Só mais um...
SC Braga e Benfica entram na última jornada da fase de grupos da Liga dos Campeões a precisar de ganhar por dois golos. Não basta um, têm de ser dois. As origens dos problemas estão identificadas.
Já passei por essa constatação no Flash relativo ao jogo de ontem (que pode ver aqui), mas explico-a agora melhor: estou cada vez mais convencido de que a identidade tática do SC Braga passa pela associação de dois médios de perfil diferenciado. A divergência, depois, vem do momento escolhido para os identificar. Eu prefiro separá-los pelo que podem dar quando a equipa tem a bola e entendo que ela precisa de um médio capaz de privilegiar a segurança na posse e de outro que a transporte para um jogo mais largo a partir da zona de comando das operações. Isto leva-me a colocar Moutinho, Vítor Carvalho e Castro no primeiro grupo, Al Musrati, Zalazar e André Horta no segundo e a abençoar a profundidade de um plantel que permite escolher dois de seis para rodar. A Pizzi, coloco-o como segundo avançado num 4x2x3x1, onde até pode entrar Zalazar, sim, mas onde o titular é Ricardo Horta. Desconfio cada vez mais que Artur Jorge separa os médios pelo que eles são capazes de dar no momento sem bola, pela capacidade de vestirem a farda de porteiros e de montarem uma barreira fisicamente bem constituída à frente dos defesas-centrais – e aí já Al Musrati e Vítor Carvalho estão sozinhos na sala, remetendo Moutinho, Castro, Zalazar e o mais novo dos manos Horta para o segundo grupo. Ontem, possivelmente para promover o encaixe na tripla de centrocampistas do Union (que dispunha o seu triângulo em 1+2), o SC Braga apareceu com Carvalho e Moutinho atrás de Zalazar, em 2+1. Pode funcionar, sim senhores. Só que não só o uruguaio ali perde dimensão, que só entra em jogo mais tarde e mais à frente – tal como sucede no Benfica com Kokçu, de que serve ter um especialista em ganhar metros no passe de risco e depois colocá-lo à frente, onde já não há metros para ganhar? –, como Moutinho e Carvalho se mostram redundantes com bola. Talvez por isso, o melhor SC Braga de ontem foi, mesmo com dez, quando a expulsão de Niakaté e a saída de Carvalho para recompor a defesa levaram ao recuo de Zalazar para perto de Moutinho e se ganhou complementaridade. O golo alemão mostrou que faltava um elemento no triângulo – Khedira teve muito espaço para gizar a ofensiva – mas nasceu da inferioridade numérica e não do perfil dos médios utilizados.
Sempre o encaixe. Não quero com isto dizer que o encaixe não seja importante, porque apesar da prevalência da zona continuam a ser precisos homens para a preencher. E isso viu-se nas dificuldades que o Benfica teve para manter a vantagem de três golos no jogo contra o Inter (e há aqui comentário Flash do jogo também), curiosamente as mesmas que já tinha tido face ao FC Famalicão. E no mesmo corredor – o direito. A questão fundamental aqui não é a de decretar que Di María não defende ou defende mal e que é por isso que Moura e Rodríguez já tinham aparecido muitas vezes em dois para um com Aursnes, que ontem se viu em grandes trabalhos a partir do momento em que Acerbi começou a subir e a soltar Carlos Augusto pelo corredor. Isso é uma constatação e a decisão de contar com o argentino a partir dali terá sido tomada em nome de outras coisas que ele dá, nomeadamente com bola. Uma equipa é isso, são complementaridades, é a capacidade para mascarar debilidades e aproveitar valências. E nem é claro que a coisa não possa funcionar assim: Aursnes sobe em pressão, Morato não o faz do outro lado, porque tem à frente um João Mário defensivamente mais ativo do que Di María, e todo o setor defensivo desliza para a direita a partir da estabilidade que lhe dá essa linha de três atrás. No papel, isto faz sentido. Faltará ver se funciona no campo de treinos. E repetir. Repetir muitas vezes.
O FC Porto e o populismo. Que o FC Porto não está numa situação financeira fantástica, não é preciso um doutoramento em gestão para o perceber – e nisso tem razão o sócio que, na Assembleia-Geral de ontem, perguntou se André Villas-Boas precisou de um workshop na Universidade de Columbia para “aprender a tabuada”. O protocandidato à liderança do clube identificou bem o problema quando apontou o crescimento da dívida nos últimos doze anos, desde que ele próprio saiu para o Chelsea, período no qual a SAD transferiu doze jogadores acima dos 30 milhões de euros – ou 13, se incluirmos Otávio no rol em que já estavam Falcao, Hulk, James, Mangala, Danilo, Jackson, André Silva, Militão, Fábio Silva, Diaz, Fábio Vieira e Vitinha. Quem gera tanta mais-valia no mercado tem a obrigação de apresentar contas mais saudáveis e é fundamental perceber as razões pelas quais isso não acontece. Uma, porém, podendo até ser sintoma de uma realidade perniciosa de favorecimento de uma casta, não é seguramente a sua causa – mas foi da abdicação dos prémios por parte dos administradores que Villas-Boas fez depender um eventual voto favorável à apresentação de contas que o FC Porto ontem aprovou por margem reduzida. E o facto apresenta a adesão do líder da oposição à retórica populista que já é a especialidade de Pinto da Costa. Faz tanto sentido Villas-Boas defender que os problemas do FC Porto começam nos prémios dos administradores como o faz que Pinto da Costa o critique por não ter comparecido às AG enquanto trabalhava em Londres, São Petersburgo ou Marselha. Ou até enquanto era treinador do FC Porto – e, sem o saber – e juro que não sei – gostava de perceber a quantas AG foi Sérgio Conceição. Ou José Maria Pedroto. Como aglutinador do portismo, já tínhamos o discurso da união contra os bandidos de Lisboa, que funciona sempre. Agora, os sócios terão de decidir entre outras duas retóricas igualmente populistas. E a verdade é que não são esses os argumentos relevantes para discutir o clube.
Eu avisei. Já o tinha dito no Futebol de Verdade em que falei na corrida ao título brasileiro: o Palmeiras era favorito, não por ser líder, não por estar num momento fantástico, que no fim-de-semana tinha visto a equipa muito fatigada, mas porque quem estava mais próximo, que era o Flamengo, ainda tinha de enfrentar a melhor equipa do Brasil neste momento, que é o Atlético Mineiro. Pois bem: Scolari levou o Galo a ganhar no Maracanã e não foi por pouco, foi por 3-0. Não vi o jogo, que foi dia de compromisso duplo na Champions, mas tive pena. E em resultado disso a equipa de Abel Ferreira, que a seguir atropelou o América, o onze mais fraco do campeonato, tem agora direito ao erro e pode até ser bicampeã no domingo, contra o Fluminense, com um jogo por disputar.
Crónica inspiradissima :)