Uma originalidade lusitana
Portugal é, das nações de topo no futebol europeu, a única que começa a competição com a Taça em vez de meter já a Liga entre as seleções e o regresso das competições europeias. Isso é bom ou mau?
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Os jogadores foram chegando das seleções, muito a conta-gotas, porque alguns ainda tiveram jogos na madrugada de terça para quarta-feira e outros vieram praticamente dos antípodas, mas hoje há competição outra vez. É às 20h45 que o Sporting recebe o Amarante FC, da Liga 3, num jogo que, se tudo correr como esperado, suscitará mais interesse na procura dos sinais identitários do novo treinador leonino, João Pereira, do que pela discussão do resultado. Mas o debate cresceu na mesma em torno desta particularidade portuguesa, que é a marcação das eliminatórias da Taça de Portugal para o fim-de-semana que se segue às datas FIFA de jogos de seleções – já tinha sido assim em Outubro –, em vez de se promover o regresso dos campeonatos. Há quem ache mal. Respeito essa visão, mas a mim parece-me uma excelente ideia, tendo em conta o cada vez maior congestionamento dos calendários, ele sim o grande problema.
Diz o ditado que não se pode “ter sol na eira e chuva no nabal”. A 10 de Novembro, o domingo que antecedeu a concentração das seleções, vimos Vítor Bruno e Carlos Carvalhal apresentar como justificação para as derrotas o facto de terem tido apenas as 72 horas regulamentares de repouso entre as jornadas europeias e a ronda de campeonato que opôs as suas equipas a Sporting e Benfica, agraciados com períodos mais extensos de recuperação – o FC Porto e o SC Braga, bem como o Vitória SC, são prejudicados nessa matéria, porque as competições europeias em que estão se jogam predominantemente à quinta-feira. Já tinha antecipado o problema na edição da Entrelinhas que anunciava esse Super-Domingo (que pode ler aqui). E, tivesse o sorteio da Taça de Portugal sido mais difícil para o Sporting e o Benfica – os leões recebem o Amarante FC e as águias serão anfitriãs do ainda assim mais forte mas na mesma acessível Estrela da Amadora –, seria provável que fossem os seus responsáveis a vir queixar-se agora por terem de jogar sem algumas das suas figuras, que quase nem se treinaram desde que chegaram das seleções. Porque agora o congestionamento funciona ao contrário e o Sporting tem de jogar já hoje, apenas 67 horas depois de Maxi Araújo e Israel terem estado no Brasil-Uruguai, porque essa é a forma de descansar antes de defrontar o Arsenal (na terça-feira). E o Benfica fá-lo-á amanhã, para beneficiar do mesmo período de recuperação antes da deslocação ao Mónaco (na quarta).
Não é bom para o campeonato enfrentar uma pagarem tão longa? Não, de facto. Serão 19 dias de interrupção entre o SC Braga-Sporting de dia 10 e o Farense-Estrela da Amadora de 29. São três semanas menos dois dias. Quase chega para o público se esquecer da posição do seu emblema de coração e precisar de um tutorial de reentrada na competição. Mas já tinha sido assim em Outubro, quando os mesmos 19 dias separaram o FC Porto-SC Braga de dia 6 do Casa Pia-Nacional de 25. O resto da Europa não faz as coisas assim: neste fim-de-semana há Liga em Inglaterra, Espanha, Itália, Alemanha, França, Países Baixos e Bélgica, por exemplo, o que mantém vivo o interesse do público nas provas. Mas ao mesmo força as equipas com mais internacionais e importantes compromissos europeus a seguir a enfrentar os jogos desta jornada diminuídas. Não é um escândalo, não afeta a verdade desportiva e, vou mesmo mais longe: até parece aceitável. Sempre fui contra o excesso de condicionantes nos sorteios das Ligas, impedindo, por exemplo, que haja jogos entre europeus nas semanas imediatamente antes ou depois de rondas uefeiras, porque me parece que se eles vão buscar o dinheiro à Liga dos Campeões também estão a criar condições para terem plantéis mais vastos e ricos e, por isso, não têm de ser protegidos. As condicionantes devem existir, sim, mas para proteger os mais fracos, nunca os mais fortes. E até isso é garantido por esta particularidade que manda recomeçar com a Taça de Portugal, porque não há prova que ponha frente-a-frente mais assimetrias do que esta. É mais fácil aos pequenos que calhem em sorte aos grandes discutir os jogos contra os craques das seleções ou enquanto estes se encontram a repousar dos compromissos internacionais?
Esta originalidade lusitana pode ser complicada de gerir por equipas que, de repente, sejam eliminadas da Taça de Portugal logo na primeira vez que entrem em prova. O Estoril, o Boavista e o Nacional, que foram afastados da Taça em Outubro, vão estar três semanas sem jogar – e nem tiveram a debandada geral para as seleções que afeta os grandes, o que quase introduz uma segunda pré-temporada nos seus micro-ciclos de treino. Mas, feitas as contas, nem isso há-de ser assim tão comum, numa terceira eliminatória em que, lá está, não há equipas de I Liga a jogar umas com as outras, nem parece ser um problema capaz de nos fazer esquecer o bem maior. Porque se de repente se marcasse uma jornada da Liga para este fim-de-semana e os grandes, mais afetados pela ida de jogadores às seleções, exigissem entrar nela na força máxima, íamos ouvir queixas na terça e na quarta-feira na eventualidade de as coisas não lhes correrem bem na Liga dos Campeões. Porque o problema real não é o facto de haver Taça de Portugal ou Liga esta semana. É, sim, o facto de, no topo, os calendários estarem cada vez mais congestionados e não haver uma tentativa séria de harmonização de interesses entre clubes e seleções. É a busca permanente pela receita continuar a forçar treinadores de clube e de seleção a tornar competitivas equipas que nem têm tempo de preparar no treino. Essa é que é a decisão que falta tomar. A de se marcar os 32 e os 16 avos de final da Taça de Portugal para os fins-de-semana que se seguem às datas FIFA e que antecedem as rondas da Liga dos Campeões é apenas uma boa originalidade na forma de dar a volta a uma situação que cada vez mais se aproxima do ingerível.
Apesar de achar que na paragem de outubro, as competições regressem com a taça de Portugal, já em novembro acaba por não fazer grande sentido. Todos os quatro escalões nacionais irão estar parados três semanas, tendo neste período havido jogos para acerto de calendário. Creio que está paragem será mais prejudicial para os clubes da liga 3 e do Cp, onde apesar de tudo sem receitas, terão que ser pagos os ordenados aos jogadores.
Tenho a opinião, certamente impopular porque o adepto tem medo de mexer nas competições mais tradicionais, de que a Taça de Portugal deveria ser repensada, de uma forma que também nem sei se seria possível. Passaria pela entrada imediata de todos os participantes na Taça, incluindo da primeira liga, num sistema com cabeças de série em que as equipas da mesma divisão não se poderiam enfrentar (até ser possível), com as equipas da primeira e segunda liga a jogar sempre fora, até uma fase mais adiantada. Ou até uma fase de grupos que permita às equipas das divisões inferiores jogar em casa. Mas qualquer alteração de competição e de calendário teria de ser discutida com todos, mas a FIFpro que devia defender os jogadores, está mais interessada em fazer equipa com a UEFA e cada interveniente está mais interessado em fazer dinheiro à custa da saúde dos jogadores.