Agora sem Otávio
Otávio deixou-se seduzir pelos milhões sauditas e foi empurrado pela necessidade do FC Porto capitalizar em mais-valias. Sem ele, muda tudo na equipa de Conceição. A hora é de reconstruir.
Otávio entrou no plantel do FC Porto em 2016, depois de ano e meio de empréstimo ao Vitória SC, e era, com Marcano, Bruno Costa e Galeno – que depois saíram e voltaram – o único elemento do atual elenco azul e branco que já estava no Dragão quando lá chegou Sérgio Conceição, em 2017. Era um 10, nessa altura, um segundo avançado de 4x2x3x1, talvez até um terceiro médio de 4x3x3. Nestes seis anos com Conceição, o luso-brasileiro tornou-se o jogador-emblema da equipa que ele construiu, em tudo o que ela tem de melhor e de pior, de mais atrativo e de mais condenável. Tem uma visão de jogo ímpar, que lhe permite passes de rotura que mais ninguém no plantel consegue inventar – talvez Nico González, mas já lá vamos... É taticamente bastante esclarecido, carregando nele a capacidade do FC Porto para transformar o 4x4x2 em 4x3x3 quando se assume como terceiro médio a partir da ala direita, coisa que Pepê ainda terá de trabalhar muito para poder imitar. É combativo e técnico, forte na recuperação e na reação à perda, mas também na chegada à área, com ou sem bola, no último passe e na finalização – e nesta amplitude de caraterísticas não tem par no resto do grupo. É rezingão, incorpora nele todo o sentimento de revolta inerente ao ser Porto, como se tivesse nascido no seio de uma célula de Super Dragões da Ribeira e não na Paraíba. Protesta com árbitros e adversários, ultrapassando muitas vezes os limites do recomendável, o que faz com que, provavelmente com Pepe e Taremi, se tenha tornado ao mesmo tempo o jogador mais amado pelos adeptos portistas e aquele de quem os adversários menos gostam. Pois Otávio foi-se, seduzido pelos milhões sauditas ao mesmo tempo que empurrado pela necessidade da SAD portista fazer mais-valias para evitar constrangimentos de fair-play financeiro e problemas de tesouraria. Não havendo propostas aceitáveis por Diogo Costa ou Pepê e tendo sido justificadamente impossível vender Taremi, que tem 31 anos, só sobrava ele. O que vem ao mesmo tempo simplificar e adensar o puzzle que Conceição terá de construir. Por um lado, não há no FC Porto um jogador capaz de fazer o que fazia Otávio – tal como já não havia um capaz de fazer o que fazia Uribe. Dizia-vos lá atrás que talvez Nico González pudesse ser capaz de lhe emular os passes de rotura, mas para isso a equipa tem de ser capaz de o absorver a jogar mais atrás, sendo que ele não é bem aquele jogador combativo, de faca nos dentes, que encaixa nessa posição nas equipas de Sérgio Conceição – e por isso mesmo já aí está Varela. Pepê, por sua vez, é igualmente decisivo e criativo no último terço, mas também não tem a mesma capacidade de resposta à perda, que é tão importante para quem joga ali, ou sobretudo a clarividência tática que lhe permita desempenhar o duplo papel ala-10 que era de Otávio. E se a Pepê falta a clarividência, a João Moutinho, de quem se diz que estará de regresso, faltará abrangência: o médio internacional conhece, lê e interpreta o jogo como poucos desde os 18 anos, mas não é, nunca foi, jogador de ala. A falta de um médio que possa fazer pelo FC Porto o que fazia Otávio pode ter na equipa portista o efeito que teve, há um ano, a saída de Matheus Nunes do Sporting. A vantagem de Conceição face ao Amorim de então é que o técnico azul e branco tem muito mais opções à sua disposição – àqueles de que já falei ainda se somam Eustáquio, Grujic, Baró, Franco e Folha. Mas – e é aqui que a coisa se tornará mais simples – servirá de pouco estarmos a pensar este FC Porto de acordo com uma política de perfis, tentarmos adivinhar quem vai fazer de Uribe e quem vai fazer de Otávio. O que há a fazer é construir de novo. E isso é ao mesmo tempo simples e complicado.
O momento ideal. O Mundo está cheio de especialistas em tudologia que, tivessem eles a responsabilidade, nunca cometeriam erros e tomariam sempre as decisões corretas. E o que é bom na missão deles é que depois só são chamados a terreiro quando se constata que os decisores reais fracassaram. É o caso no empréstimo de Jovane à Salernitana, que comporta uma opção de compra por valores que parecem irrisórios face àquilo que o jogador prometeu mas que são reais face ao que ele vale hoje. Visto o caso daqui, é fácil defender que o Sporting devia ter transferido Jovane há mais tempo, em cima daqueles primeiros golos com festejos a mostrar o cabedal e direito a primeiras páginas de jornal, em 2018, ou da meia-final da Taça da Liga contra o FC Porto, que ele tirou do buraco com um bis nos últimos cinco minutos, garantindo uma presença na decisão com o SC Braga. Percebe-se agora que esse jogo, em Janeiro de 2021, foi o canto do cisne para ele em Alvalade. Só que o sentido da vida nunca é esse: vive-se do passado para o futuro. Os mesmos que reclamam que o cabo-verdiano devia ter sido despachado mais cedo serão em grande medida os que protestaram contra a saída de Matheus Pereira para o West Bromwich por nove milhões de euros em 2020 ou que criticam agora a venda de Chermiti ao Everton por 15 milhões. E se o recordo não é para relativizar erros de gestão. É para lembrar que o objetivo primeiro dos clubes não é comprar e vender jogadores, mas ganhar jogos e títulos, mantendo o equilíbrio financeiro. Jovane esteve nos últimos quatro troféus ganhos pelo Sporting, com golos importantes em três deles – a Taça da Liga, a Liga e a Supertaça de 2021. Só isso já devia chegar para se perceber que se não saiu na altura foi porque não havia melhor para a posição dele – da mesma forma que Chermiti só sai agora porque chegou Gyökeres. E isso devia ser suficiente para se aceitar a perda do encaixe com a sua venda mais prematura.
Mais depressa falasses... Ao 18º jogo, a Liga Portuguesa conheceu o primeiro 0-0, ontem, no FC Famalicão-Moreirense. Na época passada tinha sido ao quinto, há dois anos ao décimo e há três ao 16º. Nada mau, portanto. Mas a questão é que esta euforia goleadora que temos vindo a festejar na nossa Liga e que se reflete na média de 3,44 golos por jogo, mesmo depois deste 0-0, não vai durar para sempre. Equipas que agora entram com dois pontas-de-lança – o FC Arouca de Mujica e González, o GD Chaves de Paulo Vítor e Hernández, o FC Famalicão de Cádiz e Araújo... – vão começar a pensar duas vezes e a reforçar os meios-campos quando os relvados começarem a ficar mais pesados e o peso das classificações for também ele maior. Os grandes, que ainda não tiveram uma vitória tranquila, vão também passar tardes e noites de maior desafogo, porque é essa a lei natural das coisas. O público, que nesta jornada bateu recordes da competição, também vai começar a preferir o sofá ao estádio quando o frio e a chuva chegarem e passarem a recomendar algum recato acima da vontade de gozar a brisa da noite. Mas isso não significa que não possamos gozar esta Liga, que está boa.