Qual é que rejeita?
O futebol é como o “1, 2, 3”. O espaço, como o prémio dos serões da TV, surge sempre, porque está lá. A escolha é a de perceber onde se busca e onde se tapa. Foi aí que Conceição ganhou ao Arsenal.
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Luís Neto explicou ontem, na conferência de imprensa de antecipação do Sporting-Young Boys de hoje, como se diminui o impacto de Gyökeres no jogo. Rúben Amorim, que ia falar a seguir, ainda brincou com a situação, quando, a rir, disse, ao sentar-se: “O Neto vai ficar com o meu trabalho, não vai?”. Mas, enquanto as redes sociais se enchiam daquilo para que mais servem, que é de indignação, aqui porque o defesa leonino teria dado armas ao adversário, o caso veio recordar aquela frase antiga de Sérgio Conceição, quando o treinador do FC Porto disse que o Sporting de Amorim era “fácil de ler, mas difícil de contrariar”. O segredo, como o próprio Conceição mostrou no laboratório do Dragão à noite, contra o Arsenal, em jogo da Champions, não está só em saber como se diminui o impacto do adversário no jogo. Está, sim, na capacidade para o fazer – e foi isso que o FC Porto fez à equipa de Arteta, roubando-lhe as entrelinhas, dando-lhe a profundidade, mas impedindo-a de a usar com agressividade a tirar-lhe as bolas descobertas. “Como? Em português, por favor!”, dirão agora aqueles que embirram com este jargão futebolístico. Já vou simplificar, mas antes tenho de complicar mais um pouco. Tal como dizia o sempre subvalorizado José Peseiro na ótima conversa que manteve com os autores do Podcast “No Princípio Era a Bola” desta semana, o futebol “é uma luta de espaço, tempo e número: é ter mais número, mais espaço e mais tempo do que o adversário”. Contra o Arsenal, Conceição parecia que estava frente ao Carlos Cruz dos tempos áureos, no “1, 2, 3” dos serões televisivos. “Espaço, tempo e número, qual é que rejeita?”. E o treinador do FC Porto começou por abdicar do tempo, dando a posse aos ingleses, porque percebeu que aí não podia sequer lutar. E centrou-se naquilo que podia controlar: a relação do espaço com o número. O espaço está sempre lá, o campo tem 105 metros por 68 e isso não muda nunca – o que se pode fazer é tornar partes desse espaço inutilizáveis, por exemplo subindo a linha do fora-de-jogo. Ou reciclar espaço que à partida se pensaria que não serve para nada, fazendo “campo grande”, isto é, começando a trocar passes mais atrás, para atrair a pressão do adversário, obrigando-o a dispersar o terceiro fator, que é o número. Porque o número também começa sempre igual. São onze contra onze até alguma infelicidade – uma lesão, uma expulsão... – acontecer, mas uma coisa é uma equipa ter a possibilidade de centrar os seus onze num espaço mais restrito e outra é espalhá-los por todo o campo. Contra o Arsenal, depois de ter rejeitado o tempo e abraçado a associação entre espaço e número, Sérgio Conceição foi confrontado com outra escolha, que era a de definir em que espaço concentrava os seus números. “Entrelinhas ou profundidade, qual é que rejeita?”, perguntou-lhe o apresentador do espetáculo que era o jogo. Conceição rejeitou a profundidade. Percebeu que, com dois centrais rápidos como são Pepe e Otávio, pode resistir à ideia de baixar a última linha e optar antes por a fazer jogar mais perto dos médios, que ontem fechavam no momento defensivo em linha de cinco, incluindo Francisco e Galeno na largura. Dessa forma, o FC Porto roubou ao Arsenal aquela que é a sua principal arma ofensiva: as combinações entrelinhas, a forma como Ødegaard e Saka dialogam naquele espaço, com a inclusão de White em zona interior a partir da lateral direita, a maneira como Trossard e Havertz fazem o mesmo a partir do outro lado, desviando as atenções para longe do local onde é suposto aparecerem os slaloms de Martinelli. Restava a questão do espaço atrás da última linha, aquele a que o jargão futebolístico chama “profundidade”, que podia ficar perigoso se a bola lá entrasse com qualidade. E esse problema foi resolvido com a agressividade da pressão, impedindo os médios do Arsenal de terem bola descoberta, isto é, bola de frente para o jogo e com tempo para levantar a cabeça e escolher onde a colocar. No final, resultou – e não quer dizer que resulte em Londres... – naquele golaço de Galeno, que foi o equivalente ao júbilo do apresentador do “1, 2, 3” quando anunciava: “Ganhou este fantástico au-to-mó-vel!”
“Vou-me embora!” O plantel do FC Barcelona reagiu bem ao anúncio de Xavi Hernández de que se vai embora do clube no final da época e, depois da derrota contra o Villarreal CF (3-5) que o antecedeu, ainda por cima a terceira numa série de cinco jogos que custou a saída da Taça do Rei e a perda da Supertaça, nunca mais perdeu. Ontem, horas antes de os catalães irem a Nápoles buscar um empate (1-1) que de certa forma até foi lisonjeiro para os italianos, o Bayern Munique já anunciou formalmente que vai dispensar Thomas Tuchel no final da época, apenas um ano e meio depois de ter despedido Julian Nagelsmann à pressa para poder contratá-lo, assim que ele ficou livre do Chelsea. Não sei se a ideia dos responsáveis bávaros é a de tentar repetir o efeito que se viu na Catalunha, baixar a pressão que conjuntamente se faz sentir sobre treinador e jogadores, mas creio que dificilmente as coisas se endireitarão em Munique. Como em Barcelona, aliás. Porque uma coisa é beneficiar da redução de expetativas para fazer umas flores e outra é transformar equipas com problemas sérios em coletivos ganhadores.
Os três problemas da UEFA. Estive ontem numa sessão de esclarecimento promovida pela UEFA em Lisboa a propósito do novo formato da Liga dos Campeões e, sendo eu há décadas um defensor do paradigma continental para as competições – na medida em que ele se opõe ao nacional – devo dizer que gosto da reformulação. A nova Champions será mais interessante mas ao mesmo tempo mais opressiva no calendário, pois não só não resolve as questões que temos neste momento como as agrava. As pré-eliminatórias continuam a começar em Julho, numa altura em que os jogadores que tenham estado na fase final de um Europeu ou de um Mundial de seleções ou de clubes, quando ele começar, ainda não tiveram sequer tempo de parar, quanto mais de fazer férias. E a introdução de duas jornadas suplementares na fase de Liga com que a UEFA vai substituir a fase de grupos vai obrigar a que se jogue em Janeiro, que é período de paragem para muitos campeonatos que, por questões climáticas, são forçados a começar mais cedo no Verão e introduzem ali um período de pausa. Os calendários, porém, são apenas um dos problemas que a UEFA terá de enfrentar nos tempos mais próximos, sendo os restantes mais diretamente relacionados com as finanças. Falo do controlo da distribuição da receita gerada pelo futebol e da multi-propriedade dos clubes. Partindo do princípio de que quem parte e reparte pode sempre guardar para si mesmo uma boa parte, a guerra, entre UEFA, FIFA e os próprios clubes, associados em grupos como o que quis lançar a Superliga, vai ser a propósito de quem controla essa repartição. Aliás, minto: não vai ser, já está a ser. E nessa guerra desempenharão um papel importantíssimo os grupos de pressão que começam a ser constituídos por projetos como o City Group ou outros que decidam aglomerar clubes debaixo da sua alçada. Os próximos meses serão decisivos nesta batalha e é neles que a UEFA precisa de assumir uma posição de força. Até porque o licenciamento para as competições de 2024/25 está aí à porta e, para já não falar do fechar de olhos ao que a Red Bull faz em Leipzig e Salzburgo ou ao que a Red Bird fez este ano com o Milan e o Toulouse FC, há a possibilidade de o City Football Group aparecer com o Manchester City e o Girona FC e de a Ineos querer meter o Manchester United e o OGC Nice.
As contas do Sporting. Foram excelentes os resultados financeiros apresentados pela Sporting SAD no primeiro semestre de 2023/24, com lucro de 58 milhões de euros e capitais próprios positivos de 67 milhões. Há ali peso das vendas contabilizadas neste período, como é claro – e lá estão Ugarte, Porro, Chemiti ou Tiago Tomás – mas também houve investimento, tanto em Gyökeres, Hjulmand e Fresneda como na compra de percentagem que faltava em passes de jogadores que já estavam no plantel de Rúben Amorim. Como os resultados operacionais antes de transferências continuam a ser negativos, o que estas contas nos dizem é que as SAD portuguesas precisarão sempre de vender jogadores, por melhor que lhes corra a vida – mas isso nem é um problema, porque os jogadores também acabam por querer sair, mais tarde ou mais cedo, e tal como já escrevi aqui o segredo está na gestão controlada dessa sangria. E. no limite, o que podemos ler ali é que tudo depende da competência que se mostra depois, na prospeção e, sobretudo, no campo, na maneira de fazer conjugar o trabalho de quem procura talento com o de quem o exponencia. É isso que o Sporting de Viana e Amorim tem feito como nunca fizera na sua longa história. E é isso que Frederico Varandas tem de assegurar que não se perde, ganhem-se ou percam-se os campeonatos.
Em relação às contas dos clubes, acho tudo uma grande mentira. O Porto apresenta resultados positivos mas foi buscar receitas televisivas do futuro. O Sporting apresenta resultados positivos mas o passivo aumentou. (Pelo menos foi o que me pareceu ao ler as notícias) Se aumentou é sinal que gastou mais do que recebeu. Sinceramente não sei o que fazem aos milhões