A normalização do ódio
Podemos olhar para o sururu no final do FC Porto-Sporting de duas formas: distribuir castigos e seguir em frente ou tentar chegar à génese do problema, que é a banalização do ódio ao diferente.
Já passaram dois dias e meio sobre o FC Porto-Sporting e quase toda a gente que tem nem que seja um remoto interesse em futebol gastou-os a debater quem é que teve a culpa da vergonha que foi aquele pós-jogo e quem é que deve ser castigado. Eu já analisei o jogo aqui, mas não fujo à questão. São os 40 anos de Pinto da Costa e as suas frequentes estratégias de intimidação, como dizem os dirigentes e adeptos do Sporting? É a sonsice dos sportinguistas e a sua posterior vitimização, como alegam os que olham para a coisa do lado portista? É a inação da Liga e do Governo perante tanta vergonha, como sustentam os que resolveriam tudo com repressão, à boa maneira do tempo da outra senhora? É tudo isso. Mas nunca resolverão o problema a não ser que queiram ir-lhe à génese. E a génese é a normalização do ódio para condicionar, a diabolização do diferente para dela tirar dividendos desportivos. Disso, todos são culpados. Até você, se é um dos que deixou que o transformassem em carne para canhão e tem andado pelas emissões de TV à procura de comentários “autorizados” que sustentem uma versão favorável às suas cores ou foi ao limite de partilhar nas redes sociais vídeos, memes, ou comunicados oficiosos que mostram que os maus são os outros. Sempre os outros.
Esta visão maniqueísta do Mundo, em que os nossos são sempre virtuosos e os outros capazes das maiores malfeitorias, é incrementada pelo efeito-bolha das redes sociais, mas ao mesmo tempo é avidamente procurada pelos clubes para arregimentar e fidelizar tropas. Como é que ela se alimenta? É simples. Com newsletters que espalham teorias de pureza clubística mais próximas dos panfletos antissemitas da Alemanha nazi do que da realidade que devia ser um evento desportivo no Século XXI, com o controlo da mensagem transmitida através dos meios dos clubes ou dos comentadores que estão nas TVs para defender interesses dos seus clubes e até com a cumplicidade de alguns idiotas úteis que, vestidos de especialistas em arbitragem, dizem hoje uma coisa e amanhã o seu contrário, julgando que essa é a melhor maneira de alargar o prazo de validade do serviço que vão prestando. Ainda ontem, Luís Paixão Martins, ex-jornalista, especialista em comunicação, sportinguista, com posições públicas próximas do “varandismo” – pelo menos do “anti-brunismo” – mas que já trabalhou a conta do FC Porto na sua agência, a LPM, escrevia no Twitter algo que pode ajudá-lo a entender o fenómeno: “O Sporting tem um marketing bom e uma comunicação medíocre”. Então, mas há diferenças? “O marketing funciona em tempo de paz mas não vai à guerra”, explicou o homem que no mês passado foi apresentado como guru por trás da maioria absoluta do PS nas legislativas.
Não sei se Paixão Martins tem algum interesse na matéria além do teórico – nem quero saber, na verdade, embora admita que metade de vocês vai já achar que o que ele quer é trabalhar com um clube e a outra metade que ele quererá trabalhar, sim, mas com o outro. A mim, basta-me saber que ele tem razão, que estes são tempos de guerra e que a guerra tem vindo a ser travada pela comunicação dos clubes. De todos os clubes, através dos exércitos que identifiquei. E nela, se vocês, os adeptos, são carne para canhão, as primeiras vítimas são os jornalistas, os árbitros e os jogadores, cuja credibilidade vai sendo cada vez mais espezinhada. Os futebolistas, que fazem fita sem vergonha da figura que estão a fazer frente a dezenas de câmaras, fazem-no porque o ato de fazer fita já foi normalizado e porque sabem que a retaguarda do exército que representam – vocês, os adeptos – vai sempre defender que aquele toque no peito foi de uma violência extrema, a ponto de, por qualquer ligação nervosa, ter levado a uma dor lancinante no rosto. Ou que aquele dedo no nariz atingiu de tal forma um ponto nevrálgico que provocou uma queda de costas no meio de uma gritaria ensurdecedora. Se eu, que faço 52 anos no mês que vem e ultimamente não tenho sequer tido tempo para treinar, não caio com tanta facilidade, como é que atletas profissionais de alto rendimento têm tão pouca resistência, tanta incapacidade de manter o equilíbrio quando lhes tocam de raspão num calcanhar? Podiam evitar isto? Podiam, claro. Mas é aqui que tudo começa. “Se eu não fizer, o adversário faz na mesma, e depois somos ‘comidos de cebolada’”, dirão.
Não há saída fácil deste labirinto. Não compro a tese segundo a qual isto se resolve com uma nova geração de dirigentes, uma geração capaz de entender que de nada lhe servirá que as suas cores sejam capazes de reinar se o reino for reduzindo cada vez mais a influência, que de nada servirá serem os mais fortes no futebol se as pessoas se afastarem cada vez mais do jogo – como acontece a cada tentativa de condicionamento que lhe diminui a credibilidade. É que esses novos dirigentes entram no futebol e têm de conviver com os antigos, têm de adotar uma ‘realpolitik’ que contribua para se aguentarem, têm de ganhar competições para vencerem eleições. E isso leva-os a acumular vitórias de Pirro, na esperança íntima de que assim que for possível mudarão. Mas não mudam. Sobretudo se ganham. A única saída passa por vocês, pela base dos exércitos. Passa por vocês tomarem consciência de que estão a ser usados e recusarem o vosso papel. Passa por vocês reagirem da única forma saudável e isto tudo e dizerem, como eu já disse: “Eu não sou deste Mundo”. Digam-no comigo. Podem começar nas caixas de comentários.
Completamente de acordo consigo, exemplo é que eu desde sexta-feira já vi por aí nas redes sociais a criticar e comparar o comportamento do Rui Costa porque deu um abraço ao Pinto da Costa no Dragão em vez de fazer como o Varandas e deitar gasolina pra fogueira. Ou seja, em vez de enaltecer a boa relação com o presidente do F.C.Porto os adeptos no "geral"(ainda bem que ainda há adeptos que não pensam assim) devem ter gostado do que viram porque é isso que eles pedem todos os dias com excelentes audiências naqueles programas incêndiarios em que se fala de tudo menos de futebol. E como diz e bem o António, normalizam o ódio e andam todos a assobiar para o lado, FPF, governo e a liga.
Depois e conhecendo o nosso país, teremos sanções se calhar para o ano que vem quando toda a gente já esqueceu o que se passou e está tudo bem. Futebol Português no seu melhor. É urgente mudar !!
Cumprimentos
Sigo o António Tadeia a muito tempo. Concordo até, em larga medida, com vários artigos de opinião. Mas não me conformo com o deslavar das culpas duma entidade que é grandemente responsável pelo que se passa no futebol nacional.
Diz o António Tadeia, e bem, relativamente aos adeptos "A única saída passa por vocês, pela base dos exércitos. Passa por vocês tomarem consciência de que estão a ser usados e recusarem o vosso papel. Passa por vocês reagirem da única forma saudável e isto tudo".
Mas os adeptos não vão magicamente resolver o problema. Os adeptos reagem basicamente a duas origens.
A arbitragem, que já referi no passado estar condicionada, e face a esse condicionamento, não conseguir desempenhar da melhor forma o seu trabalho. O derby de Porto e Sporting no dragão é a face visivel desse condicionamento.
Formas de minimizar este problema também já sugeri. Árbitros estrangeiros para jogos onde estejam clubes em lugares de acesso a competições europeias ou lugares de descida. Mas a arbitragem é uma classe protegida (e bem), e a volta da qual se ganha muito dinheiro, razão pela qual será dificil implementar tal medida.
Por último, os adeptos reagem as comunicações dos clubes mas António Tadeia esquece-se facilmente de quem é o principal impulsionador e amplificador dessas comunicações. A comunicação social quer e muitas vezes fomenta este clima de guerrilha para beneficiar as audiências, cliques, vendas de jornais e publicidade. E enquanto a comunicação social for conivente, dificilmente os adeptos vão tomar consciência que estão a ser usados. Porque, se a comunicação dos clubes fornece as balas para a batalha, então a comunição social fornece as armas com que estas são disparadas, e não reconhecer este facto é protelar um problema sem fim a vista.