FC Porto é o primeiro campeão da Liga
O FC Porto impôs-se no primeiro campeonato da Liga, empatando na última jornada com o Sporting. E depois o Benfica ganhou o Campeonato de Portugal, superando os leões na final. Quem saiu a rir?
Os atuais três grandes do futebol português saíram pelo menos a sorrir da época de 1934/35, o ano da primeira edição da Liga, tal como a conhecemos hoje, com todos a jogarem contra todos a duas voltas. O FC Porto venceu a primeira edição, acabando as 14 jornadas com dois pontos de avanço sobre o Sporting, segurando a vantagem num empate obtido no último dia, frente aos leões, em Lisboa, em jogo que teve contornos de final. Depois disso, o Benfica recuperou de um Regional e de uma Liga menos bem conseguidos para vencer o Campeonato de Portugal, derrotando na final o Sporting, perante uma entusiástica assistência de 30 mil pessoas. E os leões, apesar de tudo, não ficaram apenas com a alegria de terem sido a mais forte oposição aos campeões nas duas provas, uma vez que se impuseram num ainda muito considerado regional de Lisboa, para tal necessitando de ganhar uma “finalíssima”, em poule, contra Belenenses e Benfica, já que os três haviam acabado o campeonato com os mesmos pontos.
Face às proezas de FC Porto e Benfica, a grande questão, que atormenta os espíritos de muitos até hoje, é: “e quem foi o campeão?” Eu já escrevi opinião sobre o tema (que pode ler aqui), sabedor de que a versão oficial manda consagrar o FC Porto como campeão de 1934/35 e o Benfica como vencedor do antecessor da Taça de Portugal. Acho justo, ainda que discutível, que a partir de 1935 se considere como campeão nacional o vencedor da I Liga, porque esse foi o formato adotado no futuro pela competição. Da mesma forma que acho uma aberração que se retire aos clubes que ganharam o Campeonato de Portugal entre 1922 e 1934 a honra de poderem ser considerados campeões nacionais. Porque foram-no para toda a gente, conforme a consulta às fontes da época mostrará a quem quiser dar-se ao trabalho de as ler. Sim, estou consciente da incoerência que é achar campeões os vencedores do Campeonato de Portugal entre 1922 e 1934 e não o fazer com os ganhadores da mesma prova entre 1935 e 1938. Tudo seria mais fácil se, à data dos factos, a Federação Portuguesa de Futebol tivesse definido quem era o campeão nacional. Isso, porém, não foi feito, por mais que hoje as duas fações tentem convencer-vos do contrário.
Leia aqui sobre 1933/34:
A instituição dos campeonatos das Ligas já estava pensada, porque era assim que se fazia em alguns países estrangeiros que nos serviam de referência, e foi acelerada, como pode ler aqui, na sequência dos 9-0 que a seleção nacional apanhou em Madrid, na qualificação para o Mundial de 1934. Durante quatro anos – de 1934/35 até 1937/38 – coexistiram a I Liga e o Campeonato de Portugal. Há indicações de que, apesar de tudo, o Campeonato de Portugal era mais considerado pelos clubes e pelos observadores. “Domingo próximo, entrar-se-á no Campeonato de Portugal. Devemos desejar que a competição máxima sirva para unir todos os clubes, desaparecendo assim a lembrança de alguns desagradáveis incidentes das Ligas”, escreveu José Tavares da Silva, jornalista e ex-selecionador nacional, na edição de 12 de Maio de 1935 do Diário de Lisboa. Em Junho, antecipando as meias-finais do Campeonato de Portugal, o jornalista ia ainda mais longe: “Apenas três domingos e conhecer-se-á o campeão de Portugal, aquele que ostentará durante uma temporada inteira o melhor dos títulos portugueses”. Três anos depois, a FPF deliberou finalmente sobre o tema. Em 1938 foram criados o Campeonato Nacional da I Divisão, nos moldes da I Liga, e a Taça de Portugal, nos moldes do Campeonato de Portugal. O primeiro por jornadas, com todos contra todos, e a segunda por eliminatórias. O primeiro a consagrar o campeão nacional e a segunda a honrar o vencedor da Taça.
António Ribeiro dos Reis, militar, jornalista, antigo futebolista e ex-selecionador nacional, que foi durante anos capitão-geral e treinador do Benfica, e Ricardo Ornellas, também jornalista, muito próximo do primeiro, que inclusive o substituiu na direção da seleção nacional nos 9-0 de Madrid, fizeram vingar a tese da equiparação, que ainda hoje vigora. A tese, convém dizê-lo, é ajudada por atas da FPF, datadas de 1938, pelo facto de as taças serem as mesmas e de, no troféu da Taça de Portugal estar gravado o nome dos vencedores do Campeonato de Portugal, desde a edição inaugural, de 1922. “Os campeonatos de Liga, que por imperativo de raciocínio passaram a chamar-se Nacionais ao seu quinto ano de disputa”, escreve Ornellas, no livro Números e Nomes do Futebol Português, editado em 1950, a justificar essa mesma tese. A discussão será eterna mas, tal como tenho vindo a explicar em respostas aos comentários que têm sido feitos a estes artigos nas redes sociais, não é o que importa para o caso. Importante para esta série de textos acerca dos 100 anos de competição nacional no futebol português é, sim, o esforço de preservação da história, o relato dos eventos, sempre pitorescos e apaixonantes. Já sabem que o Sporting foi campeão de Lisboa, que o FC Porto foi – pela 17ª época consecutiva – campeão do Porto e lhe somou a vitória na I Liga, que o Benfica ganhou o Campeonato de Portugal. O que ficarão a saber a seguir é como garantiram esses sucessos. Quem foram os heróis e os vilões dessas conquistas e que peripécias tiveram de enfrentar, numa época que marca o início do declínio do Belenenses com o fim da carreira de Augusto Silva, o líder em campo de uma brilhante geração azul.