Uma final verdadeira
A final do Jamor mostrou-nos em 90 minutos a verdade das equipas de FC Porto e SC Braga. Os dragões fiéis à pressão acima de tudo, os minhotos curtos sempre que o rival aperta mais um pouco.
Há verdade nalgumas finais. A final da Taça de Portugal, entre FC Porto e SC Braga, foi do mais verdadeira que podemos encontrar: os dois treinadores chegaram à mata do Jamor e puseram as cartas em cima da mesa, permitindo-nos a todos compreender que o naipe azul era mais forte do que o vermelho, sem trunfos escondidos na manga. O jogo não foi maravilhoso, logo a começar porque quase não houve jogo na primeira parte, gasta entre a demonstração de capacidade de pressão do FC Porto e a consciencialização da incapacidade de lhe escapar por parte do SC Braga. Se o problema era a distribuição de Al Musrati ou André Horta, se era essa capacidade inata de Iuri Medeiros, Ricardo Horta ou Bruma para encontrarem o golo a partir dos três quartos-do-campo, resolve-se o problema tirando-os do jogo – e foi isso que Sérgio Conceição conseguiu com a pressão forte na saída de bola do adversário, fechando o caminho dentro e forçando o erro. O “equilíbrio” daí nascido, na segunda metade da primeira parte, resultou de dois fatores: mais bola longa do SC Braga, a assumir a incapacidade para construir em condições e a fazer depender o sucesso da sua missão da capacidade dos seus homens da frente para ganharem segundas bolas, e espera do FC Porto pela altura de assumir a fase dois da missão, que era a criação. Os dragões já tinham estado sempre mais perto da baliza rival na primeira parte, mas apenas fruto do local onde se colocava o fulcro do jogo, isto é, onde eles próprios estabeleciam a linha de pressão. Faltava a parte fundamental, que era surgirem os seus próprios desequilibradores. E foi isso que aconteceu logo a abrir a segunda parte. Al Musrati mais encolhido numa dividida, bola descoberta para Otávio no corredor central e um convite à profundidade na largura por parte de Galeno foram o suficiente para forçar o golo na própria baliza de André Horta. Com o FC Porto a ganhar, o desgaste normal e sobretudo a expulsão de Wendell, que impediu ainda mais a pressão portista, o jogo mudou, mas aí viu-se a inexperiência nestes jogos de toda a equipa do SC Braga, por um lado descrente nos seus próprios processos, que agora tinham mais possibilidades de vingar, por outro precipitada na vontade de os abandonar com demasiadas mudanças. O FC Porto ganhou a Taça de Portugal e o seu guarda-redes não teve de fazer uma defesa na final. Sinal mais evidente de que ganhou o melhor não pode haver.
E agora? Acabou a época para as equipas de topo em Portugal e o foco está muito mais no FC Porto do que no SC Braga. Em Braga, Artur Jorge pode menosprezar à vontade a incapacidade para se impor nos jogos contra os três grandes – uma vitória em nove jogos, 8-21 em golos – e contrapor-lhe o facto de ter sido terceiro na Liga, mas é isso que lhe falta para crescer, até em termos europeus. Caso contrário, o embate com as pré-eliminatórias da Champions pode ser cruel. No lado do FC Porto, muito do que vai suceder está na cabeça de Sérgio Conceição. Fica? Sai? A necessidade de fazer mais-valias no mercado deste Verão somada à exiguidade de opções quando se pensa em vendas verdadeiramente lucrativas e por valores capazes de compensar a perda de rendimento desportivo – Diogo Costa, Pepê... – e à falta de escolhas e profundidade aparentes no plantel torna a continuidade do treinador ainda mais premente do que noutros anos. Conceição já foi comparado a Pedroto ou a Mourinho nos títulos que conquistou, mas suplanta-os claramente na capacidade para tirar rendimento da escassez que eles raramente enfrentaram. Resta perceber se a sua saída, que ocorrerá sempre, mais tarde ou mais cedo, terá os mesmos efeitos no abalo telúrico que a perda dos seus antecessores teve no grupo. A sensação que fica é que a continuidade de Conceição – que tem mais um ano de contrato, é bom que se diga – é verdadeiramente fundamental para Pinto da Costa. O que isso provoca na balança de poder azul e branca é coisa para se ver nos próximos tempos.
“Recebes o que pagas”. Esta é uma daquelas expressões que resulta muito melhor em inglês. “What you pay is what you get!”. É inevitável que se pense nisso ao ver a insólita – e eu diria ainda inexplicável e inaceitável – forma como os adeptos do Paris Saint Germain assobiaram Messi no dia da despedida do argentino do Parque dos Príncipes, ainda por cima uma data em que se celebrava a conquista do título francês, se comparada com a ovação do Santiago Bernabéu no momento em que Carlo Ancelotti tirou de campo Karim Benzema para lhe permitir a despedida que ele fez por merecer em década e meia de serviços prestados ao Real Madrid. Messi não é um mercenário por ter ido jogar dois anos no PSG, quando o seu clube, o FC Barcelona, deixou de poder comportar o peso dele na sua folha salarial – tanto que há hipóteses de lá voltar. Da mesma forma que Benzema não será um mercenário se for agora jogar para a Arábia Saudita, onde se oferecem para lhe pagar este Mundo e o outro de forma a restabelecer a parceria com Cristiano Ronaldo, ainda que agora com camisolas diferentes, na promoção da Liga local. A diferença entre a gratidão dos adeptos sauditas – ou cataris, ou emiratis... – e a insolência dos parisienses está na noção. Os primeiros sabem e aceitam que as vedetas que conseguem atrair só vão para lá jogar pelo dinheiro – e tiram proveito disso. Os segundos continuam a viver a ilusão-caviar de que são grandes ou que podem sê-lo sem o dinheiro do QSI e não entendem que ao assobiarem o mercenarismo de Messi estão a apupar a génese do seu próprio projeto desportivo. No fundo estão a dizer ao Mundo: “Que burros que nós somos!”