Uma sopa com duas cabeças
Bruno Fernandes foi, a grande distância, o jogador da qualificação para o Europeu. Martínez tem sido inteligente na evolução tática e estratégica da seleção, mas falta-lhe somar Bernardo ao caldo.
Consumada a qualificação de Portugal para o Europeu de 2024, já é possível dizê-lo: o craque da seleção nestes sete jogos foi Bruno Fernandes. Roberto Martínez disse ontem, já na Bósnia, que era “um sonho” poder ter um jogador como o médio do Manchester United e não o terá feito só em função das sete assistências e dos quatro golos que ele assinou nas sete partidas de qualificação já disputadas. Bruno Fernandes, pela sua capacidade de alternar jogo curto, drible, jogo longo, último passe e remate é o jogador mais completo da equipa, o que melhor entende as necessidades de cada momento, se aquilo de que a seleção necessita é de bola rápida na frente ou de pausa e temporização – sendo que tem a capacidade técnica e tática de lhe oferecer as duas coisas alternadamente. Passado que está o auge de Cristiano Ronaldo – que, ainda assim, mostrou contra a Eslováquia que pode ser útil, não só pelos golos mas por ter sido ele, tantas vezes, a segurar a equipa com a sua experiência em momentos que podiam ser de maior dúvida –, é justo que se diga que esta seleção tem dois jogadores absolutamente superlativos: Bruno Fernandes e Bernardo Silva, assim uma espécie de Kevin De Bruyne e de Eden Hazard de Portugal. Como não tem um Lukaku na frente, Martínez tem de encontrar um contexto diferente do que lhe permitiu colocar os belgas no topo do ranking – ainda que não conquistando troféus. E é inquestionável que se a articulação preferida pelo espanhol, com Bruno aos comandos e Bernardo a partir da direita do ataque, tem levado a um cada vez maior destaque do primeiro, terá da mesma forma responsabilidade na transformação do segundo num jogador de equipa, sem o destaque que lhe seria permitido pelo cérebro futebolístico incomum de que também dispõe. As conjugações táticas que a presença dos dois num onze permitem são inúmeras, mas também a mim me parece que se é para escolher uma cabeça e um jogador capaz de procurar desequilíbrios a partir da faixa a melhor opção é esta, com Bruno aos comandos e Bernardo a vir da ala para dentro. Bernardo pensa igualmente bem o jogo, mas como não é tão forte na bola rápida na frente, no esticar da equipa, corria-se o risco de levar a seleção para um futebol mais circular, ao passo que Bruno sai bem da faixa, não cruza mal, mas perde influência se for afastado do centro do jogo. A solução mais simplista, o 4x3x3 com os dois ao meio, pode parecer tentadora, mas a verdade é que fracassou sempre que foi tentada, provavelmente por falta de definição de hierarquia e por não ser possível ter dois cozinheiros a fazer uma só sopa. O que é pena. A seleção nacional tem vindo a introduzir no seu jogo algumas dinâmicas táticas mais complexas, nuances estratégicas interessantes, à medida que soma jogos com o novo treinador, mas uma das que tem de experimentar mais vezes até já vem dos tempos de Santos e passa pelas trocas posicionais em andamento entre Bruno e Bernardo, com o primeiro a partir do meio e o segundo da faixa. Porque De Bruyne acabou por ganhar a corrida a Hazard, mas não só seria uma pena que a seleção de Portugal forçasse Bernardo ao mesmo destino do médio que recentemente se retirou do futebol como talvez a ausência de um troféu capaz de assinalar a junção daquela geração de ouro se deva ao facto de nunca a Bélgica ter sabido conjugar bem o futebol dos dois.
Nova solução, as mesmas dificuldades. A primeira parte de Portugal contra a Eslováquia foi francamente boa e devia ter chegado ao fim com uns quatro ou cinco golos nas redes de Dubravka. Na segunda parte, os eslovacos voltaram à identidade que tinham tentado no jogo de Bratislava, a apertar a saída de bola portuguesa, e Portugal voltou a sofrer – ainda que aqui não deva ser esquecido o papel desempenhado pela chuva inclemente, pelo 2-0 que se via no marcador e pela falsa sensação de segurança que a primeira parte podia ter provocado. Se em Bratislava, quando Portugal tentava sair por António Silva, João Palhinha (que baixava) e Rúben Dias, colocando depois Cancelo por dentro numa segunda linha, aos eslovacos bastou responder com a subida dos seus três atacantes, de maneira a forçar um três para três do qual os portugueses raramente tiveram agilidade para sair, no Dragão Martínez mudou a saída de bola, que passou a fazer com os dois laterais menos projetados, desistindo de baixar Palhinha. À saída por Cancelo, António Silva, Rúben Dias e Dalot, Calzona respondeu na segunda parte do Dragão com três atacantes mais um médio, Bénes, forçando agora um quatro para quatro. E Portugal continuou a sofrer e a sujeitar-se a um futebol feito de chutão longo na frente que levou ao partir do jogo e à criação de inúmeras situações de transição que até podiam ter-nos favorecido com melhor tomada de decisão na frente – onde havia necessariamente espaço – mas que redundaram num desafio de resultado incerto. A saída de bola é, com três jogos de qualificação e mais um par de particulares por jogar, o maior ponto de dúvida na equipa que Portugal vai levar ao Europeu de 2024.
As contas do FC Porto. Que a SAD do FC Porto ia fechar o exercício de 2022/23 com avultado prejuízo (foram 47,6 milhões de euros) já não era novidade para ninguém. Que mesmo assim os administradores da SAD tenham distribuído entre eles prémios de fazer corar qualquer observador externo, é coisa para ser apreciada pelos acionistas, o maior dos quais, claro, é o clube, que até tem eleições marcadas para a próxima Primavera. Que, face aos 54 milhões de lucros dos últimos dois anos, não ia haver preocupação imediata com o fair-play financeiro, também já se sabia e era fantasma agitado apenas por quem não se deu sequer ao trabalho de perceber como as coisas funcionam nos regulamentos da UEFA, que consolidam resultados a três anos. O que as contas da SAD do FC Porto mostram é que a sociedade terá dificuldades em inverter a situação nos próximos anos, praticamente desbaratada que está, em erros de gestão a montante e a jusante, a geração de talentos que lhe deu a conquista de uma UEFA Youth League. “Mas nas contas ainda não está a venda de Otávio, que foi feita depois de fechar o exercício”, lembram os mais otimistas. É verdade. Mas também não estão as entradas de Alan Varela, Fran Navarro e Ivan Jaime, para onde escapou mais de metade do valor encaixado com a “jogada de póquer” que foi o atraso da transferência do luso-brasileiro para o Al Nassr – uma “jogada de póquer” em que, até pelas boas declarações de Pinto da Costa acerca de Ronaldo antes do último Portugal-Eslováquia, há razões para crer que havia conhecimento das cartas que estavam na mesa. As novas regras de sustentabilidade da UEFA permitem aos clubes julgados “em boa situação financeira” acumular prejuízos de 60 milhões em três anos. É duvidoso que possa considerar-se “em boa situação financeira” uma SAD que tem capitais próprios negativos de 176 milhões de euros, mas até isso se dá de barato. O que é bastante preocupante, aqui, é verificar que mesmo que o exercício de 2023/24 encerre com lucro – o que está longe de estar garantido a não ser que saia Diogo Costa, o ativo mais valioso da SAD neste momento –, para evitar incumprimentos vai ser necessário repetir a graça em 2024/25. E não se adivinha muito mais para onde o mercado possa virar-se.
Em relação às contas do FCP, existe sempre a possibilidade de vender jogadores. Claro que não por milhões como Vitinha ou Fábio Vieira ou Otávio. Mas conseguirão fazer sempre boas vendas. O que estranho é que venderam Fábio Vieira ao Arsenal, Vitinha ao PSG e Fábio Silva (penso que se chama assim) ao Wolves. Onde está o dinheiro? Os dinheiros, nestas SADs desaparece. Mesmo o SCP ou o SLB vendem por números enormes mas estão sempre com dívidas enormes. Sei que não percebo nada de dinheiros mas o que acho estranho é isto.