Schmidt e a mística
O que ganhou o dérbi para o Benfica foi a mística no peito de Neves ou Silva e não a decisão de bombardear a área do Sporting com cruzamentos. Os encarnados levantam-se do chão, mas têm de refletir.
Ao 30º cruzamento, número que lhe permitiu bater o seu máximo neste campeonato, que eram os 27 tentados contra o Casa Pia, o Benfica encontrou a nesga por onde Tengstedt fez o 2-1 que lhe deu para entrar na pausa de campeonato em primeiro lugar, ainda que com os mesmos pontos do rival. Para quem está em crise, nada mal... Esta é uma daquelas vitórias que levanta uma equipa do chão. Roger Schmidt disse no final que era “impossível ganhar um dérbi de forma mais bonita” do que fazê-lo com dois golos nos descontos, como lhe aconteceu ontem, e eu acho que ele teria provavelmente razão se substituísse o adjetivo. É impossível ganhar um dérbi de forma mais emotiva, isso sim, mas não é preciso ser “do Sporting ou do FC Porto”, como o treinador acusou o jornalista Gonçalo Ventura, para, tendo oportunidade de o fazer, o confrontar com a realidade. E a realidade é que este jogo do Benfica foi tão forte em alma, impulsionada em momentos como os sucessivos duelos ganhos por João Neves – que ele foi “forçado” pelas circunstâncias a devolver ao meio do relvado, em vez de o exilar num corredor – ou o toque a reunir de António Silva depois do primeiro golo, acabando com a festa para se voltar ao trabalho, como foi fraco em capacidade para causar dano a um rival que estava fragilizado por uma expulsão logo a abrir a segunda parte mas mesmo assim foi capaz de manter o desafio sob controlo até aos últimos fôlegos. Porque João Neves e António Silva são mesmo do Benfica – e no caso deles, ao contrário do que acontece com os jornalistas que lhe aparecem à frente no final dos jogos, isso é relevante. O Benfica ganhou o dérbi de ontem na alma, que é um dos aspetos que fazem os campeões, mas não é o único. E ao Benfica ainda ontem voltaram a faltar grande parte dos outros, como a capacidade para achar os bons caminhos para a baliza do adversário através de uma forma menos aleatória do que mandar bolas por alto para uma zona dominada por Diomande, Coates e Saint-Juste. É muito por isso que este Benfica segue esta época com três vitórias em outros tantos clássicos, mas depois sofre nos jogos de perfil menos elevado, onde o apelo à mística é menos pungente. A vitória de ontem permite aos encarnados passar todo o mês de Novembro na frente, que depois da seleção há Taça de Portugal e a batalha por uma vaga na Liga Europa no seu grupo da Liga dos Campeões. Schmidt já reconheceu que sentiu esta época necessidade de improvisar, não se referindo diretamente à decisão de enxertar na equipa um 3x4x3 com o qual ela não estava confortável e de que ontem voltou a abdicar, mas este mês de paragem da Liga é uma ocasião ideal para pôr tudo em causa e recomeçar a partir de bases mais sólidas. Porque depois vêm aí Moreirense, Farense e SC Braga, três boas equipas, às quais não se ganha só com mística. Vai ser preciso futebol.
E vão dez. Não me lembro de ver Rúben Amorim tão abatido como ontem, na conferência de imprensa que se seguiu à derrota no dérbi. Não é caso para menos. O jogo não foi exemplo da máxima “jogar como nunca, perder como sempre” porque o Sporting não esteve a um nível assim tão superior, nem nos 51 minutos em que teve os onze homens em campo, nem depois, quando se viu reduzido a dez, com a expulsão de Inácio. A primeira parte foi dividida, com 20 minutos para o Benfica, 25 para o Sporting, a segunda marcada por um exercício de resistência que quase chegava ao final bem-sucedido mas que depois acabou com dois golos na baliza de Adán. Para Amorim, entre os jogos com o Benfica e o FC Porto, foi o décimo clássico seguido sem vitórias, desde a final da Taça da Liga de Janeiro de 2022. Nos últimos três dérbis, esteve a ganhar em todos, um deles por 2-0, mas empatou dois e saiu derrotado no de ontem. E não é preciso ser do Benfica ou do FC Porto para lhe dizer que uma coisa que acontece um par de vezes até pode ser azar, mas uma coisa que sucede dez vezes seguidas já entra na ordem da falta de competência. Amorim desarma-nos a todos com tiradas com a de sábado, a propósito da ida ao Marquês. “Se não for lá antes, de certeza que já não estarei cá em 2026”, disse. E a questão é que para lá ir tem de ser capaz de derrotar os adversários diretos. Sim, é certo que as Ligas se ganham mostrando consistência e que os leões até foram a equipa mais consistente deste primeiro terço de campeonato, no que também há um grande mérito do treinador, por lhes ter dado um “jogar” confortável e por ter adicionado ao onze o valor seguro de Diomande ou Hjulmand e o valor explosivo de Gyokeres, ainda ontem os três melhores dos que levaram ao relvado da Luz. Mas ao Sporting falta a força mental para se aguentar no confronto direto sem se deixar acometer pelo sentimento de fatalidade que tão bem casa com alma recente do clube. É esse o trabalho que espera por Amorim.
São Diogo. A vitória do FC Porto em Guimarães foi para lá de importante. Foi importante por ter permitido diminuir a distância para o líder, que é agora de apenas três pontos, um pulinho, e por ter sido somada contra um adversário forte e carregado por um público entusiástico como é o do Vitória SC. Mas não é preciso ser do Benfica ou do Sporting para dizer a Sérgio Conceição que aquilo que a equipa jogou foi outra vez poucochinho e que ela foi salva pelas proezas de Diogo Costa, na noite de sábado um guarda-redes capaz de travar tudo o que lhe aparecia pela frente – até um penalti e a respetiva recarga, ainda que esta tenha insistido em cruzar a linha mesmo depois de ele a ter mandado parar. “Ele também está lá para isso”, disse Conceição. E tem razão. Mas por ali as motivações para a pausa que aí vem são outras. Falta ao FC Porto encontrar um futebol que não esteja tão viciado na busca da profundidade por Galeno, um futebol que faça de Pepê mais do que um projeto permanentemente inacabado, um futebol que volte a ser capaz de juntar Taremi e Evanilson sem perder a solidez que lhe era garantida mais atrás por Otávio. Sem isso, também o FC Porto ficará curto para o objetivo a que se propõe.
Um SC Braga sólido? Não seria um exagero assim tão grande dizer que nenhum jogo do SC Braga me convenceu tanto esta época como o mais fraco de todos, que foi o de ontem, em Arouca. Pronto, talvez o segundo mais fraco de todos, que com o Sporting os minhotos tinham sido impedidos de jogar por um adversário mandão. Em Arouca, a equipa de Artur Jorge foi pouco inspirada ofensivamente, criou menos do que o habitual, mas criou o suficiente para ganhar e, através de uma maior capacidade de manter a segurança na posse, foi sólida. Pela primeira vez nesta Liga, o SC Braga não deixou o adversário criar-lhe problemas atrás. Era o FC Arouca, o último da tabela? É verdade. Mas é disso que se fazem as equipas vencedoras, por mais que seja o fogo de artifício na frente a cativar os adeptos. É a partir desta base, com um meio-campo capaz de juntar o critério de Moutinho às vistas largas de André Horta – ou de Al Musrati – que o SC Braga precisa de crescer para ser importante na luta pelo título.