Quatro perspetivas para o clássico
O FC Porto-Sporting, primeiro clássico da segunda volta, pode ser encarado de mais do que uma perspetiva: a classificação, a adaptação dos treinadores, o mercado e as ausências forçadas.

Palavras: 1353. Tempo de leitura: 7 minutos (áudio no meu Telegram).
Hoje (20h15, Sport TV1) há FC Porto-Sporting, o primeiro clássico da segunda volta – que toda a gente sabe é quando se decidem os campeonatos. Além dos jogos com o SC Braga, o Vitória SC e, porque não, o Santa Clara, as 13 jornadas que se seguirão à deste fim-de-semana ainda vão ter um FC Porto-Benfica e um Benfica-Sporting, mas isso não quer dizer que o desafio de mais logo possa ser encarado com leveza. As diferenças pontuais começam a ser relevantes e cada vez mais difíceis de recuperar, a partida é um ponto imprescindível de afirmação para as novas lideranças, um teste às alterações trazidas pelo último mercado e à condição de gente já firmada para ser relevante numa segunda metade da temporada que em breve colocará para trás das costas as condicionantes físicas. Da competência que dragões e leões revelarem na gestão destas variáveis sairá o resultado de mais logo.
A primeira variável, incontornável, é a classificação. Se o Sporting de Ruben Amorim parecia imparável – mesmo tendo perdido com o FC Porto de Vítor Bruno na Supertaça – e o de João Pereira deixou a ideia de que podia deitar tudo a perder, o de Rui Borges aproveitou a quebra de Benfica e FC Porto para não só recuperar como ampliar a vantagem que chegou a ter. Nas últimas quatro jornadas, o FC Porto desperdiçou dez pontos e o Benfica deitou ao lixo seis. Por sua vez, o Sporting só perdeu dois (em Guimarães), o que significa que entra neste fim-de-semana com mais seis do que as águias e mais oito que os dragões. Isto explica a razão pela qual o FC Porto precisa mais destes pontos do que o Sporting. Se empatar, a equipa azul e branca continua a oito pontos do líder e pode ficar a quatro do segundo lugar, desde que amanhã o Benfica ganhe em casa a um Moreirense que parece em quebra. Serão doze pontos a recuperar em 13 jornadas para ser campeã. Se perder, o cenário agrava-se, com onze pontos para os leões e eventualmente cinco para as águias. Tudo o que não seja a vitória hoje deixará o FC Porto demasiado longe para poder pensar no título. Mas isso não quer dizer que o Sporting entre menos pressionado. Os leões sabem que, mesmo perdendo hoje, continuarão no topo, mas o que define as grandes equipas não é só ganharem os jogos que têm de ganhar: é ainda ganharem aqueles em que a vitória não é absolutamente indispensável mas lhes serve para afastar de vez um adversário que pode vir a apoquentá-las mais à frente. O clássico de hoje nos dirá se este FC Porto e este Sporting aspiram a ser definidos como grandes equipas ou se acabarão como meras manchas na paisagem.
Muito do que sair desta primeira perspetiva dependerá do que aportam às duas equipas as novas lideranças. Rui Borges entrou no Sporting por alturas do Natal e, possivelmente porque a sequência de jogos que tinha pela frente – Benfica, Vitória SC, FC Porto, outra vez Benfica, Rio Ave e RB Leipzig – era particularmente exigente, adotou uma visão mais marcada pela busca da segurança. Martín Anselmi chegou ao FC Porto um mês depois, no fim de Janeiro, e porque terá sentido que a equipa precisava de um choque mental, fez o inverso, empurrando-a para o risco. A interpretação de Borges e Anselmi das suas estruturas táticas preferidas – o 4x2x3x1 e o 3x4x2x1 – é a prova acabada de que não é no sistema que se vê se uma equipa é mais defensiva ou ofensiva. O Sporting de Borges abdicou de um defesa mas passou a criar menos: tem uma média de 1.84 golos esperados nas cinco jornadas de Liga que disputou face aos 2.45 da soma das 15 rondas com Amorim e João Pereira. E atenção que o recente jogo com o Rio Ave (xG de 4.10) até lhe permitiu um novo recorde de criação, acima dos 3.95 da partida da primeira volta em Faro. Por sua vez, mesmo metendo mais um homem atrás e passando a defender-se com uma linha de cinco, o FC Porto assume mais risco. Só há dois jogos, não são uma base fiável para análise de médias, mas a essa sensação não será estranho o facto de Anselmi ter procurado revolucionar e Borges ter tentado sobretudo estabilizar. Daí que o argentino ande a usar gente atrás da sua casa tática natural, como fez com Eustáquio a central do meio ou pode vir a fazer com Varela ou até Moura no trio de trás, mais logo, face ao castigo de Otávio. E que o transmontano faça o inverso, subindo as opções no campo, com o defesa-central Debast a meio-campo, os alas Geny Catamo ou Quenda como extremos e os médios Bragança ou Simões no ataque.
A avaliar mais logo será ainda a influência do mercado no rendimento das equipas. Parece cedo para que William ou Tomás Pérez assumam já um papel fulcral na equipa do FC Porto – o que não quer dizer que não possam ser revulsivos vindos do banco... – ou para que Biel já se imponha nas escolhas leoninas. Além da natural titularidade de Rui Silva, guarda-redes que deverá ser pela primeira vez testado a sério – tem uma defesa em 270 minutos... – aquilo que o mercado mais provavelmente trará ao clássico de mais logo são ausências. As de Galeno e Nico González no FC Porto acima de qualquer outra. Um dos pontos altos do choque entre as equipas de Ruben Amorim e Sérgio Conceição foi sempre o encaixe nas alas. Quaresma impôs-se finalmente no Sporting no clássico de Alvalade da época passada, quando anulou Galeno. Este respondeu da melhor forma na final da Taça de Portugal, quando não se deixou apanhar nem por Saint Juste e o lance levou à expulsão do neerlandês, ou na Supertaça, quando baixou para lateral e foi das suas inserções que surgiu o FC Porto da virada no marcador. Desta vez, se a ausência de Nico pode exigir mais de um Rodrigo Mora que apareceu em Vila do Conde ao melhor nível da temporada, a de Galeno certamente preconizará um FC Porto diferente a atacar, com um extremo mais por dentro, a fugir do lateral leonino, e um ala profundo, papel em que Francisco Moura tem revelado alguns problemas. Seja como for, Rui Borges tem essa dificuldade acrescida: a de não saber com o que vai contar.
É mais previsível, nesse aspeto, o Sporting. Há dúvidas, claro, mais focadas na possibilidade de utilização de Gyökeres e Morita, dois jogadores que têm vindo a ser preservados para que a fadiga que têm revelado não se transforme em lesões de mais longa duração. Claro que não é a mesma coisa o Sporting atacar com o sueco, mais capaz do que Harder, tanto de explorar a profundidade como de aguentar a bola à espera da subida da equipa. Mas, como se viu na final da Taça de Portugal da época passada, um Gyökeres a meio-gás é insuficiente até para Zé Pedro – que nessa tarde, além da dificuldade física do adversário, teve a ajuda de os leões estarem com menos um desde cedo, atacando por isso com menos gente também. Em recuperação, Gyökeres falhou os últimos 180 minutos de jogo do Sporting. Não vai ao campo desde 25 de Janeiro, faz amanhã duas semanas. Após a final da Taça da Liga, a 11 de Janeiro (fará um mês no dia do jogo com o Borussia Dortmund) somou apenas 133 minutos em campo. Acredito que hoje joga, porém. E não é por achar que ele já está recuperado. É mesmo porque não tenho a mais pequena dúvida de que a Liga é o maior objetivo do Sporting, um objetivo ao qual Rui Borges certamente não se importará de sacrificar quaisquer outros. Do que agora mais precisa é de convencer disso os seus jogadores.
Rui Borges não terá de escolher um objectivo ou outro, mas tem de melhorar um sistema que, para mim, com estes jogadores, não dá.