Sair com estrondo
Há alturas em que é importante parar para pensar. O que já alcancei? O que quero a seguir? É possível ser futebolista e ter uma “bucket list”, como mostra Payet, o novo reforço do Vasco da Gama.
Se eu fosse jogador de futebol e estivesse bem na vida, jogar num Maracanã lotado haveria de ser um dos meus sonhos. É por isso que sorrio quando vejo que Dimitri Payet, 36 anos, dispensado pelo Olympique Marselha, recusou as abordagens sauditas e turcas e assinou por dois anos pelo Vasco da Gama, penúltimo classificado do campeonato brasileiro. Não há aqui nenhum julgamento moral a quem assume outras opções, por duas razões. Primeiro, porque cada um sabe da sua vida. Ainda ontem, a ler comentários vossos ao post de Facebook com as Conversas de Bancada do dia, que foram acerca da identificação de alguns futebolistas com os seus clubes, todos cheios de admiração pelos jogadores do antigamente, do pré-Bosman, pensei na enorme quantidade de heróis dos relvados que são mais velhos do que eu, que me marcaram a infância e a adolescência e que depois tive o gosto de conhecer pessoalmente. Muitos estão hoje mancos, com joelhos ou tornozelos destruídos, e pouco ou nada têm de seu, porque o futebol não foi devidamente grato com eles e eles não podiam ir em busca das condições que o seu talento justificava. Depois, porque mesmo no Brasil Payet vai ganhar um milhão de euros ao ano – não têm de ter pena dele, portanto. De qualquer maneira, o que o caso-Payet mostra é que, com o futuro devidamente salvaguardado, há outras formas de olhar para o futebol além da mais frequente, que é a que manda ver quem dá mais. E estes têm sido uns dias recompensadores no que a essa abordagem diz respeito. Wojciech Szczesny, o guarda-redes da Juventus, explicou ontem à TVP Sports, da Polónia, por que razão não vai para a Arábia Saudita: “Já tenho dinheiro que chegue. Prefiro desafios divertidos”, afirmou. Ontem ainda, fiquei a saber pela reportagem de O Jogo que Hugo Vieira, atacante que brilhou no Gil Vicente e foi depois estrela na Sérvia ou no Japão, escolheu acabar a carreira no Santa Maria, o clube do distrital de Braga que o formou e o revelou enquanto sénior. Conheci o Hugo no Outono de 2022, no âmbito da série O Mundial Vai ao Bar (pode ver todos os episódios aqui), e percebi que ele soube acautelar tão bem o pós-futebol, com investimentos na área da construção, que no caso dele as dificuldades para marcarmos uma entrevista não tiveram a ver com aquele tradicional vedetismo dos jogadores de futebol de hoje mas com os reais afazeres com que ele mantinha os dias ocupados. Casos como o de Payet ou de Hugo Vieira permitem-nos perceber que é possível ganhar a vida como jogador de futebol e ter uma lista de desejos porventura idiotas – mas quem é que sabe da sua vida, senão os próprios? – a cumprir antes de acabar. E isso pode ajudar a que nos reconciliemos com este Mundo em que o negócio é tão impositivo.
O Arouca e a TV. Desconheço as razões pelas quais, tendo a transmissão do jogo chegado a ser anunciada pelos jornais como estando prevista para a Sport TV, não foi ontem possível ver na televisão portuguesa a queda do FC Arouca da Liga Conferência, no jogo contra o Brann, na Noruega. Que me tenha apercebido, toda a gente meteu a violinha no saco, assobiou para o ar, falou do tempo, deste Agosto que está tão quente, e prosseguiu para a conversa seguinte. Mas o mais provável é que, por muito que eu simpatize com a posição irónica assumida por David Simão, o capitão arouquense, que no final agradeceu “a todos os que estiveram a ver o jogo na TV em Portugal”, a coisa tenha tido que ver com o mercado, esse malandro. Voltamos à conversa acerca desta pescadinha de rabo na boca que nos diz que os clubes de classe média não têm público, pelo que as TVs e os jornais não lhes dão espaço, pelo que eles continuam a não ter público, pelo que os mass-media continuam a não lhes dar espaço. E aqui anda tudo a disparar ao lado do alvo. A culpa não é da Sport TV, da Eleven, da SIC, da TVI, do Canal 11 ou da RTP, como não é do Record, de O Jogo ou de A Bola por darem só uma página ao jogo. Todos têm de apresentar contas, pagar salários, funcionar em função dos seus objetivos – e não dos da prosperidade dos clubes de classe média. Estes, quem tem de começar por saber defendê-los, são os próprios, que até hoje não fizeram rigorosamente nada nesse sentido na sede devida, que é a Liga – onde continuam, regra geral, a votar abrigados nos interesses dos mesmos grandes que os consomem. É ao futebol que cabe defender a prosperidade da sua própria classe média. E sim, isso passa por ter uma palavra decisiva a dizer quando se trata de negociar transmissões, a começar pelas do campeonato nacional.
Lugar aos novos. Alan Varela chegou cheio de vontade de jogar já no domingo pelo FC Porto, contra o Farense, ignorando que Nico González, que apareceu mais cedo e de uma realidade bem mais próxima, ainda está a amargar banco. Rúben Amorim anunciou que Hjulmand “foi convocado e está preparado” para jogar pelo Sporting já hoje, contra o Casa Pia, em Rio Maior, deixando perceber que, face à ausência de Bragança, as alternativas passam pela entrada do dinamarquês no onze de imediato ou pela repetição da equação com Pedro Gonçalves a meio-campo e Paulinho a jogar na esquerda do ataque, que na segunda parte perdeu o controlo do jogo com o FC Vizela. Arthur Cabral vai ser titular do Benfica contra o Estrela da Amadora, amanhã, face ao castigo a Musa, e há muito quem sonhe com a improvável estreia de Trubin nas redes, com sacrifício do sempre desvalorizado Vlachodimos, o mais famoso resistente da Liga portuguesa. A segunda jornada será de lugar aos novos e tem tudo para manter os sinais positivos que nos deixou a primeira. Enquanto formos encontrando razões para ver os jogos, é porque está tudo bem.
A alma de De Zerbi. Muito boa a entrevista da Gazzetta dello Sport de hoje a Roberto de Zerbi. O criativo treinador italiano do Brighton & Hove Albion fala do que gosta de ver nos seus jogadores – personalidade –, da relação com Guardiola, do ponto que viragem que foi o jogo contra o Manchester City na época passada, da guerra na Ucrânia e do sentimento de vazio que nele ficou quando teve de abandonar uma equipa do Shakhtar Donetsk a cujos jogadores prometera que os levaria a umas meias-finais da Champions. E daquelas duas páginas fica uma frase, importante neste Verão em que perdeu Caicedo e MacAllister. “Disse aos jogadores que os grandes clubes compram quem querem, mas não podem comprar-nos a alma. Essa não está à venda. Das equipas que comandei, este Brighton é a que menos se parece comigo no plano futebolístico, mas a que mais se me assemelha na alma”. A prova tirar-se-á semana a semana, na Premier League.