Os factos e o tempo
Na detenção de Madureira, há que separar duas questões relevantes. O timing diz-nos alguma coisa sobre o equilíbrio de poderes no Porto, mas é o apuramento dos factos que deve importar.
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Há os factos, que são aparentemente estranhos e ainda terão de ser explicados em inquérito, provados lícitos ou ilícitos, e depois há o tempo. São coisas separadas, discussões diferentes. São ambas importantes, sim, mas diferentes. Resistir à tentação de juntar as duas para fazer aproveitamento político da coincidência é importante, porque não podemos queixar-nos de uma justiça que não funciona e depois voltar a queixar-nos de que agora não valia. E podemos até começar pelo tempo, que é o que mais discussão vai motivar. A detenção de Fernando Madureira, ontem, pode ser um rombo importante na candidatura que Pinto da Costa lançará na segunda-feira a mais um mandato como presidente do FC Porto, mas na verdade não há coisa mais irrelevante neste processo do que o tempo em que ela foi feita. O tempo até pode servir para medirmos o equilíbrio de poderes na cidade do Porto, entre o poder judicial e o poder da rua, chamemos-lhe assim (apesar de sabermos que grande parte deste emana das elites), mas tem zero relevância na questão prática. Porque, lá está, há os factos a “atrapalhar”. O próprio Pinto da Costa, na entrevista que deu aqui há tempos à SIC, usou uma formulação curiosa para rebater as queixas de André Villas-Boas acerca da presença intimidatória e até fisicamente agressiva dos Super Dragões na Assembleia Geral destinada a votar a alteração dos estatutos, que vem ampla e graficamente descrita no inquérito policial que conduziu às detenções. “O que o FC Porto tem é uma claque, que há muitos anos todos os treinadores vão cumprimentar. [Então quando ele era treinador] não era uma guarda pretoriana?”, disse o presidente em exercício. O próprio Villas-Boas, na apresentação da sua candidatura, falou de um clima de medo e de intimidação mas não se alongou acerca dessa questão do tempo, que também pode ser virada contra ele: quando começou esse clima? Foi só agora? Quando desde os tempos do famoso Guarda Abel e das queixas de agressões a jornalistas, no final da década de 80, ele já era tema de um debate que Villas-Boas escolheu sempre ignorar até ao momento em que avançou como opositor de Pinto da Costa. Arrumemos então a questão do tempo. Foi agora, como podia ter sido antes ou poderia ser depois. Em termos de futuro, o que estas detenções implicam é a diminuição da capacidade agregadora dos Super Dragões no lado de Pinto da Costa – e isto vale quer Madureira fique de facto detido ou acabe por ser solto depois de ser ouvido pelo juiz, porque mesmo nesse caso a mensagem que passa para a rua é a de que ele já não tem a mesma imunidade. Sai daqui chamuscado, ferido não no orgulho mas na couraça que sempre lhe serviu para assegurar invulnerabilidade aos que o têm seguido, seja para onde for. Mas se olharmos para a segunda questão, a dos factos, teremos de olhar para o passado e tentar entender como é que o popular “Macaco” granjeou os apoios que estão na base do poder cuja extensão agora se pretende apurar. Um poder que o levou mesmo a comandar a claque de apoio à seleção nacional, por exemplo no Europeu de 2016 ou no Mundial de 2018. Porque se a apreensão dos carros de luxo e dos milhares de euros em notas – cuja posse, em si, não são crimes, mas dá sempre bons bonecos para as TVs – pode levar a acusações de branqueamento de capitais e de fraude fiscal, o próprio nome da operação aponta noutro sentido. O que está em causa na Operação Pretoriano é a capacidade de uma claque funcionar como uma espécie de braço armado do poder instituído, como uma milícia destinada a garantir o comportamento “adequado” de todos os adeptos que gravitam naquele universo. E isso, convenhamos, é absolutamente inaceitável.
Há coisas que não mudam. Sim, era quarta-feira à noite e está frio. Mas há coisas que custam a mudar. Uma delas reflete-se no facto de só 11 mil pessoas terem ido ao estádio, ontem, ver o primeiro jogo do SC Braga depois de a equipa ter ganho a Taça da Liga, que Ricardo Horta exibiu com um orgulho que merecia mais acompanhamento da massa adepta. E depois há o futebol. Os minhotos podiam e deviam ter ganho ao GD Chaves, criaram ocasiões mais do que suficientes para vencer (26 remates e um índice de golos esperados de 3,32 a esbarrar numa noite insuperável do guarda-redes Hugo Souza), mas viram o futebol negar-lhes o que noutras alturas lhes tinha dado. Artur Jorge mudou a cara da equipa, abdicando dos dois médios mais seguros e conservadores e trocando-os por dois homens mais progressivos – Carvalho por Al Musrati e Moutinho por Pizzi – e isso, sobretudo na segunda parte, mudou a cara da equipa, mas uma mudança de perfil coletivo precisa de mais tempo para se consolidar e este SC Braga tem de definir aquilo que quer ser. Quer ser uma equipa mais forte a defender e capaz de tirar vantagem das raras situações de desequilíbrio que cria, como na final four da Taça da Liga, ou prefere ser uma equipa dominadora que depois se expõe atrás? As duas em alternância, já se está a ver que não é capaz de ser.
O Chelsea, mil milhões depois. O mercado inglês só fecha hoje, mas até este momento onze dos 20 clubes da Premier League ainda não gastaram um cêntimo em reforços. Entre os campeões da parcimónia está o Chelsea, rei dos gastos nas últimas janelas. Entre o que pagou nos dois períodos de transferências de 2022/23 e o que já tinha gasto no Verão que antecedeu esta época, o Chelsea dos americanos torrou mais de mil milhões de euros, contratando oito jogadores acima dos 50 milhões e dois acima dos cem milhões. No onze que foi vulgarizado (1-4) pelo Liverpool FC, ontem, numa espécie de ensaio geral para a final da Taça da Liga, havia três desses jogadores – Enzo, Caicedo e Sterling – e um total de investimento de 472 milhões de euros, porque lá estavam o veterano Thiago Silva, o já há muito estabelecido Chilwell e o jovem Gallagher, formado em casa. O que está aqui em causa não são só os tiros ao lado em termos de investimento. É também a capacidade para fazer corresponder o dinheiro gasto a uma ideia do jogador que se quer. Quando se fala em projeto desportivo, é sempre isso que está em causa. E é isso que o Chelsea não tem desde os tempos da primeira passagem de José Mourinho por Stamford Bridge. Mesmo que depois disso até tenha voltado a ganhar coisas e que venha a vencer a Taça da Liga no final deste mês.
Mais um passo para as mulheres. O empate (4-4) que o Benfica conseguiu ontem, na Liga dos Campeões feminina, contra o FC Barcelona, podia nem ter tido um grande significado além do simbólico, porque ambas as equipas tinham já garantido a presença nos quartos-de-final da Liga dos Campeões. Ainda assim era um empate contra aquela que provavelmente é a melhor equipa da Europa neste momento. Mas vai-se a ver e significou mais do que isso. Com aquele ponto, e face à eliminação das duas equipas italianas – a Juventus já tinha ido nas pré-eliminatórias e a AS Roma ficou-se pela fase de grupos – está já garantido mais um passo na evolução nacional, com a ultrapassagem à Itália no ranking da UEFA do final desta época. Já se sabia que em 2024/25 passaríamos a ter duas equipas nas pré-eliminatórias da Champions, em vez do lugar único de que dispusemos esta época. E em 2025/26 Portugal terá uma equipa diretamente classificada para a fase de grupos e outras duas nas pré-eliminatórias. O quinto quociente nacional no ranking da UEFA, apenas atrás de França, Alemanha, Espanha e Inglaterra, é uma conquista. Trata-se agora de o justificar com resultados.