato, que esteve na base do micdrop do Marquês, em Maio. Aqui, Rúben Amorim estará a ser vítima daquilo que o torna especial, que é a liderança de balneário, a irmandade que é capaz de estabelecer num grupo. Ele ainda foi ao ponto de dizer que nenhum jogador teve um clube disposto a pagar a cláusula de rescisão, mas isso não anula a questão de base. É que mesmo havendo alguém disposto a pagar essa cláusula, ele só sai se quiser. E se quiser estará a renegar tudo aquilo que disse aos jogadores para os puxar para o lado dele na frente de batalha. “É a vida”, como ele disse? É. Mas reduzirá a capacidade que ele terá no futuro para repetir este tipo de liderança.
Outra questão tem que ver com o calendário de entrada e aquilo que são os desejos do clube inglês. O Manchester United levou uma eternidade a demitir Erik Ten Hag, mas agora tenta pôr o processo em carris de alta velocidade e já quer ter Amorim no banco contra o Chelsea, no domingo. Os ingleses, comandados por Dan Ashworth e Omar Berrada, os dois líderes da restruturação a fazer pela Ineos de Jim Radcliffe, querem começar já a trabalhar num plano que é entusiasmante para qualquer treinador: a reconstrução da equipa a tempo de garantir um título de campeão até 2028, quando o clube celebrar o 150º aniversário. Para Amorim, essa também é uma boa notícia: como o United não ganha a Premier League desde 2013, a última época de Alex Ferguson, nada do que ele fizer será pior do que a expectativa ou do que foi o passado recente. A questão é: quando? E até admito que o treinador prefira começar na próxima quinta-feira, contra o PAOK, a estrear-se já no domingo, frente ao Chelsea. No Sporting, por exemplo, começou contra o Aves – o verdadeiro, o que entretanto se extinguiu. Tal como preferirá sair de Alvalade a ganhar, o que é mais provável que venha a acontecer na receção ao Estrela da Amadora do que na partida contra o Manchester City, de terça-feira próxima. Além de que há aqui um grande potencial de perigo à espreita. É que o último jogo de Amorim em Alvalade contra o City acabou num estrondoso 0-5. O que seria o treinador chegar a Old Trafford na sequência de um score minimamente aparentado com esse contra o maior rival do United? Um desastre de relações públicas, seguramente.
Ainda assim, parece-me que na questão do timing o que influi é, em grande parte, a vontade do Sporting e o direito legal que assiste ao clube português de protelar a transferência e jogar com o poder que o contrato lhe confere. Não estou na cabeça de Amorim nem de Frederico Varandas, não tenho uma cópia do contrato, mas o normal é que estas cláusulas de rescisão prevejam um período de pré-aviso. Imaginem o que era o treinador acionar a cláusula a meia hora de um jogo importante... Se esse pré-aviso for de 30 dias, isso dá ao Sporting um poder. Não o de manter o treinador, mas o de, das duas uma, pedir para ser financeiramente ressarcido pelo incómodo ou fazer esfriar o entusiasmo da mudança imediata e levar as outras partes a repensar no tempo em que ela se fará. Creio que a ideia é a primeira, mas a segunda teria os seus méritos. É que o United pode ter muito dinheiro – e tem –, mas as Regras de Lucro e Sustentabilidade da Premier League (a versão local do fair-play financeiro) não lhe permitirão usá-lo para reforçar a equipa já esta época, pois as entradas de Yoro, De Ligt, Zirkzee, Ugarte e Mazraoui já o deixaram no limite. E, convenhamos, apesar de todos esses reforços, a equipa que lá está, montada por Erik Ten Hag, é demasiado fraca para lutar seja pelo que for, tanto no plano inglês como europeu.
Poderá então o United ser convencido a ficar com Ruud van Nistelrooij até final da época, na qualidade de interino, protelando a entrada de Amorim para o Verão, uma altura em que ele poderia já construir um plantel à sua imagem? Poderá Amorim ser persuadido a atrasar a sua mudança para essa altura, mantendo o foco na possibilidade de ser o primeiro bicampeão pelo Sporting em mais de meio século? É difícil, mas talvez até pudesse acontecer. Só que aqui entra o ângulo do clube português. Quereria Varandas fazer mais de metade desta época com um diretor desportivo que já está comprometido com o Manchester City e com um treinador apalavrado com o Manchester United? Sem pôr em causa o profissionalismo das pessoas – mas apenas aquela dose extra de entrega que o futebol de alto rendimento pressupõe – seria isso defender da melhor maneira os interesses do Sporting? Não tenho resposta definitiva para isso, mas a minha primeira inclinação é a de dizer que não. E com isso não estou a negar o imenso legado que Rúben Amorim deixará no Sporting, tanto em títulos como em valorização de equipa e jogadores, a duvidar da capacidade de Varandas para pegar no estandarte ou de João Pereira para suceder ao atual técnico. Esses, contudo, serão temas para uma edição futura do Último Passe.
Para mim uso umas palavras do próprio Ruben Amorim sobre a saída Coates, para dizer que ele, com o seu trabalho e tudo o que deu ao SCP desde 2020, adquiriu o direito de escolher o timing de saída, desde que sejam cumpridas as regras que estão no contrato. Por outro lado, como recorda o António Tadeia, o MU está a fazer como o SCP fez ao Braga. Agora imaginemos uma coisa: E SE CORRE BEM também em Manchester? O Ricardo Martins diz que o MU está mal, mas o Sporting também estava mal e ele ajudou a levantar. O MU, tal como o SCP, é grande (sei que noutra ordem de grandeza) e está mal. Mais do que o dinheiro, o prestígio de pegar em dois gigantes adormecidos e os levantar é uma marca que fica agarrada para sempre. Sou sorpinguista e sócio do Sporting mas não consigo olhar com maus olhos para o Ruben Amorim.
Tenho 45 anos e sonhei, com os títulos de 2000 e 2002 que agora é que o Sporting ia dominar. Por isso o que me preocupa não é a saída do treinador, são as decisões da direção no futuro. Quero continuar a alegrar-me
As nossas gerações olham para o Manchester United de uma forma que já não corresponde à realidade. O Manchester United já não é aquele gigante de Schmeichel, Beckham, Giggs, Scholes, York, Andy Cole, Cristiano Ronaldo, Ruud van Nistelrooy (jogador) ou Tevez. O Manchester United pela desorganização, mentalidade, más infraestruturas, qualidade do plantel e resultados (está de momento em 14.º, pouco acima da zona de descida de de divisão), está mais próximo de um Nothingham Forest do que de um Arsenal. A única vantagem desta transferência é a mesma do jogador que sai para o Wolverhamton, Tottenham ou Southampton - o salário gigante. Não o condeno, mas é só.
Só me interessa o Sporting e por isso se Amorim sair, caberá a Varandas mostrar que afinal teve mérito e não apenas sorte e que consegue ainda escolher um treinador à altura e manter a qualidade das contratações e João Pereira é o contrário de tudo isso, é achar que basta pôr um ex-jogador a imitar o sistema de Amorim, que resulta.