Unir o que está dividido
Ao novo presidente do FC Porto estará reservada uma tarefa quase tão difícil como a que enfrentou Pinto da Costa em 1982. Não é só recuperar um clube em quebra. É unir um clube profundamente dividido.
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As eleições mais fraturantes e mais importantes de que me recordo no FC Porto são marcadas por uma questão simples de explicar mas complicada de deslindar. De um lado, a oposição, reunida em torno da candidatura de André Villas-Boas, reconhecendo a importância histórica do presidente dos últimos 42 anos na transformação do clube numa potência nacional e, até, enquanto o ecossistema o permitiu, internacional, aponta à atual liderança erros crassos de gestão e sugere ver neles vícios como o aproveitamento pessoal por parte de alguns dos seus elementos, garantindo que se for a escolhida dos sócios nada disso se prolongará para o futuro. Do outro, a situação, que pede a continuação do atual presidente, Jorge Nuno Pinto da Costa, não só rejeita todas as acusações como vai até além de sugerir e diz, com todas as letras, que os aproveitadores estão, isso sim, do outro lado, numa tentativa de apropriação de um clube que já quiseram fazer deles em tempos passados, dele desistindo assim que viram que o não conseguiriam, ao mesmo tempo que garante renovação de mentalidades e de equipa, através da apresentação de novos nomes.
Isto é, como se vê, simples de entender. Complicado, para os sócios, é depois decidir de que lado está a razão. É que a um ano péssimo, um ano como há muito não viviam no futebol, com ausência certa da próxima Liga dos Campeões e disputa na reta final do terceiro lugar com o SC Braga e até o Vitória SC, levando ao ganho de balanço da oposição no início da campanha e a uma série de operações de emergência protagonizadas pelo atual presidente, a dar algum sinal de desespero, se vem sucedendo a incapacidade do desafiador para provar com clareza total que será mesmo assim tão diferente, tanto no plano da seriedade como no da capacidade para fazer melhor. Os nomes apresentados, sendo válidos, não foram assim tão entusiasmantes e impactantes e podem não chegar para contrariar a retórica populista do “Porto contra o Mundo” que continua a marcar o percurso de Pinto da Costa – mais ainda quando se sabe que esta retórica colhe dividendos sobretudo na cidade e, sendo um entrave ao crescimento do clube para fora das suas fronteiras, enraíza-o entre os que amanhã irão votar. A questão não é tanto a de se saber se o FC Porto precisa de mudança e de renovação de ideais – que disso precisa, seja ela protagonizada por que lista for. A questão é a de se ver se aqueles que o têm suportado querem essa mudança, que se alargará muito para lá dos nomes ou da idade dos protagonistas.
Assim sendo, o que vai estar em causa na batalha de amanhã pelo futuro do FC Porto não são certezas mas apenas convicções – pelo que o maior desafio para cada uma das candidaturas passará por convencer os sócios, não a mudar de campo, que isso parece improvável, mas a deslocarem-se até às urnas para exercerem o seu dever e, em certa medida, a não gastarem as munições com a terceira candidatura, a de Nuno Lobo. Este ainda há quatro anos teve 4,9 por cento dos votos. Mas se há quatro anos esses votos acabaram por não ser relevantes, porque a oposição, personificada em José Fernando Rio – agora apoiante de Pinto da Costa – teve apenas uns ainda assim surpreendentes 26,4 por cento, desta vez o FC Porto pode ter um presidente por um Nuno Lobo de diferença. O próprio Lobo, que apresentou uma série de ideias muito válidas, sabe bem que não vai ganhar, mas esbarra neste momento na certeza de que o regime que sair das eleições não será parlamentar, de que não poderá usar os votos para influenciar decisões. Das urnas sairá um regime presidencialista, em que o vencedor fica com tudo e terá de passar a ser o presidente de todos os portistas. O que equivale a dizer que dali vai sair um clube muito dividido, uma vez que a polarização da campanha não facilitará o processo de reconciliação.
As últimas semanas foram marcadas por acusações mútuas, defendidas com unhas e dentes pelos apoiantes de cada um dos lados. Que Villas-Boas voltou as costas ao clube e à “cadeira de sonho” quando teve a possibilidade de ir ganhar bom dinheiro no Chelsea. Que Pinto da Costa nunca o fez, mas em contrapartida ganha demasiado no FC Porto. Que um sucesso da oposição representará a reentrada no clube de gente como Antero Henrique e a submissão a interesses como os de Joaquim Oliveira. E que, apesar da renovação da equipa dirigente, a vitória de Pinto da Costa significará que por lá continuam a aproveitar-se o lote de agentes a que este entrega recorrentemente negócios que depois se revelam ruinosos e que têm sido responsáveis pela situação cada vez mais difícil de uma SAD cujo presente é de falência técnica e cujo futuro a atual gestão se prepara para pôr em causa com as necessidades urgentes de refinanciamento. Villas-Boas já abdicou da postura inicial de não-confrontação, ao referir que não faz sentido que Pinto da Costa esteja a aproveitar estes últimos dias para assumir tantas decisões estruturantes, como o acordo de venda das receitas do estádio, a academia na Maia ou a renovação de Sérgio Conceição. Mas do lado da lista de Pinto da Costa olha-se para a candidatura rival como uma vã promessa de modernidade, sem concretização palpável e em oposição à obra feita em 42 anos – mesmo que tenha sido sobretudo nos primeiros 20 desses 42. É o alargamento sem certezas do Olival, o acordo falado mas naturalmente inconcretizável com instituições internacionais para o refinanciamento, a conversa que o candidato quer ter com Conceição...
Comecei por olhar para estas eleições com a ideia de que Villas-Boas podia disputar a cadeira da presidência a Pinto da Costa. Que a coisa iria, pela primeira vez, ser renhida. Depois, o avanço titubeante da lista do presidente, as entrevistas erráticas do líder, com insegurança e falta de domínio dos dossiers e o ridículo de relacionar a oposição com as más arbitragens de que o clube se queixa, tudo confrontado com a pujança da oposição nas ações de campanha e com os maus resultados do futebol conduziram-me à convicção de que o FC Porto ia mesmo mudar e que só o sentimento de gratidão dos sócios face a Pinto da Costa podia impedir essa mudança. Houve uma altura em que a lista de Villas-Boas construiu um ímpeto que parecia imparável – e disso se convenceu também o lado de Pinto da Costa, que entrou em fase de medidas desesperadas. Foi já em campanha que avançaram as obras da academia, que se fez o acordo de venda de 30 por cento das receitas do estádio para os próximos 25 anos, que se renovou contrato com Sérgio Conceição por quatro épocas – quando tanto presidente como treinador haviam garantido que o não fariam antes das eleições – e que se recuperou com avidez o discurso datado contra o centralismo e os meios de comunicação da capital. Foi um toque a reunir para o qual o lado de Villas-Boas não apresentou resposta, mas que pode ter contribuído para um reequilibrar dos pratos da balança no FC Porto profundo, que ainda por cima é o FC Porto que vai votar, numas eleições que decorrerão apenas e só no Estádio do Dragão, sem abertura aos portistas do resto do país e do Mundo.
Mesmo dividido, o FC Porto terá amanhã presidente para mais quatro anos. Seja quem for a vencer, de uma coisa podem ter a certeza: estes últimos meses terão deixado sequelas e o novo líder terá vida muito difícil. Tanto quanto a recuperação do clube, esta reunificação será o grande desafio que se apresenta ao novo líder.
Eu espero que o presidente mais titulado do mundo ganhe as eleições, isso é o que gostaria mas acho que o outro candidato vai ganhar, o que eu ainda não entendi é quem são as forças que estão por trás dessa candidatura?