A Champions a andar à roda
Hoje é dia de sorteio da nova Liga dos Campeões. Sporting e Benfica conhecerão os oito rivais que terão pela frente na fase de Liga, com a noção de que lhes competirá garantir uma vaga no playoff.
Palavras: 1559. Tempo de leitura: 8 minutos (áudio no meu Telegram).
Sporting e Benfica conhecerão hoje (17h, com transmissão em direto na Sport TV+ e na DAZN1) os oito rivais que terão pela frente na renovada Liga dos Campeões. Serão oito e não três, jogam só uma e não duas vezes contra cada um, a classificação final não se estabelece por grupos mas sim numa única tabela, mas o objetivo é o de sempre: chegar à fase a eliminar desta rainha das competições europeias. E é um objetivo mais do que possível. É expectável, tendo em conta que 24 das 36 equipas presentes no sorteio se apurarão, oito desde logo para os oitavos-de-final, outras 16 para o playoff adicional que a eles dará acesso. Se o Benfica é 14º e o Sporting 20º no ranking estabelecido para definição dos graus de dificuldade do sorteio, podemos começar a fazer contas, depois facilitadas quando se sabe que a UEFA fez simulações nas quais percebeu que com 7,6 pontos, portanto na pior das hipóteses duas vitórias e dois empates, se consegue o apuramento. Ora, Benfica e Sporting não só jogarão quatro vezes em casa como terão pelo menos três – no caso dos leões – e quatro – no das águias – opositores mais mal colocados. Os rankings não dizem tudo, mas a entrada no playoff de Fevereiro parece um objetivo abordável e de certa forma até exigível tanto a Sporting como a Benfica.
O que mais vão ouvir acerca da nova Liga dos Campeões (cujo formato expliquei aqui, tintim por tintim, em Abril) é que é um passo em frente da UEFA no sentido de manter os clubes satisfeitos e de evitar tentações que eles venham a ter de se rebelarem e formarem uma Superliga independente. É verdade. E que é mais um risco no chão feito a partir dos gabinetes para dizer quem manda no negócio, aqui já não tanto em oposição aos clubes que ameaçaram com a secessão mas à FIFA, que sem o maná de uma Liga dos Campeões anual vai este ano arrancar com um Mundial de clubes em larga escala. Também é verdade. E – última verdade – que a guerra aberta entre Nyon e Zurique pelos milhões dos direitos televisivos regulares está a tornar o panorama do futebol insustentável para quem o joga. Quem se deu ao trabalho de fazer contas concluiu que, na pior (ou melhor...) das hipóteses, o Real Madrid pode nesta época ser forçado a disputar 72 jogos. Uma brutalidade que terá repercussões não só na saúde dos futebolistas como até na qualidade do futebol que eles nos colocarão à disposição e, inevitavelmente, na nossa predisposição para consumir isso tudo – e pagar por isso tudo. E é aqui que começarão a ouvir e a ler coisas como a defesa do regresso ao passado, a uma Taça dos Campeões Europeus por eliminação direta desde o mês de Setembro, o que já é uma loucura tão indefensável como o progressivo esmifrar da galinha dos ovos de ouro por parte de quem opera a caixa registadora.
Vamos a ver uma coisa: o progresso do futebol fez-se e far-se-á sempre através da disrupção. A criação dos campeonatos nacionais por oposição aos regionais, a diferentes velocidades nos diferentes países (e contei o caso português aqui, num dos muitos episódios da série F80), mas sempre na primeira metade do século XX, foi uma disrupção que deixou muita gente a reclamar pelo fim do mundo à velocidade a que se ameaçavam as muitas rivalidades locais. A invenção da Taça dos Campeões Europeus, na década de 50, foi uma disrupção de quem já pensava em termos continentais, destinada a tentar perceber qual era o mais forte de todos os campeões nacionais e nisso descobriu um novo desafio. A transformação da prova em Liga dos Campeões, que nos seus mais diversos formatos já leva mais de 30 anos, quase tantos como durou a fase da eliminação direta, já foi uma disrupção operada com o intuito de manter os clubes felizes e de os segurar face às ideias de criação da Superliga original, nascidas da noção de que era ruinoso para a indústria deixar a um sorteio a possibilidade de ameaçar a continuidade na prova internacional de um de dois colossos infelizmente emparelhados. À medida que as exigências vão sendo maiores por parte dos clubes, as cedências – e o piscar de olho à sua quota-parte dos lucros – vão crescendo também por parte de quem organiza as competições. Há jogos a mais? Sem dúvida. Mas o único treinador que vi dizer alguma coisa de concreto a esse respeito, Carlo Ancelotti, que além de se queixar quando tem um ciclo de jogos de três em três dias chegou até a anunciar que o Real Madrid estava a ponderar não comparecer ao Mundial de final de época, foi logo silenciado por quem estava acima dele. E o Real Madrid lá estará.
Só podemos ter certezas quando a virmos funcionar, mas a nova Liga dos Campeões parece-me uma boa evolução face ao que tínhamos. Digo-o com a convicção de que a tal Superliga é inevitável e que mais vale tê-la debaixo do jugo da UEFA, com critérios de admissão ainda algo abertos e entendíveis, do que deixar a realidade trazê-la por iniciativa dos grandes clubes, que de imediato a fechariam a novos interessados e a transformariam numa espécie de grupo privado. Esta Liga dos Campeões permite ter mais rivais, por oposição aos três, com duplo confronto, da anterior fase de grupos. Depois, podendo ser injusta, em função do sorteio, reduz um dos focos de injustiça do modelo anterior, ao forçar todas as equipas a defrontarem também dois adversários do seu pote – e creio que mais do que isso, o que levou os clubes a aprovar esta mudança foi o facto de, assim, estarem garantidos desde logo nove jogos entre cabeças-de-série na primeira fase. Por fim, se na competição anterior muitas vezes víamos os mais poderosos apurar-se ao fim de três ou quatro jogos e, depois, rodar miúdos nas jornadas finais, este novo modelo promete manter vivo o interesse até ao último dia até entre os clubes que sabem que vão apurar-se de qualquer modo, porque da classificação da fase inicial vai depender o emparelhamento a partir dos oitavos-de-final, com a adoção de um sistema como o usado nos quadros do ténis. Ser quarto não é a mesma coisa que ser quinto. Ser primeiro é a garantia de que só se terá de enfrentar o segundo na final e nunca antes disso, pelo que haverá sempre uma motivação para dar o máximo em cada jornada.
Dito isto, o que podemos esperar do sorteio de mais logo? Primeiro, uma operação bastante mais complicada do que as anteriores, em que Giorgio Marchetti pedia a jogadores para irem tirando bolas dos potes e desde logo ficaríamos a saber que jogos dali saíam. Hoje lá estarão Cristiano Ronaldo e Gianluigi Buffon, serão eles a tirar as bolas, mas será depois um algoritmo de inteligência artificial a definir os emparelhamentos de acordo com os constrangimentos da competição – cada equipa jogará contra dois adversários de cada pote, uma em casa e outra fora, nenhuma equipa pode jogar com outra do seu país e não pode defrontar mais de duas de um país em específico. Sem o computador a fazer o trabalho duro, o sorteio duraria quatro horas e seriam necessárias à volta de mil bolas – assim, o que vai acontecer é que entre o momento em que for sorteado um clube e o instante em que lhe conheceremos os oito adversários passarão dez segundos. Os constrangimentos do sorteio levam, depois, a fatores interessantes, como a vantagem de apanhar clubes de países fortes nos primeiros potes, de maneira a evitar que venham equipas desses países nos potes finais. É que não só o alargamento para 36 clubes, com a introdução de uma equipa-extra dos dois países mais bem-sucedidos no ano anterior, como o bom comportamento do Lille OSC nas pré-eliminatórias levaram a que tenhamos cinco participantes alemães, cinco italianos, quatro ingleses, quatro espanhóis e quatro franceses, alguns deles nos potes mais fracos. E se nos lembrarmos que o apuramento se consegue com duas vitórias e dois empates ou, no limite, com três vitórias, percebemos que é sempre aí que se joga o futuro na competição.
Um bom sorteio para Sporting e Benfica passaria sempre por apanhar um Sturm Graz, um Sparta Praga ou um Slovan Bratislava no Pote 4, um Young Boys ou um Celtic Glasgow no Pote 3 e até um FC Bruges ou um Shakhtar Donetsk no Pote 2. No primeiro pote não há muito por onde escolher, mas vale a pena pensarmos também no que seria um sorteio de fugir: Real Madrid, Manchester City, Bayer Leverkusen, Juventus, Feyenoord, PSV Eindhoven, Aston Villa e VfB Estugarda. E se mesmo com o emparelhamento mais fácil parece complicado pensar num lugar no Top8 e no apuramento direto para os oitavos-de-final e no sorteio mais difícil os oito pontos parecem perfeitamente possíveis, é porque estamos naquele patamar em que começamos a pensar na Europa como verdadeiro desafio lá mais para o ano que vem. Até lá, é usufruir.