Uma caderneta cheia de repetidos
Uma equipa faz-se de complementaridade, de diferenças. Em Dublin, Santos fez do combate físico a motivação principal para a construção do onze. O resultado foi o pior jogo da seleção de que me lembro.
O empate (0-0) obtido por Portugal ontem em Dublin, com a voluntariosa mas muito limitada equipa da República da Irlanda, foi um dos piores jogos da seleção nacional de que tenho memória – e atenção, que além de comentar os jogos na RTP há quinze anos, já acompanho a equipa há uns 30. Portugal até teve mais posse de bola do que o adversário, mas criou pouco mais de zero, fruto de dois problemas fundamentais, de génese. Primeiro, na construção do onze, que em vez de ser feito na perspetiva de impor os nossos argumentos, relacionados com a circulação de bola rápida e a criatividade, foi pensado para superar os irlandeses no que eles são mais fortes, que é o poder físico – e isso era impossível, sobretudo em Dublin. Depois, naquilo que se queria do jogo. E tudo o que os portugueses queriam deste jogo se resumia a uma coisa: que ele passasse rápido.
A boa notícia é que já passou. O empate a zero não “vale o mesmo do que uma vitória por 5-0”, como no final disse Fernando Santos, a não ser em termos de qualificação, onde de facto nos permite as mesmas benesses: fazer a qualificação depender de outro empate no jogo decisivo, o de domingo, com a Sérvia, na Luz. Mas o que se passou ontem no relvado do Aviva Stadium extravasa a questão matemática da qualificação. A exibição da equipa nacional foi tão pobre que pode ter o condão de fazer a Sérvia acreditar mais na hipótese de vir ganhar a Lisboa e o defeito de pôr os portugueses a desconfiar mais das suas próprias capacidades. De acordo com as estatísticas reveladas pelo GoalPoint, Portugal teve ontem a mais baixa posse de bola de toda esta fase de qualificação (51%), a pior eficácia de passe (81%), o menor total de remates enquadrados (três) e apenas 17 ações na área adversária, número que só tem comparação nas 16 conseguidas na Sérvia. Este jogo, ainda assim, teve a atenuante de ter passado a ser gerido de outra forma a partir do momento em que a seleção nacional se encontrou a vencer por 2-0 antes do intervalo.
Só para ficar com uma ideia, até ao jogo de ontem, a seleção nacional tinha, em média por jogo, nesta fase de qualificação do Mundial’2022, 38 ações na área adversária (mais do dobro do que fez ontem), nove remates enquadrados (o triplo de ontem) e 21 remates no total (quase o dobro dos 12 que fez ontem). Não foi, portanto, um problema de eficácia. Foi um problema de qualidade de construção e de criação, a impedir que a equipa chegasse ao último terço do campo em boas condições para definir. Sempre que pressionada na sua primeira fase de construção, a equipa de Portugal regularmente dava um chutão por alto para a zona de meio-campo, onde a bola era disputada por um jogador de cada equipa e invariavelmente ganha pelos irlandeses – se não no duelo inicial, pelo menos na rapidez de chegada à segunda bola. E isto aconteceu mesmo tendo Fernando Santos elaborado um onze invulgarmente forte do ponto de vista físico: a altura média do onze de Portugal no jogo de ontem era de 1,84m, sendo o jogador menos alto e robusto em campo o lateral direito Nélson Semedo, com 1,77m.
Ao contrário do que se supõe nas reações que fui tendo nas redes sociais aos comentários que fiz em direto ao jogo, a responsabilidade para a pobreza da exibição de Portugal não foi individual. Não foi porque jogou este e não jogou aquele, porque jogou um homem deste clube e não jogou daquele ou porque estiveram em campo jogadores deste empresário e não daquele. Isso, francamente, é folclore que não interessa nada. Ontem, em Dublin, Portugal teve dois tipos de exibições: más e muito más. Mas não foi por aí. A primeira responsabilidade deve ser encontrada na falta de complementaridade de um onze onde havia demasiados repetidos e pouca diversidade, porque foi feito numa lógica de combater o ponto forte do adversário e não de impor os nossos próprios pontos fortes. E, aí sim, muito mais do que no sempre tão criticada opção de fazer jogar “dois trincos”, Fernando Santos revelou mentalidade de treinador de equipa pequena.
Em que é que Portugal é forte? Na criatividade e na circulação de bola, na movimentação, na criação de combinações que desequilibrem o adversário, seja ele qual for. E em que é que Portugal pôs todas as fichas? Na capacidade para lutar corpo a corpo com uma equipa irlandesa que, já se sabia, mais ainda a jogar em casa, apoiada pelo público de Dublin, deixa corpo e alma em cada bola dividida. Esse era um jogo que nunca poderíamos ganhar, nem que entrássemos em campo com onze Palhinhas – provavelmente o português mais forte nos duelos – porque do outro lado estariam inevitavelmente onze Palhinhas incrementados a esteroides, que no caso são os gritos do público.
Palhinha é, para mim, fundamental nesta equipa, porque é, dos médios, aquele que assegura maior abrangência na ação defensiva, sendo capaz de ir ganhar bolas bem à frente, no meio-campo adversário. Até achei um risco excessivo tê-lo colocado em campo ontem, porque estava a um amarelo da suspensão e quero tê-lo para defrontar a Sérvia. Mas a equipa tem de ter gente com condições para sair a jogar desde trás, tem de ter médios ágeis na ligação de jogo e na capacidade de fazer circular a bola em vez de a carregar nos pés, tem de ter avançados capazes de aparecer a criar entre linhas em vez de apostar tudo na velocidade e na busca da profundidade. Todas as cadernetas têm cromos diferentes uns dos outros. Na de Portugal, ontem, estava quase tudo repetido.
Acho que Portugal fez um jogo diria mesmo horroroso em todos os aspetos.
A forma como Portugal entrou em campo,sem um médio de ligação como Moutinho,que faz a equipa circular a bola com mais qualidade não fez qualquer sentido.
Não tirando qualidade a Matheus,mas este jogo não era de todo para ele,a equipa precisava de um médio que pudesse gerir a equipa com uma batuta e não alguém que leve tudo à frente.
Em resumo,falta de complementaridade como falou,mas acima de tudo falta de inspiração e jogo mal abordado no ponto de vista técnico por parte do treinador,que não pode vir dizer o que disse no final...o ciclo de FS devia ter terminado após o Euro2020.