A abertura do mercado
As lesões de Bah e Manu, por implicarem a ausência de ambos no arranque da próxima época, vieram dar o pontapé de saída do mercado de Verão dos três grandes. Há muitas oportunidades. E riscos...

Palavras: 1552. Tempo de leitura: 8 minutos (áudio no meu Telegram).
Já todos ouvimos ou lemos algo sobre a influência da sobrecarga dos calendários competitivos no aumento absurdo da frequência com que vemos roturas do ligamento cruzado anterior em futebolistas, mas nem o Real Madrid alguma vez passou aquilo que viveu o Benfica no sábado: duas lesões altamente incapacitantes em cinco minutos, a privar Bruno Lage de soluções para problemas em que o plantel está curto até final da época. Numa perspetiva otimista, talvez os dois possam integrar a próxima pré-temporada, mas o melhor é nem contar muito com isso e começar já a trabalhar na possibilidade de identificar alternativas, que se forem contratadas no mercado nunca chegarão a não ser para jogar o Mundial de clubes, em Junho. Ainda assim, como vai ver-se também com a planificação e antecipação que terão de fazer o Sporting e o FC Porto, é em Fevereiro que começa a trabalhar-se o mercado de Verão. Hoje, aqui farei uma antecipação daquilo que o Benfica precisará de fazer no Verão – e antes, para chegar lá em boas condições. Ao longo da semana espero estender esta análise aos restantes candidatos ao título.
Quando, a 10 e 12 de Agosto de 2023, Courtois e Militão sofreram duas roturas do ligamento cruzado anterior, achou-se que era o cúmulo da infelicidade. A entorse do joelho com rotura total daquele ligamento é o maior pesadelo de um futebolista, porque implica ausências que podem ir aos 10 meses, e sofrer duas em dois dias é dose. Courtois só voltou a competir em Maio. Militão foi mais rápido e pôde fazê-lo no último dia de Março, ao fim de sete meses e meio, mas entretanto já o Real Madrid perdera para a mesma lesão Alaba (13 meses fora até ao regresso, no mês passado) e Carvajal (ausente desde que se magoou, em Outubro, e ainda com um largo período de baixa pela frente). Pior: entretanto, em Novembro, Militão voltou a sofrer a mesma lesão, ainda que no outro joelho. O facto de a “epidemia” se verificar no Real Madrid, que em 2022/23 tinha feito 59 jogos de competição, em 2023/24 se ficou pelos 55, mas esta época já vai nos 38 e tem pelo menos mais 21 agendados (ainda que possam ser 31, se a equipa chegar às finais da Taça do Rei, da Liga dos Campeões e do Mundial), levou a que a ela se associasse o congestionamento dos calendários. Mas no Benfica os afetados até foram jogadores que não estavam tão sobrecarregados – ainda que tenha a seleção para “ajudar”, Bah é o nono do plantel em minutos de utilização e Manu chegou de Guimarães, onde até Novembro tinha sido suplente de Händel, só então aproveitando para se impor no onze e no mercado.
Seja como for, mesmo o prazo otimista – o de Militão – nunca lhes permitirá competir antes do início de Outubro, o que deixa o Benfica com duas questões pendentes: a da próxima época e a do que resta da atual, onde decidiu não contratar, em Janeiro, uma alternativa a Bah para a lateral direita e onde, desde cedo, se viu que não havia quem concorresse com Florentino como médio mais posicional – e daí a contratação de Manu. Além destas duas posições, só no centro da defesa o Benfica se apresentava tão curto, pois tinha três jogadores (Otamendi, Tomás Araújo e António Silva) para duas posições. Manu trazia esse acréscimo de utilidade, uma vez que além de alternar com Florentino a meio-campo podia desenrascar como defesa-central, posição que ocupara na época passada, ainda que com linha de cinco, no Vitória SC. Agora, a Bruno Lage restam dois caminhos. Ou adapta e reza para que não haja mais lesões e para que os castigos sejam sempre alternados ou imita o que fez em 2019 e vai buscar gente à equipa B. O caminho da adaptação é, para já, o mais evidente. Tomás Araújo pode continuar a jogar como lateral-direito – ainda que a sua capacidade de construção faça falta ao meio – e Florentino a aguentar o meio-campo. A ausência, de um ou do outro, será compensada em primeiro lugar por Aursnes, o que traz um problema, porque o posicionamento do norueguês como médio interior-direito (e segundo avançado no momento defensivo) é chave para que a equipa aproveite Di María. A inteligência tática de Aursnes permite-lhe ocupar sempre, ainda com bola, os espaços que o argentino vaga, tornando a equipa mais completa a atacar e bem menos permeável em transição defensiva. E a sua capacidade de pressão na frente esconde a a maior debilidade do argentino, que é precisamente a forma como lhe falta a disponibilidade para pressionar e cortar trajetórias em organização defensiva.
Se sem mais contratempos não será preciso tirar dali Aursnes, no caso de eles aparecerem – e é altamente improvável que não apareçam em mais de três meses... – a Lage restará ainda o caminho que passa por olhar para baixo. Em Janeiro de 2019, quando substituiu Rui Vitória, além de ter apostado logo em João Félix, que já estava no plantel mas passara a maior parte do ano no banco, fez subir Ferro e Florentino, para fazer face às lesões de Jardel e Fejsa. Os dois estavam com Nelson Veríssimo na equipa B, que tal como agora andava a cheirar os primeiros lugares da II Liga – com a diferença de que Lage também se ocupara do grupo em parte da temporada e, por isso, conhecia bem demais os jogadores. Na equipa B, mais uma vez dirigida por Veríssimo, que depois de uma série de aventuras longe do Seixal também está de volta, parece haver soluções viáveis para uma emergência no lateral Leandro Santos ou nos médios Rafael Luís e Diogo Prioste, o primeiro com raio de ação mais alargado que o segundo. Se desta vez optar por não promover ninguém, o que isto nos diz não é necessariamente que Lage passou a pensar de forma diferente. É, provavelmente, que não vê nas alternativas a qualidade que vislumbrou há seis anos – o que será um problema, porque o mais certo é que essa via seja absolutamente fundamental no próximo Verão. E são essas as contas, as das saídas e entradas futuras, que há-de ser preciso começar a fazer já para que o Benfica não seja apanhado na curva.
Nos últimos seis anos, desde o Verão em que transferiu João Félix para Madrid em cima do título de campeão nacional, o Benfica fez uma média de 150 milhões de euros por temporada em saídas, gastando em contrapartida uma média de cerca de 80 milhões ao ano em entradas (os números estão aqui, no Transfermarkt). Ainda que a pulsão de mexer se note em casos dificilmente explicáveis como os das entradas e saídas tão repentinas de Marcos Leonardo ou Rollheiser, por exemplo, não há-de ter sido só porque gosta. É certamente porque precisa. Mesmo que reduza as entradas, há um superavit de cerca de 70 milhões de euros ao ano que é preciso manter para a máquina continue a carburar. E a questão é a de saber onde é que o Benfica vai buscar esses 70 milhões de euros ou, mais ainda, onde é que vai buscar uns 100, para que depois possa reforçar-se onde precisa. É claro que, no Verão, o Benfica continuará a ter excedentários a colocar, mas ainda agora se viu como isso é complicado – Arthur Cabral, por exemplo, ficou no plantel, com a concorrência de dois emprestados, Amdouni e Belotti, a somar à de Pavlidis, e a reduzir-lhe o valor de mercado a cada semana que passa sem jogar. De resto, Kökçü pode valorizar-se, ainda que só um enormíssimo final de temporada permita antevê-lo a superar largamente os 25 milhões de euros pelos quais chegou. E haverá Carreras, António Silva ou Tomás Araújo, todos a implicar investimento na substituição, mais ainda no caso dos dois centrais se entretanto Otamendi acabar mesmo por sair em final de contrato.
Se conseguir realizar os tais 100 milhões em três destes jogadores (Cabral, Carreras e um dos centrais, por exemplo), o Benfica ver-se-á na necessidade de identificar no mercado soluções para a lateral direita, para o centro da defesa (duas, se Otamendi também sair), de pagar por um lateral-esquerdo, mesmo que ele seja Dahl (dez milhões de opção), e ainda de encontrar mais um médio posicional e um avançado, que vendendo Cabral e não exercendo a opção por Amdouni (20 milhões) só lhe sobraria Pavlidis. Tudo presumindo que se sair Di María o seu substituto já está em casa – é Schjelderup. Conseguir tudo isto por 30 milhões de euros, o excedente entre os 100 milhões que entrariam nessa perspetiva otimista e os 70 precisos para equilibrar as contas, será o equivalente a uma masterclass de mercado dificilmente imaginável a não ser que se aumente ainda mais a dependência dos jogadores emprestados – política que, no limite, tem vindo a desvalorizar o plantel de ativos próprios. O caminho parece bem claro e passa por começar a valorizar estes ativos. Mesmo que isso custe algumas dificuldades no presente – e em 2019 não custou – o futuro precisa dessa escolha.