A agenda de Félix
O que quis Félix – ou Mendes – com a declaração de amor ao Barça na concentração do Atlético? Uma coisa parece certa: não era assinar pelos catalães, que nem têm condições para sonhar com ele.
Fabrizio Romano, o jornalista italiano que é especialista em mercado e que ontem falou com João Félix, a quem o futebolista confessou que jogar no FC Barcelona foi sempre o seu sonho, esteve à noite no “El Partidazo”, o programa de rádio da Cadena COPE que continua a marcar a atualidade desportiva em Espanha. A dada altura, o pivot, Luis Munilla, fez-lhe uma pergunta que vale mais pelo facto de ter sido feita do que pela resposta que podia motivar: “A entrevista foste tu que a pediste ou foi feita a pedido do jogador?” Romano respondeu que a iniciativa lhe pertenceu e que conhece pessoalmente João Félix desde que este jogou pelo Chelsea. A este respeito, devo dizer duas coisas. A primeira é que em nenhum momento duvido de que as declarações sejam verdadeiras. A segunda é que, ainda que isso devesse estar explícito se assim fosse, elas não se tornariam ilegítimas se tivesse sido o jogador – ou o seu agente por ele – a pedir canal para as fazer. Mesmo que se assim fosse provavelmente já não houvesse conversa. É por isso que digo que a pergunta vale mais por ter sido feita do que pela resposta que motivou. No fundo, é irrelevante se foi Romano a ligar a Félix ou se foram Félix ou Jorge Mendes a pedir a Romano que fizesse o telefonema. O que importa é entender as declarações no contexto da agenda do jogador. O que queria Félix – e Mendes – com este ato de despeito pelo clube que gastou 126 milhões de euros na sua contratação, que lhe paga algo como 12 milhões de euros por ano e, mais, com o qual renovou em Janeiro até 2027? Queria ir para o FC Barcelona? Dificilmente. Porque mesmo que Félix não saiba, porque se calhar não tem de saber, Mendes sabe muito bem duas coisas. A primeira é que, até por ter tão boas relações com Andrea Berta e Mateu Alemany – os diretores desportivos do Atlético e do Barça, cujas histórias pode consultar aqui e aqui, no âmbito da série Eminências Pardas – os catalães não estão neste momento em condições de poder abalançar-se a uma contratação como a de João Félix. Aliás, ainda recentemente foi notícia que o FC Barcelona está outra vez num molho de bróculos para cumprir os pressupostos financeiros da Liga Espanhola e só poderá inscrever os reforços, Gundogan, Oriol Romeu ou Iñigo Martínez, ou mesmo os jogadores que renovaram contrato, entre os quais está o importante Ronald Araújo, depois de conseguir 60 milhões de euros em receitas. A segunda é que, conhecendo as rivalidades como se conhece, o que estas declarações causam é que a partir de ontem o Atlético estará disponível para negociar Félix com qualquer clube menos com o FC Barcelona. O que não deixa de ser inteligente – pois se o FC Barcelona não pode pagá-lo... E é aqui que entra a outra parte da novela, a do Atlético Madrid. E cumpre recordar que, tal como se percebe pelos textos acerca de Berta e Alemany, Jorge Mendes tem sido “aliado” dos dois clubes. É um equilíbrio precário, que o super-agente também mantém com os grandes em Portugal, mas um equilíbrio possível e às vezes até algo conveniente. E não estou com isto a dizer que o incómodo manifestado pelo Atlético acerca destas declarações seja simulado e que isto foi tudo feito de comum acordo, mas somente que isso seria possível. O que quer o Atlético, então? Parece seguro que não quer o jogador, pelo que quererá sobretudo perder o mínimo possível com a sua transferência, feita em contexto inflacionado há quatro anos. É certo que o clube madrileno ganhou tempo com a renovação feita antes de emprestar Félix ao Chelsea, em Janeiro, mas cada empréstimo corresponde ao empurrar do problema com a barriga, o que é diferente de o resolver. A equação é simples: abre-se uma porta para que Félix volte a justificar o investimento nele feito, mas ao mesmo tempo gasta-se parte do prazo para que ele o faça a tempo de poder ser revendido sem grande prejuízo antes de acabar o contrato. O problema aqui é que o Atlético pensa no valor de Félix em 2019 – e esse também não eram os 126 milhões de euros que pagou – e os potenciais compradores veem o rendimento do Félix de 2023, que não justificaria nem metade desse tão avultado investimento.
A opção Benfica. E é aqui que os benfiquistas sonham. Pode João Félix voltar ao Benfica, emprestado, naturalmente com o Atlético a pagar boa parte do salário, que corresponde mais ou menos a dois Di Marias? Pode. Mas creio que será a última saída e só acontecerá se todas as outras falharem. O Atlético quer, primeiro, vender. Isso não parece possível, a não ser com um prejuízo que o clube não quererá assumir. Quer, depois, a cedência temporária a um clube das Big Five, onde o jogador possa valorizar, e que seja capaz de lhe suportar o salário – e o Chelsea, além disso, ainda pagou onze milhões de euros por seis meses de empréstimo. Só em último caso cederá ao apelo do regresso a casa, ao clube onde o jogador mais valorizou e onde, apesar da presença na Champions, jogará uma Liga periférica. É possível? É. Mas é para que a coisa não chegue aí que toda a gente envolvida está a trabalhar neste momento.
A palavra-chave é “aqui”. A frase “o clube é maior do que qualquer jogador”, ou que qualquer treinador, presidente, enfim, é um dos chavões mais comuns na história do futebol, mas não é habitual ser dita como a disse ontem Nasser El-Khelaïfi no discurso de boas-vindas ao plantel do Paris Saint-Germain. O testa-de-ferro do emir do Qatar olhou para Mbappé e companhia e disse a frase feita do costume, “o clube é mais importante do que qualquer um aqui”, para a completar com uma segunda afirmação inesperada. “Até do que eu!” Ora isto estabelece ali uma pirâmide hierárquica estranha, em que na base estão os jogadores e treinadores-estrela que o PSG contrata, a seguir está o senhor El-Khelaïfi, depois vem o clube e, no topo, estará o próprio emir. A palavra-chave no discurso de El-Khelaïfi, que todos viram como um aviso feito a Mbappé, é o “aqui” e denota uma falta de noção que me leva a concluir que se calhar nem o facto de ter voltado a ter um treinador com uma ideia clara – Luis Enrique – valerá ao PSG, porque mais acima aquilo está tudo baralhado.