A decisão de Conceição
Convencido de que não era possível replicar o talento de Vitinha, Sérgio Conceição quis devolver ao FC Porto o âmago dos primeiros títulos: pressão e transição. O problema é o virus da apatia.

Que Sérgio Conceição foi, no mínimo, infeliz, quando se referiu à questão do tempo útil de jogo na derrota do FC Porto em Vila do Conde, bastam os números para no-lo provar. Que os jogadores não deixaram em campo tanto como já chegaram a fazer em alguns desafios desta época, é também através das estatísticas que lá chegamos. Já a questão de fundo neste FC Porto, uma das muitas que os jornais dizem ter sido levantadas pelo presidente da Câmara Municipal do Porto e protocandidato à liderança do clube, Rui Moreira, em meia dúzia de indiscretos comentários feitos nesse antro de perdição que é o Facebook, essa já depende da condução estratégica da SAD e do treinador. Mas começo a acreditar que é preciso arrepiar caminho.
“Veja quem saiu do plantel desde há um ano... e quem veio”, terá escrito Moreira em resposta a outro adepto portista. Pois bem, fui ver. Desde que se concluiu a época de 2020/21, na qual até tinha perdido a corrida ao título para o Sporting, e só para falar dos que alguma vez foram verdadeiramente influentes, o FC Porto separou-se de Marchesín (guarda-redes), Mbemba (defesa-central), Sérgio Oliveira e Vitinha (médios), Luís Díaz, Corona, Fábio Vieira e Francisco Conceição (extremos) e Marega (avançado). E quem entrou? No mesmo período, o FC Porto contratou Fábio Cardoso e David Carmo (dois defesas-centrais), Wendell (um lateral), Grujic, Eustáquio e Franco (três médios), Galeno, Pepê e Verón (extremos), fazendo ainda regressar Bruno Costa (um médio) de Portimão e socorrendo-se de algumas promoções de elementos que estiveram na conquista da UEFA Youth League há três anos, como Diogo Costa (guarda-redes) ou João Mário (extremo convertido em lateral).
Os que saíram são mais fortes do que os que entraram? Certo. Por isso é que, entre entradas e saídas, a SAD do FC Porto apresenta lucro – e, de acordo com o portal Transfermakt, sem contar com comissões e outras questiúnculas às quais, certamente, Rui Moreira não quereria referir-se, sendo ele o delfim do momento para Pinto da Costa, só esse lucro será, neste período, de uns 76 milhões de euros, valor que chegaria para comprar várias vezes o plantel “do Argoncilhe”. Essa, no entanto, é a vida dos clubes portugueses, que se não se viabilizam através de receitas ordinárias têm de vender, muitas vezes de forma menos planeada do que têm sido feitas as vendas do FC Porto. Nas mesmas datas, o Benfica apresenta uma balança de transações que é favorável em 86,5 milhões de euros e o Sporting está a ganhar uns 72,5 milhões. Todos perdem talento na proporção correspondente ao que ganham em dinheiro. A questão é o que fazem nessas circunstâncias.
O FC Porto perdeu um jogo. Aconteceu com estrondo, é verdade, pois ao intervalo estava a levar 3-0 do Rio Ave, coisa que tem a particularidade de gerar comentários de Facebook e tweets de que, depois, as pessoas – sobretudo as que têm mais responsabilidades – tendem a arrepender-se. Mas continua a ser só um jogo. E, mais até do que os três pontos que por lá ficaram, aquilo que se passou em Vila do Conde devia levar os responsáveis portistas a refletir acerca do caminho que o clube está a tomar. Não tanto no mercado, que ainda tenho alguma dificuldade em considerar um fracasso qualquer dos jogadores que chegaram neste período – Wendell está a um pequeno passo de ser um caso perdido e Grujic pareceu-me demasiado caro para aquilo que pode aportar, mas todos os outros estão dentro do prazo de validade. A reflexão deve ser, sobretudo, acerca dos caminhos que a equipa está a tomar dentro de campo, não só no plano tático como no âmago filosófico.
O FC Porto da época passada foi uma equipa em claro contraciclo com as que tinham ganho os outros campeonatos de Sérgio Conceição, em 2018 e 2020. Servido pelo talento de Vitinha, o treinador montou um coletivo de âmago criativo, ao qual Díaz ainda somou, nos primeiros meses da época, verticalidade e uma excelente relação individual com o golo. Provavelmente convencido de que Díaz já não tinha sido substituído à altura por Galeno – ou pela titularidade só nessa altura conquistada por Pepê – e de que não é possível replicar o talento de Vitinha, o treinador recuperou o âmago de equipas anteriores: pressão e transição, que aplicou a um sistema estreito, que só usa extremos em desespero de causa e aposta tudo na densidade no corredor central. Quando a equipa entra em campo com predisposição para trabalhar sem bola e – também importante – o adversário quer jogar, o FC Porto rejubila. Mas se acontece o que vimos em Vizela ou Vila do Conde – uma equipa apática, sem vontade de condicionar um adversário mais calculista – o resultado é paupérrimo.
Só Sérgio Conceição saberá se o jogo “indigno”, como ele próprio disse, de Vila do Conde será o fim do losango, a adoção de uma equipa mais larga e a entrada no onze de gente que tem justificado a titularidade, como Toni Martínez ou Galeno, acima de todos os outros, mas também David Carmo, por exemplo. Só ele saberá se quer manter a rota que traçou quando percebeu com que plantel ia ficar depois do mercado – o regresso ao jogo de pressão e transição – ou se prefere arriscar um regresso à ideia que lhe deu o título de 2022. Mas de uma coisa estou convencido: não será através do mercado que Conceição resolverá o problema. Em cinco jogos oficiais que fez esta época, com 55 camisolas de titular distribuídas, Sérgio Conceição não deu uma única a um jogador que tenha chegado neste Verão ao clube. Avesso como ele é à entrada imediata de elementos novos no seu grupo restrito de titulares, se lhe derem agora esse jogador, tê-lo-á em campo lá por alturas do Natal. E nessa altura pode ser tarde.