Schmidt, o mentalista
O Benfica pode apurar-se hoje para os oitavos-de-final da Champions, mas o mais importante do desafio com a Juventus é Schmidt manter a equipa no fio da navalha entre o convencimento e a sobranceria.
O Benfica pode hoje ser a primeira equipa portuguesa a garantir a presença nos oitavos-de-final da Liga dos Campeões. Recebe a Juventus, que já bateu em Turim, e sabe que ganhando outra vez carimba o passaporte – um empate também deve chegar, mas aí já será preciso contar com a colaboração do Paris Saint Germain na receção ao Maccabi Haifa. Para a equipa de Roger Schmidt, hoje, há muito em jogo. E os milhões de euros da qualificação, a valorização dos jogadores, até a possibilidade de vir a fazer a sua melhor fase de grupos de sempre não são, para já, o mais importante. O fundamental, mesmo, é a manutenção do ímpeto de uma equipa que ainda na sexta-feira respondeu bem frente ao FC Porto no Dragão, onde venceu o campeão nacional. Na constância mental está o maior mérito do trabalho que tem sido feito por Roger Schmidt, sabedor de que, tal como ele parece estar sempre no banco em apneia, também a equipa precisa de ser capaz de soltar de forma controlada o ar do balão que encheu no início de época.
A coisa já se tornou anedota. A cada nova barreira que os comandados de Schmidt superam, sai a frase: “ainda falta o Benfica ultrapassar um teste a sério”. A brincadeira começou porque os encarnados foram protegidos pelo calendário no início da temporada, arrancando na Liga contra adversários menos credenciados, e os observadores foram temperando o entusiasmo da sucessão de vitórias com a noção de que as verdadeiras dificuldades estavam ainda lá para a frente. Porém, Schmidt tem sabido manter o seu grupo de jogadores no ponto de equilíbrio perfeito entre a crença que é imprescindível e a sobranceria que pode custar dissabores, mas que ainda não se viu – quando muito pode ter aparecido alguma poupança, eventualmente um sintoma de certa forma até inteligente dessa sobranceria. E é esse estado que o alemão sabe que precisa de prolongar pelo máximo de tempo possível, pelo menos até à interrupção para que se jogue o Campeonato do Mundo. Porque nessa altura é seguro que se baralhe e se dê jogo outra vez. E da mesma maneira que o Sporting teve de enfrentar o SC Braga e o FC Porto nas primeiras três jornadas do campeonato, será então o Benfica a ter de se deslocar a Braga e a receber os leões nas três rondas após o reatamento da competição, com jogadores acabados de chegar do que quer que seja que o Mundial e as suas seleções lhes tenham feito à moral e à forma.
A equipa que Schmidt encontrou à chegada à Luz era uma equipa mentalmente destruída, uma equipa que em três anos não tinha ganho rigorosamente nada – e foi isso que eu disse, na RTP, depois da vitória no Dragão, quando deixei que um coloquialismo mais próprio do registo informal do Futebol de Verdade me levasse a afirmar que em três anos os encarnados não tinham ganho “nem a taça da carica”. Os manuais recomendariam uma reformulação ou pelo menos a contratação de jogadores experientes e com cultura de vitória, de gente que pudesse elevar o estado de espírito dos outros. Mas não foi para aí que Schmidt apontou. O alemão quis antes jovens lobos. É claro que este Benfica conta hoje com jogadores que não conhecem o “prometer como nunca e perder como sempre” que tem marcado os últimos anos de Benfica. Que Bah, António Silva, Aursnes, Enzo Fernández, Neres e até Florentino – que daquilo que se lembra do Benfica antes de dar lugar a Weigl é de ganhar... – chegaram de cabeça limpa. Mas, destes todos, só os três últimos tiveram peso no arranque, na criação da dinâmica que trouxe o Benfica até finais de Outubro com 15 vitórias e quatro empates em 19 jogos, depois de já ter defrontado o Paris Saint Germain (duas vezes), a Juventus e o FC Porto.
A vitória no Dragão – como a de Turim antes dela – e a capacidade de sobreviver a um duplo confronto com o Paris Saint Germain solidificam esta crença de que este ano tudo poderá ser diferente. E já se sabe que nenhuma equipa ganha se não acredita em si mesma, no processo, nos métodos do treinador, na sua capacidade para superar obstáculos. É a possibilidade de manter esse ímpeto que o Benfica joga mais logo, quando receber a Juventus na Luz – porque na verdade, mesmo perdendo, dificilmente deixará de estar nos oitavos-de-final da prova, que, embora a teoria possa ser diferente, na prática estão à distância de um só ponto em dois jogos. O problema apresentado pelo jogo de logo dificilmente será de qualificação: mesmo perdendo as duas partidas que lhe restam, o Benfica só não se apuraria se entre Juventus e Maccabi, além de lhe ganhar, um deles vencesse também o PSG. O problema apresentado pelo jogo de mais logo é o de carregar a equipa neste fio da navalha que tem sido a época do Benfica, manter os jogadores convencidos de que são imbatíveis ao mesmo tempo que se lhes anula a tendência para facilitarem que se vê sempre que uma equipa se convence em demasia. Esse, mais do que a capacidade para meter a equipa a pressionar na frente ou a jogar de forma mais vertical, tem sido o maior mérito de Roger Schmidt.
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