A fadiga no Sporting
O mais utilizado dos jogadores do Sporting seria apenas oitavo numa tabela similar no Benfica. Faz sentido falar em fadiga nestas condições? Sim, sobretudo mental. De não se ganhar.
O final do jogo com o Tottenham, em Londres, terá sido a primeira vez em quase três anos em que se vislumbrou uma pontinha de contradição no discurso de Rúben Amorim acerca da sua gestão da equipa do Sporting. O treinador, que sempre assumiu o plantel curto como base de um projeto que de outra forma não teria possibilidade de projetar novos talentos, foi apanhado na curva pela necessidade de lançar miúdos inexperientes no final de uma partida tão fundamental como aquela e justificou o facto com a sobrecarga competitiva a que os seus titulares têm sido forçados pela onda de lesões que afetou o grupo. A questão é que, lesões, opções e seleções à parte, o mais utilizado dos jogadores do Sporting esta época seria apenas oitavo numa tabela similar no plantel do Benfica e quarto no grupo do FC Porto. Serão os bons e maus resultados assim tão importantes na resposta à acumulação de fadiga? Parece que sim.
É bom que se diga que Amorim não se queixou por acabar o jogo contra o Tottenham com os inexperientes Nazinho, Mateus Fernandes, Fatawu e Arthur – se é munição para essa guerra que buscam, podem ficar desde já a saber que aqui não a encontram. O treinador limitou-se a explicar opções que de outra forma poderiam parecer indefensáveis, por mais que sejam a base do projeto leonino. Aliás, a coisa funciona assim em toda a parte. Geralmente, os novos talentos só aparecem quando os titulares não podem jogar – o que o Sporting faz diferente dos rivais é que diminui a camada adiposa entre as primeiras escolhas e os miúdos em busca de afirmação. Normal é que, depois, havendo casos que justificam a aposta e que um par de anos mais tarde estão a chamar a atenção de grandes clubes internacionais e a ser alvos de propostas de transferência, haja outros que fracassam e voltam ao baú dos que passaram ao lado de uma grande carreira. A coisa no Sporting dá para os dois lados – se este aumento da exposição pode levar a que apareçam mais talentos, certamente também fará crescer o total de fracassados a quem é dada uma oportunidade. A quem os adeptos exigem que seja dada uma oportunidade, como se para achar um titular em potência bastasse dar um chuto numa pedra, que ele salta lá de baixo. Esqueçam lá isso da formação maravilha que vos é vendida pelas narrativas dos três lados da história: de todas as academias saem craques, pernetas e até miúdos que, não sendo capazes de responder à primeira oportunidade, se revelam mais tarde, sem tanta pressão.
A questão, aqui, no entanto, é outra e prende-se com a sobrecarga dos titulares. Em termos de rotação, a gestão feita por Amorim tem sido semelhante à de Sérgio Conceição – e menos exigente com o núcleo duro que a de Roger Schmidt, por exemplo. Quer dizer: depende do que entendermos por “núcleo duro”. É evidente que, tendo o Benfica sido forçado a passar pelas pré-eliminatórias da Liga dos Campeões e tendo já feito esta época mais quatro jogos (e um prolongamento) do que os leões e mais três que o FC Porto – que disputou a Supertaça – os titulares habituais de Schmidt têm mais minutos nas pernas. Se o jogador mais fustigado no plantel do Sporting, esta temporada, é Matheus Reis, com 1339 minutos de competição, há no Benfica sete homens com mais tempo em campo: Vlachodimos (1710 minutos de jogo), Grimaldo (1687), Enzo (1667), Otamendi (1620), João Mário (1596), Florentino (1512) e Rafa (1472). Com a agravante de quatro destes sete terem também sido chamados a jogar pelas suas seleções. No FC Porto, Pepê (1379), Uribe (1360) e Diogo Costa (1350) superam também o total de minutos de competição de Matheus Reis – e o português e o colombiano também jogaram pelas seleções.
Acrescento que, se em termos de rotação global a gestão dos três planteis não tem sido assim tão diferente, já no estabelecimento de um núcleo duro tem sido Schmidt o mais abusador – quando o facto de o Benfica ter jogado mais vezes devia fazer a coisa funcionar ao contrário. Tanto no Benfica, como no FC Porto ou no Sporting, o total de jogadores com 50 por cento dos minutos em competição é igual – são sempre onze. Depois, é curioso verificar que no Sporting há nove jogadores com 70 por cento dos minutos – Matheus Reis, Gonçalo Inácio, Pedro Gonçalves, Adán, Trincão, Ugarte, Morita, Nuno Santos e Edwards – e que no lote faltam, por exemplo, titulares como Coates, Porro ou Paulinho ou a aposta St. Juste, todos devido às tais lesões. No Benfica, esse núcleo com 70 por cento dos minutos é de apenas sete – Vlachodimos, Grimaldo, Enzo, Otamendi, João Mário, Florentino e Rafa – e no FC Porto de quatro – Pepê, Uribe, Diogo Costa e Taremi. Mas se apertarmos a malha e formos em busca dos super-atletas que jogaram pelo menos 90 por cento dos minutos, quem mais abusa até é o treinador alemão. Vlachodimos (93%), Grimaldo (92%) e Enzo (91%) estão quase sempre lá nos desafios do Benfica, a um nível que no FC Porto só é atingido por Pepê (90%) e no Sporting por Matheus Reis (92%).
Ora é aqui que a malta se volta para essa figura do futebol que é o preparador físico: se assim é, deve ser porque o do Benfica é melhor. Pode até ser – ainda que me pareça improvável que, a este nível de excelência e de tratamento de dados, com tanta literatura, isso ainda seja um fator de diferenciação. Acredito muito mais na casualidade das lesões ou sobretudo numa falta de capacidade nas escolhas de atletas a elas mais propensos. E sobretudo no efeito que as vitórias têm num balneário. A verdade é que quando se está a ganhar parece que o campo é a descer e quando os resultados são menos conseguidos cada novo desafio se transforma num suplício. Essa é a bola de neve que Amorim tem de carregar em duas semanas e quatro jogos absolutamente decisivos até à interrupção para se jogar o Mundial se quer evitar que a segunda metade da época se transforme num simples exercício de preparação de 2023/24.