Sobre o desrespeito
Vivemos rodeados de tentativas de controlo de danos, mais eficazes quanto menor for o desrespeito. É por isso que ninguém compra a narrativa de Rubiales e o Benfica superou os casos de início de época
Vlachodimos deixou-se fotografar e filmar, sorridente e empático, à saída do centro de treinos do Benfica, enquanto tirava selfies com os adeptos que lá estavam e lhes assinava autógrafos em camisolas. Ao mesmo tempo, Neres dizia, em entrevista à BPlay, a plataforma audiovisual do clube, que está “determinado” e “focado”, “independentemente do tempo de jogo” que vier a ter. Em Espanha, garantem os jornais, Jenifer Hermoso terá recusado participar no vídeo com o atabalhoado pedido de desculpas de Jose Luis Rubiales, o presidente da Federação, por causa do beijo na boca com que este surpreendeu a jogadora nos festejos do título mundial. A comparação pode parecer muito forçada, qualquer que seja o ângulo pelo qual se encarem os factos, seja o do trabalho de controlo de danos ou o do desrespeito. Ambas as instituições – Benfica e Federação Espanhola – fizeram o seu trabalho comunicacional, mas se o clube português fez vingar a sua narrativa, que ontem já andava nas bocas dos adeptos, que logo a passaram da ponta dos dedos aos teclados, garantindo que Neres está orgulhoso por estar dentro e que Vlachodimos nem se importará muito se de repente passar a ser terceiro guarda-redes, os espanhóis estão cada vez mais afundados em problemas, a ponto de se ter percebido que, mesmo sem ter o poder para levar a esse desfecho, o próprio primeiro-ministro, Pedro Sánchez, gostaria que Rubiales se demitisse. A diferença justifica-se pelo outro ângulo, o que nos leva a comparar o nível do desrespeito de cada situação. Além do seu inaceitável abuso de posição dominante, sobre uma jogadora de uma equipa de que ele é máximo responsável – ainda por cima público, com as TVs de todo o Mundo a mostrarem em direto –, Rubiales foi desrespeitoso na primeira reação, o que mais do que duvidar nos permite ter a certeza de que não é sincero no pedido de desculpas que fez depois. Quando veio chamar “idiotas” aos que lhe criticaram o beijo roubado à jogadora mostrou que, no fundo, achava que estava no seu direito de lho impor. Ora é aqui que as situações acabam por se separar inapelavelmente, o que de certa forma me leva a manter alguma esperança no discernimento da raça humana. É que não só os futebolistas sabem que num plantel são sempre pelo menos 25 a querer jogar – e todos com a moral em altas, porque isso é próprio de futebolistas de elite –, como acaba por ser evidente para todos que a competitividade de uma equipa depende em grande parte da sua capacidade para acumular mais do que uma opção válida para cada posição ou função. Que não há nenhum desrespeito no ato de preterir alguém, mesmo que, como Ristic, se seja o único lateral esquerdo disponível e na posição acabe por jogar um médio-centro destro, no caso Aursnes. Todos os jornais de hoje garantem que da reunião do “estado maior” do futebol do Benfica, que teve lugar ontem, terá saído a decisão de não transferir nenhum dos jogadores com quem Roger Schmidt conta – Neres e Vlachodimos, mas também Florentino e Morato, por exemplo. Quando vejo a mesma notícia publicada em todo o lado, com os mesmíssimos detalhes, das duas uma: ou ela é verdadeira ou foi muito bem comunicada. E, atenção, não excluo a possibilidade de acontecerem as duas coisas, de esta rotura com o passado “vieirista” ser real ao mesmo tempo que é também “publicitada” pelo executivo liderado por Rui Costa. Independentemente de achar que Neres justifica mais utilização (como vos disse aqui) ou que Vlachodimos não é assim tão mau como o pintam (e também o expliquei aqui), sei que o Benfica poderá ser mais forte se o treinador tiver mais opções ao seu dispor. Ser capaz de as gerir de forma justa e de manter todos felizes e a remar para o mesmo lado é a função que Schmidt tem hoje – e que não tinha há um ano, quando apostava regularmente no mesmo onze. A necessidade de controlo de danos que já se viu ao fim de três semanas de competição pode levar muitos observadores a achar que a coisa não está a correr bem, mas parece-me que terá mais que ver com a derrota no Bessa – que agita e inquieta as hostes, faz duvidar dos titulares e enche o peito de ar aos suplentes – do que com problemas reais. Mas que a tarefa será árdua, disso não me sobram dúvidas.
Coates e a bola descoberta. O Sporting sofreu três golos neste campeonato, dois deles após passes feitos do corredor central para o espaço atrás da última linha, a convidarem a diagonais para as costas do central do meio, no caso Coates. Nada daquilo que Rúben Amorim disse em público leva à responsabilização do uruguaio, mas mesmo quando ele afirma que “os centrais deviam ter estado mais juntos”, porque a bola vinha do espaço interior, me parece que está a assinalar apenas parte da questão. A outra parte é a de que com bola descoberta – isto é, não pressionada – ali não há muito que os centrais possam fazer a não ser rezar pela aselhice dos adversários. O problema está então no meio-campo, na ausência de um médio antagonista como era Ugarte, na incapacidade de Morita para a função? Também não, como se viu por exemplo contra a Juventus, na época passada, quando Morita foi o seis e Pedro Gonçalves o oito. Há quem diga que o futebol é um jogo simples e que quem o complica somos nós, os que pensamos sobre ele, mas discordo cada vez mais dessa ideia. Ainda há dias, na entrevista de que vos falei aqui, o treinador do Brighton, Roberto de Zerbi, o negava. “Como pode ser uma coisa simples quando se defrontam 22 homens, com todas as variáveis que isso implica?” Há demasiadas formas de se fazerem as coisas para se achar que o futebol é assim tão simples e a perfeição está no encadeamento de fórmulas e decisões que encaixem umas nas outras. Há duas maneiras mais usuais de impedir que os adversários te metam bolas nas costas dos centrais. Uma é não lhes permitir espaço e tempo com bola descoberta no corredor central. A outra é baixar tanto a linha defensiva que lhes falte espaço para atacarem a profundidade. Qual preferem? Depois, há duas maneiras mais básicas de impedir que o opositor tenha bolas descobertas no meio do campo. Uma é encher a zona de cães de guarda assanhados, sempre difíceis de encontrar, sobretudo se depois se quiser que também saibam jogam com bola. A outra é não oferecer a bola com buscas incessantes do jogo direto que alonga a própria equipa, aumenta o espaço entre linhas e parte o jogo, transformando-o num jogo de transições permanentes. Liderar, aqui, é escolher o caminho. Mas não me digam que o futebol é simples e que nós é que andamos a complicá-lo.
O destino de Félix. Félix Correia foi apresentado como reforço do Gil Vicente. O extremo de 22 anos foi estrela da formação do Sporting e jogou a final do Europeu de sub19 em 2019, ao lado de Vitinha, Fábio Vieira ou Gonçalo Ramos, perdendo-a contra a Espanha de Ferrán Torres e Bryan Gil, mas também dos bracarenses Abel Ruiz e Victor Gómez e do estorilista Alejandro Marqués. Nesse Verão transferiu-se para o Manchester City, que o emprestou ao Alkmaar. Um ano depois saiu para a Juventus, equipa na qual jogou seis minutos na Serie A, antes de voltar a ser emprestado ao Parma (Serie B) e ao Marítimo (desceu de divisão). Félix já representou alguns dos maiores clubes da Europa e há-de ter feito bons contratos, mas até ver falhou por completo a rampa de lançamento da sua carreira. O Gil Vicente é mais uma oportunidade para que ele evite ser dado como exemplo de um jovem que cedeu demasiado depressa ao apelo do estrangeiro. É nisso, e não na mera exploração do mercado, que deve centrar-se o conceito de gestão de carreira.
Não consigo compreender a analogia, a comparação ou sequer a mistura de assuntos tão díspares como o "caso Rubiales" e o dia-a-dia do SLB. Nem como introdução...
Obrigado