Do céu ao inferno ao céu...
O futebol permite que se vá do céu ao inferno e de volta num ápice. Schmidt parece à nora, mas se ganhar o dérbi é líder. Amorim vai na frente, mas se o perder completa dez clássicos sem uma vitória.
Quem está mais pressionado no Benfica-Sporting de domingo? Se respondeu Roger Schmidt acertou, que o treinador do Benfica já viu carimbada a eliminação na Liga dos Campeões, com quatro derrotas seguidas, meteu uma mudança de sistema tático pelo meio e começa a ver o fantasma que já vitimou Lage e apoquentou Jesus – o da segunda época – a pairar sobre a sua cabeça. Mas se respondeu Rúben Amorim também acertou, que o treinador do Sporting vem de uma época sem títulos e só uma vitória na Luz o impedirá de igualar a solo o recorde de dez clássicos seguidos sem ganhar a Benfica e FC Porto, estabelecido entre Setembro de 2012 e Março de 2014 por Ricardo Sá Pinto (um jogo), Oceano Cruz (um), Frankie Vercauteren (um), Jesualdo Ferreira (dois) e Leonardo Jardim (cinco). Para já, vai com nove, desde a final da Taça da Liga de Janeiro de 2022. Portanto, a verdade é que ambos os técnicos precisam muito deste jogo e que, ganhando, qualquer dos dois afasta as nuvens negras que lhes toldam o horizonte. Roger Schmidt pode encarar a pausa para os jogos das seleções em primeiro lugar da tabela e dizer que afinal ele é que tem razão naquilo que a todos nós deste lado nos parece falta de rumo e de noção e Rúben Amorim pode fazê-lo com uma vantagem de seis pontos que afaste a generalização da crença de que quando as coisas apertam ele e os dele se encolhem. Esta é uma das formas de sublimar a importância destes jogos, os chamados jogos de seis pontos, os três que se ganham e os três que os adversários perdem, e de demonstrar como se pode ir do céu ao inferno, ao céu outra vez e ao inferno outra vez no futebol. Mais vale por isso olhar para o jogo sem ponderar esses fatores, na perspetiva do que valem as equipas. Face a face estarão um Benfica de maior valor facial, por isso mesmo com mais jogadores capazes de num lance mudar o rumo de um jogo, e um Sporting que tem mostrado maior valor real e coletivo, com uma identidade marcada. Mas até a questão da identidade pode ser virada do avesso. Se o Sporting se sair mal, emergirão de novo as críticas ao imobilismo tático de Amorim. Se for o Benfica a baquear, nada do que Schmidt decidir o salvará da exposição do seu desnorte: se cair com o regresso ao 4x2x3x1 será um catavento, se cair com a manutenção do 3x4x3 será teimoso para lá do recomendável. Ainda é muito cedo na época e nenhum resultado do dérbi será definitivo em termos de luta pela Liga, mas este é um jogo invulgarmente importante para as duas equipas. Farei a antecipação tática da partida no FDV Report, que esta semana será entregue apenas hoje, sexta-feira, para já incluir a semana europeia, mas para já pode ficar com esta ideia: quem lhe diga que sabe o que vai acontecer está a aldrabar.
The British are coming. Primeiro tivemos MiIkel Arteta. Depois Ange Postecoglu. Esta semana juntaram-se-lhes Erik Ten Hag e Jürgen Klopp. O que é que estes quatro têm em comum? Muita coisa. São todos treinadores de futebol, lideram algumas das maiores equipas inglesas e não são britânicos, mas julgam-se tanto no direito de encarnar a maneira britânica de ver as coisas que começam a ser aproveitados pela comunicação social de Inglaterra como cavaleiros do apocalipse no anúncio do fim dos tempos para o VAR, porque do alto da autoproclamada superioridade moral de aceitar sempre as decisões do árbitro, sejam elas certas ou erradas – foi assim que cresceram... – os britânicos ainda não engoliram bem esta pílula vermelha que lhes permite ver além da Matrix. É que depois há outra coisa em comum entre estes quatro homens: todos perderam os jogos após os quais energizaram os protestos. E perderam bem. Os dois últimos episódios são sintomáticos de que precisamos de um Paul Revere para montar a cavalo e gritar à população que “vêm aí os britânicos”, essa expressão que desde o poema de Henry Wadsworth Longfellow é uma espécie de anúncio do fim dos tempos. Ten Hag virou-se contra o VAR após a derrota do Manchester United em Copenhaga por causa da expulsão de Rashford, lance que é precisamente sintomático da razão pela qual precisamos do VAR, pois a entrada do atacante inglês pôs seriamente em causa a integridade física do adversário por manifesta falta de cuidado na abordagem. E junta-lhe o penalti cometido por Maguire, por falta de mão com a qual eu tendo a discordar, mas cuja responsabilidade não é do VAR e sim da lei que ele aplica. Tal como não pertence ao VAR e sim à lei a justificação da decisão de anular o golo do empate do Liverpool FC em Toulouse, ontem, por causa de uma mão na bola ocorrida 13 segundos antes do remate final, mas na mesma fase ofensiva. Em contrapartida, sem VAR, todos menos o juiz albanês que esteve no Sporting-Raków teríamos visto os dois penaltis a favor dos leões, que dessa forma teriam passado impunes. É mesmo o regresso a essa velha ordem que queremos? Não me parece.
Quinze anos de Simeone. “El Cholo” Simeone vai renovar contrato com o Atlético Madrid até 2027, o que significa que se o cumprir ficará 15 anos à frente dos colchoneros, tornando-se o segundo treinador mais longevo ao comando de um grande clube espanhol, depois de Miguel Muñoz, que comandou o Real Madrid durante 16 temporadas. O facto de esta ser a primeira renovação em baixa – Simeone vai passar dos 16 milhões limpos por ano para “apenas” 12,5 milhões – leva-me a crer que aquilo já é casamento para a vida e que o recorde de Muñoz vai mesmo cair. E, goste-se ou não, o “cholismo” já é parte da identidade do Atlético. O futebol parece sempre curto, mas isso acontece mais a quem não se lembra do que era o clube antes da chegada do argentino. Simeone devia ter crescido na função? É verdade que sim. Mas não há-de-ser fácil fazê-lo e manter-se competitivo quando se tem de jogar regularmente com o Real Madrid e o FC Barcelona. Simeone tem feito o percurso que a consciência lhe manda e casos como o de Griezmann provam que ele não é um destruidor de carreiras de quem tem talento. Eu há muito que lhe dei o benefício da dúvida e, confesso, o meu vício dos underdogs até me levou a vibrar com algumas das suas conquistas.
Cocktail explosivo. A demissão de Nuno Espírito Santo do Al Ittihad, meses depois de se ter sagrado campeão saudita, e os relatos nos jornais locais acerca da discussão que o treinador português terá mantido com Karim Benzema ao intervalo do seu último jogo, exigindo-lhe mais trabalho defensivo e liderança pelo exemplo, vieram deixar bem à vista como é explosivo o cocktail que está a ser criado no futebol do maior país da península arábica. A expansão da Liga saudita passa pela contratação de treinadores com algum prestígio e de futebolistas de fama mundial – Benzema era o Bola de Ouro vigente até há uma semana. Os primeiros têm de fazer pela vida, porque senão acontece-lhes o que aconteceu agora a Espírito Santo, e para isso precisam de incutir uma ética de trabalho que muitos dos segundos não querem para as suas vidas neste momento. Muitas das estrelas de dimensão planetária que se mudaram para a Liga Saudita entraram em reforma ativa. Agora imaginem-se com 66 ou 67 anos, acabados de entrar na reforma, a fazer aquilo que se faz na reforma, sei lá, a jogar sueca ou dominó com os amigos no jardim, mas ouvirem alguém que ainda por cima não é a vossa mãe a dizer que têm de arrumar o quarto, ajudar na limpeza da casa e ir fazer recados. Não se atura, pois não?
Se o Benfica perde...fica a seis pontos.
Se o Sporting ganha, abre seis pontos para Benfica e Porto.
Este jogo é importantissimo para o campeonato