A entrada do Qatar no SC Braga
A compra de 21 por cento das ações do SC Braga pelo QSI, dono do Paris Saint-Germain, tem coisas boas e coisas más. Pode ser um grito do Ipiranga mas traz a opacidade do negócio para Portugal.
A entrada do Qatar Sports Investment (QSI), dono do Paris Saint-Germain, no capital do SC Braga, ainda que com uma participação minoritária e na teoria não influente na gestão, é o abrir de uma janela para um futuro que não tem só coisas más nem tem só coisas boas. Pode ser importante em termos de capitalização do clube, do incremento da sua capacidade para lutar com os três grandes pelos títulos que estes vão monopolizando ou do seu poderio em termos de competições internacionais – essa é a parte boa –, mas ao mesmo tempo alarga ao nosso ambiente a opacidade que já impõe leis a nível internacional e que não faz falta ao futebol – eis a parte má. E esta falta de transparência não é só pela possibilidade de os dois clubes virem a encontrar-se em competições internacionais. Ela colocar-se-á inevitavelmente também nos negócios do dia-a-dia.
Mas vamos à parte boa. Com a entrada do QSI, o SC Braga abre a porta ao futuro. A saída da Olivedesportos, que em tempos de maior fulgor foi fundamental na construção das SAD dos clubes portugueses, mas que já tinha saído do Benfica, já vira a sua participação no Sporting substancialmente reduzida (para 1,4 por cento) e as suas ações do FC Porto (que ainda são 13,9 por cento) divididas por António e Joaquim Oliveira, os dois irmãos desavindos, implica o encerrar de um ciclo que já teve o seu tempo. Também não era um tempo bom, pelo que implicava de influência, por exemplo, na questão dos direitos televisivos, mas foi fundamental na construção das SAD, quando ainda não havia mais dinheiro no futebol. É evidente que o interesse do investidor era o de eternizar o poder no seu segmento e que os clubes ficavam disso reféns a troco de capitalização, mas a entrada nos mercados de players globais pujantes e capazes de alargar a influência a todo o continente europeu devastou esse negócio de troca de capital por influência. O QSI também tem interesses na área da televisão – é dono da rede beIN, por exemplo –, pelo que a boa notícia não é a separação das águas: é, antes, a presença de um investidor que em termos nacionais olhará para o SC Braga primeiro, o que não era líquido que sucedesse com a Olivedesportos, sempre mais preocupada com os equilíbrios de poder que, por cá, vão sempre depender dos três grandes.
O meu problema com este negócio não tem nada que ver com o “grito do Ipiranga” que ele pode permitir ao SC Braga. Pelo contrário. Também não tem nada que ver com a chegada do grande capital ao futebol português, que isso seria mais ou menos inevitável e, em si, não é um mal. Não tem a ver com a proveniência do dinheiro, apesar das muitas dúvidas que suscita o regime do Qatar e o seu alegado apoio ao terrorismo global em tempos não muito distantes. Também não é, finalmente, por achar que isto pode tornar o SC Braga uma espécie de clube “satélite” do Paris Saint-Germain. Sei bem que este é um tema que diz muito aos orgulhosos adeptos de qualquer clube, mas isso não é um problema. Quem dera aos braguistas que, em vez de ter jogado no Sporting, Sarabia tivesse estado em Braga. Ou, mesmo não tendo ele ainda mostrado o que vale, que em vez de jogar no Benfica, Draxler tivesse vindo para Braga. Os reservistas de Messi e companhia podem e poderão sempre ter um efeito muito positivo no futebol português. A razão que me leva a encarar este negócio com reserva – por mais que do SC Braga garantam que o QSI não vai interferir na gestão, por ter uma posição minoritária ou por não possuir ações de categoria A – é a possibilidade que ele confere ao novo acionista de transformar o SC Braga numa estação de um carrossel global que contribua para tornar os negócios do futebol ainda mais opacos.
Não havia, até aqui, nenhuma indicação de que o QSI estivesse interessado em construir um império global tão alargado como os que estão a ser edificados pelo City Group ou pela Red Bull, por exemplo. Nestas coisas, há muitos tipos de donos. Há os pequenos, que não têm capacidade para alargar os tentáculos a mais do que um clube e que entram nesse clube por razões diversas, que podem ir da paixão pelo emblema à tradição familiar, com passagem por uma ambição profissional de fazer bem, de gerar dividendos, ou até pela conveniência que isso traz a outro tipo de negócios – o que já não é necessariamente bom, pois abre a porta aos nebulosos fundos de investimento sediados em off-shores, que ninguém sabe bem quem é que representam. Há, depois, os donos de média dimensão, que conseguem comprar mais clubes, mas que geralmente se centram em emblemas menores por uma questão de falta de capital para chegar aos mais poderosos – e alguns membros deste grupo já tinham chegado a Portugal, como pode ver no artigo da série Donos da Bola dedicado ao futebol português. E há os tubarões, que se distinguem pelo acesso a fundos quase ilimitados. Entre estes, pode ainda fazer-se mais uma divisão. Há aqueles que se centram num só clube e diversificam o investimento por outros desportos, como os muitos americanos que começam a proliferar na Premier League e que têm no seu portefólio franchises de basquetebol, basebol, futebol americano ou hóquei no gelo. E há os que recusam esta limitação. Esses são o problema para um regulador que não pode limitá-los, da mesma forma que não há limites a quem queira criar um império internacional nos têxteis, na celulose ou nos combustíveis. É negócio puro e simples.
É esse o caso do City Group, do dinheiro do Abu Dhabi, que é já dono do Manchester City, dos italianos do Palermo, dos belgas do Lommel, dos espanhóis do Girona e de vários clubes em outros continentes. As campainhas de alarme ainda não soaram, porque não houve – como houve aqui há tempos entre o RB Leipzig e o RB Salzburgo – confrontos entre estas equipas nas provas internacionais. Mas achar que o problema se limita à possibilidade de combinar resultados quando a bola salta é ignorar a outra dimensão do futebol: a dimensão do negócio. É ignorar o efeito que os negócios entre clubes de um mesmo dono, tornando-o capaz de mudar o dinheiro do bolso das calças para o bolso do casaco, podem ter no futebol mundial. E atenção que é por isso que estes investidores – bem como os tais fundos de investimento sediados em off-shores – cá estão. Ou achavam que eles tinham vindo só ver a bola?
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